17 outubro 2024

As promessas e os limites da atuação do Brasil como mediador internacional

Estudo recente que analisa histórico de mediador do Brasil e alega que o país tem potencial para ampliar sua atuação, mas precisa fortalecer suas capacidades, ampliar sua rede de parcerias e desenvolver estratégias mais eficazes para lidar com os desafios e limitações inerentes a esse papel

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Em um contexto de tensão internacional, com duas grandes guerras na Europa e no Oriente Médio, o Brasil tem tentado se colocar no cenário global como um mediador legítimo, atuando junto à China por um acordo entre Rússia e Ucrânia e se destacando como um dos principais críticos à ação de Israel na Faixa de Gaza. A experiência brasileira em mediações de alto nível como essas revela uma tradição histórica do país, mas também expõe as limitações de sua atuação internacional. 

Segundo um estudo recente que analisa esse histórico, o Brasil tem potencial para ampliar sua atuação como mediador internacional, mas precisa fortalecer suas capacidades, ampliar sua rede de parcerias e desenvolver estratégias mais eficazes para lidar com os desafios e limitações inerentes a esse papel.

‘A experiência brasileira demonstra que o país está habilitado a desempenhar esse papel, como sua tradição pacífica, expertise diplomática e busca por cooperação’

A experiência brasileira demonstra que o país está habilitado a desempenhar esse papel, como sua tradição pacífica, expertise diplomática e busca por cooperação. No entanto, também revela limitações, como o alcance geográfico, a dependência de contexto e a necessidade de ações mais concretas para garantir a efetividade das mediações. 

Em A experiência brasileira em mediações diplomáticas e as perspectivas de atuações futuras, publicado pelo Cebri, o embaixador Fernando de Mello Barreto, oferece uma visão detalhada e histórica do papel do Brasil em mediações internacionais. O autor examina a trajetória diplomática do país, destacando sua atuação em conflitos regionais e globais, como as mediações na Guerra do Chaco, a Questão de Letícia, o conflito Peru-Equador e a tentativa de mediação entre Irã e outras nações em 2010. Através de uma análise teórica e empírica, o texto propõe uma reflexão sobre as capacidades e desafios que o Brasil enfrenta ao assumir o papel de mediador em questões internacionais.

Segundo o artigo, a tradição brasileira se manifesta na ausência de envolvimento em conflitos bélicos desde a Guerra do Paraguai e na opção por não desenvolver armas nucleares. Além disso, a diplomacia brasileira é bem estruturada e possui expertise acumulada sobre contextos e interesses internacionais, especialmente na América Latina. Essa característica permite ao Brasil atuar com conhecimento de causa e oferecer soluções criativas e eficazes em suas mediações.

‘O Brasil acumulou capital diplomático ao longo do tempo e tem se destacado em mediações em sua vizinhança geográfica, buscando ativamente a cooperação e integração regional’

Mello Barreto argumenta ainda que o Brasil acumulou capital diplomático ao longo do tempo e tem se destacado em mediações em sua vizinhança geográfica, buscando ativamente a cooperação e integração regional. A diplomacia brasileira demonstra persistência e resiliência em suas mediações, buscando soluções mesmo em cenários complexos e com interrupções no processo.

Um dos exemplos mais emblemáticos da habilidade brasileira em mediações foi sua atuação durante a Guerra do Chaco (1932-1935) entre Bolívia e Paraguai. O Brasil, junto com outros países, buscou formas de encerrar o conflito, que envolvia disputas territoriais e o interesse de grandes potências petrolíferas na região. Embora o conflito tenha persistido por vários anos, a diplomacia brasileira, sob a liderança de Afrânio de Melo Franco, desempenhou um papel crucial nas tentativas de cessar as hostilidades.

Em paralelo, a Questão de Letícia (1932-1933) entre Peru e Colômbia também foi um exemplo da eficácia do Brasil em mediações regionais. O autor destaca como o Brasil conseguiu atuar como intermediário, facilitando a solução pacífica de um conflito que poderia ter escalado para uma guerra mais ampla. A intervenção brasileira culminou na assinatura de um acordo que restabeleceu a soberania da Colômbia sobre Letícia.

‘A capacidade brasileira de atuar em mediações complexas pode, entretanto, ser limitada pela disponibilidade de recursos financeiros e humanos’

A capacidade brasileira de atuar em mediações complexas pode, entretanto, ser limitada pela disponibilidade de recursos financeiros e humanos. E o sucesso das mediações brasileiras depende das condições específicas do conflito e da receptividade dos atores envolvidos. 

Aqui, Mello Barreto ecoa um outro estudo, mesmo sem citá-lo diretamente. Em Status and Brazil’s role as a peace mediator – lessons of the foreign perceptions of the failed Tehran deal, Daniel Buarque (editor-executivo do portal Interesse Nacional) e Miguel Mikelli Ribeiro discutem como o Brasil busca aumentar seu status internacional por meio dessas mediações diplomáticas. A análise revela que, embora o Brasil tenha se posicionado como um mediador internacional, as grandes potências percebem o país como um ator com influência limitada em questões de segurança global. A experiência do acordo de Teerã é vista como um exemplo de “superextensão” da política externa brasileira, sugerindo que, apesar de suas ambições, o país não possui o reconhecimento necessário das grandes potências para atuar em conflitos de alta relevância geopolítica. O artigo argumenta que o fracasso dessa mediação oferece lições valiosas para futuras tentativas brasileiras de intermediar conflitos, como a guerra na Ucrânia, destacando a importância do reconhecimento de status por outras nações para que o Brasil possa desempenhar um papel mais significativo no cenário internacional

De forma semelhante, Mello Barreto argumenta que a capacidade de mediação do Brasil parece ser mais eficaz em conflitos regionais, encontrando maior dificuldade de aceitação internacional em questões fora de sua vizinhança, como no caso do acordo nuclear iraniano, quando a atuação brasileira se limitou à emissão de um comunicado conjunto, sem ações diplomáticas concretas para sua implementação. A proposta brasileira, que visava evitar a imposição de sanções ao Irã, não foi aceita pelas grandes potências envolvidas, destacando os desafios enfrentados pelo Brasil ao tentar atuar em arenas globais onde outras nações exercem maior influência.

‘Apesar dos resultados frustrantes, a experiência no acordo nuclear iraniano reafirma o compromisso do Brasil com soluções diplomáticas e pacíficas, ainda que, em alguns cenários, o país tenha menos influência do que em seu próprio continente’

Essa falha evidenciou as limitações do Brasil em contextos geopolíticos globais, onde a dinâmica de poder entre as grandes potências é mais determinante do que os esforços de mediação de países de influência regional. O autor aponta que, apesar dos resultados frustrantes, essa experiência reafirma o compromisso do Brasil com soluções diplomáticas e pacíficas, ainda que, em alguns cenários, o país tenha menos influência do que em seu próprio continente.

Barreto argumenta que o Brasil tem vantagens comparativas significativas para atuar como mediador, especialmente em questões regionais e ambientais, devido à sua posição geopolítica e sua tradição diplomática pacífica. No entanto, ele alerta que o sucesso de futuras mediações dependerá da habilidade do país em adaptar-se às novas dinâmicas internacionais e fortalecer sua presença em fóruns multilaterais.

A conclusão do autor sugere que o Brasil deve continuar a buscar parcerias com organismos internacionais, como a ONU e a OEA, para consolidar sua posição como mediador confiável. Além disso, é crucial que o país fortaleça seu capital diplomático, especialmente em áreas onde possui expertise, como a sustentabilidade ambiental. O autor acredita que, ao adotar uma abordagem mais estratégica e multilateral, o Brasil poderá superar os desafios que enfrentou em casos como o do Irã e continuar a desempenhar um papel relevante na diplomacia global.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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