Brasil: Novo presidente herda enormes problemas econômicos e ambientais
Após o governo Bolsonaro, país enfrenta uma séria ressaca econômica. Restaurar a sustentabilidade fiscal é a primeira grande tarefa de Lula, avalia o professor de administração da universidade de Essex Nicolas Forsans, e o presidente busca encontrar um equilíbrio difícil entre proteger os pobres e garantir finanças públicas sustentáveis
Após o governo de Jair Bolsonaro, país enfrenta uma séria ressaca econômica. Restaurar a sustentabilidade fiscal é a primeira grande tarefa de Lula, avalia o professor de administração da universidade de Essex Nicolas Forsans, e o presidente busca encontrar um equilíbrio difícil entre proteger os pobres e garantir finanças públicas sustentáveis
Por Nicolas Forsans*
O recém-eleito presidente do Brasil é um político experiente, tendo já cumprido dois mandatos no cargo. Mas Luiz Inácio Lula da Silva vai tomar as rédeas de um país que parece muito diferente daquele que ele presidiu antes.
Grande parte dessa mudança foi causada pela pandemia de Covid-19. O Brasil teve o segundo maior número de mortes do mundo (depois dos EUA) e o governo gastou cerca de US$ 60 bilhões em medidas de mitigação, incluindo transferências de dinheiro para os mais pobres.
Esses altos níveis de gastos públicos do presidente Jair Bolsonaro (que alguns viram como uma manobra para aumentar sua popularidade antes das eleições de 2022) aprofundaram significativamente o nível de dívida do país.
Agora, o país enfrenta uma séria ressaca econômica. Restaurar a sustentabilidade fiscal é a primeira grande tarefa de Lula, que tenta encontrar um equilíbrio difícil entre proteger os pobres e garantir finanças públicas sustentáveis.
O contexto internacional para isso dificilmente poderia ser mais desafiador. Os níveis globais de inflação e taxas de juros, bem como as restrições de oferta causadas pela guerra da Rússia com a Ucrânia aumentaram drasticamente o custo dos produtos importados.
No passado, os altos preços das commodities apoiaram o crescimento do Brasil, dadas suas exportações substanciais de produtos como ferro e petróleo. Mas a situação hoje é muito diferente. A China, maior parceiro comercial do Brasil, viu seu crescimento econômico esfriar e o preço dessas mesmas commodities diminuiu.
Somado a isso, o Brasil continua sendo uma economia relativamente fechada, que não conseguiu se diversificar para além da mineração e do agronegócio. E enquanto a agropecuária responde por mais de um quarto do PIB do Brasil, com exportações de safras e carnes do país totalizando US$ 100 bilhões em 2021, o setor não tem espaço suficiente para gerar novos empregos, limitando as perspectivas nacionais de recuperação do emprego.
Apesar de uma queda recente, os níveis de desemprego no Brasil permanecem elevados. E combinado com taxas de inflação em torno de 8% este ano, isso está prejudicando os mais pobres, fazendo com que 33 milhões de brasileiros passem fome – um aumento de 14 milhões em comparação com dois anos atrás.
Mas Lula tem alguma experiência nesse sentido. Enquanto esteve no cargo de 2003 a 2011, ele teve o crédito por tirar 33 milhões de pessoas da pobreza, reduzir a pobreza extrema em 25% e expandir o acesso à saúde e à educação.
Agora proteger os mais pobres e vulneráveis não poderia ser mais urgente – mas o quadro econômico global e nacional lhe dá pouca margem de manobra. Uma opção aberta para ele é se concentrar em atrair investimentos internacionais verdes, desenvolvendo o florescente setor de energia renovável do Brasil e agindo rapidamente em suas promessas de campanha de erradicar o desmatamento na Amazônia.
Mas Lula precisará tranquilizar os investidores sobre sua visão mais ampla e planos econômicos. Durante sua campanha, ele prometeu maiores gastos com bem-estar e maiores investimentos, mas também responsabilidade fiscal. Não houve indicações de como ele pagará por sua lista de desejos de gastos até agora.
Mais negociação e menos confronto
No entanto, seus compromissos com a prosperidade e a proteção da Amazônia parecem sinceros. Poucas horas depois de ganhar a Presidência, ele prometeu deter a destruição da floresta tropical e restaurar a credibilidade do Brasil como líder internacional em questões climáticas.
São tarefas imensas. Bolsonaro foi eleito em uma plataforma antiambiental em 2018, e o desmatamento logo atingiu seu nível mais alto em 15 anos. Todos os dias, uma área da Amazônia do tamanho de 2.000 campos de futebol é erradicada e preparada para lavouras ou pastagens.
O governo Bolsonaro enfraqueceu as agências de proteção ao meio ambiente ao mesmo tempo em que fortaleceu a poderosa indústria agrícola que prejudica os povos indígenas e a floresta em que vivem. Alguns especialistas ambientais argumentam que, embora a meta de desmatamento zero seja crível, é praticamente impossível na próxima década.
O Brasil também está profundamente dividido após quatro anos de polarização e violência política. Quase metade do país não votou nele, e muitos o fizeram apenas para tirar Bolsonaro do poder. O fato de muitos políticos pró-Bolsonaro terem sido reeleitos significa que o novo presidente terá que fazer concessões e garantir o apoio dos partidos da oposição, se quiser implementar mudanças.
Igualmente importante é a necessidade de consolidar a democracia brasileira após anos de erosão. Bolsonaro implementou um retorno maciço dos militares à vida política nacional. Hoje ocupam mais cargos na administração pública do que na ditadura.
Estabelecer a preponderância do poder civil sobre as Forças Armadas é fundamental para o fortalecimento democrático do Brasil.
Um vislumbre de esperança está no fato de que, como um dos poucos chefes de Estado a impor o respeito de nações tão diversas como EUA, China, Alemanha e Rússia, Lula pode priorizar a negociação sobre o confronto. Em um mundo polarizado, talvez seja ele quem possa promover a paz e a estabilidade, e corresponder a algumas das grandes expectativas que os brasileiros depositaram em seus ombros.
*Nicolas Forsans é professor de administração e co-diretor do Centre for Latin American & Caribbean Studies, University of Essex
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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