Anthony W. Pereira: Brasil, Reino Unido e as mudanças climáticas
Ambos são países essenciais e exemplos no combate às alterações climáticas. Para professor, eles ainda podem, e devem, crescer muito nas relações ambientais se mantiverem a atual parceria
Ambos são países essenciais e exemplos no combate às alterações climáticas. Para professor, eles ainda podem, e devem, crescer muito nas relações ambientais se mantiverem a atual parceria
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é recebido pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, para discutir o Fundo Amazônia (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Por Anthony W. Pereira*
À primeira vista, Brasil e Reino Unido aparentam ser parceiros improváveis na política internacional. Suas relações comerciais são relativamente sem importância e o comércio bilateral entre os países não aumentou muito nos últimos dez anos. O Reino Unido é o 15º principal destino das exportações brasileiras (1% das exportações totais do Brasil), enquanto o Brasil é o 37º mercado de exportação mais importante para o Reino Unido. Além disso, a Ásia é muito mais interessante para o futuro do Brasil, em termos econômicos, do que qualquer país europeu. Ou seja, a China e a Índia estão crescendo, e o Ocidente está em declínio relativo.
No entanto, há uma área na qual as relações Brasil-Reino Unido geram um engajamento construtivo e apresentam potencial para uma colaboração cada vez mais forte: as mudanças climáticas.
O Brasil é o país mais importante do mundo quando se trata de biodiversidade e possui potencial para ser líder e exemplo nos esforços internacionais para reduzir os impactos das alterações climáticas. Nesse sentido, o Banco Mundial calcula o valor econômico da captura de carbono na Floresta Amazônica, a qual abrange 60% do território brasileiro, em US$317 bilhões por ano. Os benefícios disso são universais, e o Banco Mundial estima que essa quantia seja “três a sete vezes maior do que o valor estimado que poderia ser obtido com agricultura, mineração ou extração de madeira na região”.
As Nações Unidas confirmaram que o Brasil sediará a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em Belém do Pará em 2025, e as políticas do governo brasileiro para conter o desmatamento são fundamentais para o compromisso universal de manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius.
Parte da classe empresarial brasileira concorda com esses compromissos políticos, pois desejam proteger os mercados de exportação e atrair investimentos de outros países. Ademais, o Brasil conseguiu reduzir em cerca de 80% a taxa de desmatamento em sua porção da floresta Amazônica entre 2004 e 2012, mesmo com o aumento da produção de alimentos. Tal concretização foi um claro sinal de que proteger a floresta tropical pode ser compatível com o desenvolvimento econômico.
O Reino Unido, por sua vez, tem uma longa tradição em ciências climatológicas e um histórico mais recente de políticas públicas na área das mudanças climáticas. John Tyndall, por exemplo, descobriu o efeito estufa em 1859 e era um cientista britanico . Além disso, o Reino Unido tem fortes centros de pesquisa, como os institutos Grantham (for Climate Change and the Environment) no Imperial College London e o London School of Economics, e tambem o Tyndall Center for Climate Change Research na University of East Anglia. O governo do Reino Unido encomendou um relatório incisivo e amplamente citado, o relatório Stern sobre a economia das alterações climáticas, em 2006. A Lei das Mudanças Climáticas do Reino Unido de 2008 (alterada em 2019) declara que o país se compromete em reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 100% de 1990 até 2050.
O governo britânico afirma que este foi o primeiro compromisso legal nacional visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e foi aprovado em 2008 por uma maioria avassaladora na Câmara dos Comuns: 463 a 3. A lei criou um comitê que apresenta relatórios anuais ao Parlamento sobre o progresso do governo em direção à meta. Além disso, o país é um dos principais centros de financiamento climático. O governo do Reino Unido também sediou a COP 26, uma conferência que elaborou uma série de novos compromissos globais importantes em relação à eliminação gradual do carvão, reduções nas taxas de desmatamento e metas de zerar as emissões de gases de efeito estufa
Parece haver um forte consenso no Reino Unido de que uma ação internacional coordenada sobre a mudança climática é imperativa. O objetivo é mover a economia mundial – seus setores de energia, transporte, agricultura, manufatura, construção e outros – em direção à neutralidade de carbono, e fazê-lo em um ritmo nunca antes experimentado.
Nas palavras de Simon Sharpe, ex-conselheiro de políticas do Reino Unido e agora membro sênior da ONG World Resources Institute, “Nas últimas duas décadas, as emissões de gases de efeito estufa para cada unidade do PIB global diminuíram em… 1,5% ao ano”. Sharpe continua, “os países do mundo concordaram em tentar limitar o aumento das temperaturas universais abaixo de 1,5º centígrados. Isso requer uma redução das emissões globais, por unidade de PIB, de cerca de 8% ao ano ao longo desta década. Em outras palavras, precisamos eliminar a queima de combustíveis fósseis da economia global aproximadamente cinco vezes mais rápido nesta década do que conseguimos nas últimas duas décadas”. Ele acrescenta, “ganhar lentamente é o mesmo que perder”.
Esse consenso do Reino Unido o torna um parceiro promissor para o Brasil na área das alterações climáticas e o distingue de outros países em que esse consenso é bem menos robusto. Nos Estados Unidos, por exemplo, 28 dos 50 governos estaduais são controlados pelo Partido Republicano. No Partido Republicano, é comum ver as mudanças climáticas associadas a ideias woke, incluindo a chamada ideologia de gênero e a teoria crítica da raça – em outras palavras, algo a ser negado e combatido.
O presidente Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris em 2017 e, se um presidente republicano suceder Joe Biden em 2025, é provável que os EUA saiam do acordo novamente. Os Estados Unidos diferem do Reino Unido nesse respeito, porque para os ingleses o debate é sobre a rapidez com que se deve tentar alcançar a neutralidade de carbono, enquanto para os americanos é sobre se deve-se avançar em direção a isso ou não.
Já existem alguns indicadores da colaboração Brasil-Reino Unido no combate às mudanças climáticas. Por exemplo, em maio deste ano, o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, James Cleverly, visitou uma estação de pesquisa a cerca de 80 quilômetros ao norte de Manaus, no estado do Amazonas, que está investigando a capacidade da floresta tropical de responder a níveis elevados de CO₂ no ar. A pesquisa é co-financiada pelos governos britânico e brasileiro. O Brasil também é parceiro do Reino Unido no PACT (Parceria para a Transição Climática Acelerada). Além disso, quando o presidente Lula foi a Londres para a coroação do rei Charles III em maio de 2023, ele pôde anunciar uma modesta contribuição do Reino Unido ao Fundo Amazônia de £80 milhões de libras, ou cerca de R$490 milhões de reais.
Pode parecer estranho exaltar a possibilidade de uma maior colaboração entre o Brasil e o Reino Unido a respeito das mudanças climáticas em um momento em que ambos os governos têm sido criticados pela imprensa por retroceder em seus compromissos ambientais. No curto prazo, as ações dos países podem oscilar. No entanto, a necessidade de agir cinco vezes mais rápido para evitar um aquecimento global catastrófico, juntamente com a formação de coalizões poderosas em ambas as nações visando avançar em direção à neutralidade de carbono, podem manter essa parceria viva a médio e longo prazo.
Anthony W. Pereira é colunista da Interesse Nacional, diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center na Florida International University e professor visitante na Escola de Assuntos Globais do King’s College London.
Tradução de Letícia Miranda
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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