03 junho 2025

Brasil tem posição de liderança em tempos de múltiplas crises globais

No mesmo ano em que será também anfitrião da COP 30 em Belém, consolidando uma sequência inédita de liderança em fóruns multilaterais iniciada com a presidência do G20 em 2024. Esse alinhamento reforça o protagonismo diplomático brasileiro em pautas centrais como desenvolvimento, paz, clima e reforma da governança global — com a luta contra as desigualdades estruturais como eixo transversal

Preparativos para Reunião do BRICS no Congresso. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Por Maria Elena Rodriguez, Marta Regina Fernandez y Garcia e Renan Canellas*

Em 2025, o Brasil exerce a presidência rotativa do Brics e sediará sua cúpula nos dias 06 e 07 de julho, no Rio de Janeiro. No mesmo ano em que será também anfitrião da COP 30 em Belém, consolidando uma sequência inédita de liderança em fóruns multilaterais iniciada com a presidência do G20 em 2024. Esse alinhamento reforça o protagonismo diplomático brasileiro em pautas centrais como desenvolvimento, paz, clima e reforma da governança global — com a luta contra as desigualdades estruturais como eixo transversal.

Como um dos países fundadores do Brics, ao lado de Rússia, Índia e China, o Brasil tem desempenhado papel fundamental na construção e consolidação do agrupamento. A África do Sul passou a integrar o bloco em 2011. Em 2023, foi anunciada sua maior expansão, com a entrada do Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Arábia Saudita — embora, no caso desta última, a adesão ainda aguarde formalização. Já em 2025, o primeiro ato da presidência brasileira foi a formalização da entrada da Indonésia. Além dos membros plenos, o Brics passou a contar com 9 países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.

Sob o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”, o Brasil estruturou sua atuação em seis eixos prioritários: facilitação do comércio e investimentos; reforma das instituições multilaterais de paz e segurança; enfrentamento às mudanças climáticas; governança da inteligência artificial; fortalecimento institucional do BRICS; e cooperação Sul-Sul com foco em saúde global.

Cenário desafiador de múltiplas crises

O cenário em que se realiza essa Cúpula é, no entanto, desafiador. Vivemos um tempo de policrises: conflitos armados em Gaza e na Ucrânia, uma nova corrida armamentista, agravamento da crise climática, instabilidade econômica internacional, fragilidades persistentes nos sistemas de saúde global e riscos crescentes associados à desregulamentação das tecnologias digitais.

Soma-se a isso a reconfiguração do comércio global, impulsionada por uma guerra tarifária deflagrada pelo governo Trump, que impôs tarifas unilaterais e chegou a ameaçar os países do BRICS com tarifas de 100%, caso avancem na pauta da “desdolarização”.

Em um mundo marcado por polarizações crescentes e sanções econômicas unilaterais, o Brics emerge como uma alternativa de diálogo multilateral, com ênfase na construção de uma ordem multipolar — em suas dimensões econômica, financeira e geopolítica.

Diante de tudo isso, o Brasil procurou estruturar sua presidência em torno de prioridades que dialogam diretamente com os dilemas contemporâneos. A facilitação do comércio e dos investimentos, por exemplo, visa enfrentar os obstáculos impostos pela fragmentação das cadeias globais de valor e pelas políticas protecionistas, promovendo maior integração produtiva e monetária entre os países do BRICS.

O objetivo, segundo o governo brasileiro tem deixado claro, não é substituir o dólar, mas ampliar o uso de moedas locais e mecanismos financeiros mais acessíveis e transparentes — um tema que ganha urgência diante das ameaças tarifárias unilaterais e da crescente volatilidade cambial.

Multilateralismo e democratização do Conselho de Segurança

No eixo voltado à reforma das instituições multilaterais de paz e segurança, o Brasil reafirma sua reivindicação histórica pela democratização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A guerra na Ucrânia, o genocídio em Gaza e os inúmeros conflitos invisibilizados escancaram as limitações de um arranjo marcado pela paralisia decisória e pela desigualdade estrutural entre os membros, onde apenas cinco países concentram o status de membro permanente com o privilégio do veto.

Diante disso, o Brasil propõe um sistema mais representativo, eficaz e sensível à diversidade das ameaças globais. Nesse esforço, o Brics é visto como um espaço legítimo de construção de confiança, diálogo político e alternativas multilaterais aos impasses da atual ordem internacional — mas não como substituto da ONU, cuja centralidade e universalidade continuam sendo fundamentais para a arquitetura global de paz e segurança.

Mudanças climáticas e IA

No eixo da mudança do clima, a proposta brasileira é posicionar o Brics como liderança coletiva na construção de uma agenda climática justa e financeiramente viável. Às vésperas da COP30, a presidência brasileira propõe a adoção de uma Declaração-Quadro dos Líderes sobre Financiamento Climático, bem como ações concretas voltadas à cooperação tecnológica, contabilização de carbono e sinergias entre comércio e transição ecológica.

Essa ambição, no entanto, convive com contradições internas, como a hesitação do governo em relação à exploração de petróleo na Margem Equatorial e a entrada no bloco de grandes produtores fósseis, como Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos. Ao mesmo tempo, os países do Brics são detentores de vastas reservas de minerais críticos e de capacidade financeira, podendo desempenhar papel estratégico na viabilização de tecnologias para a transição energética. Nesse processo, o Novo Banco de Desenvolvimento, criado em 2014, deve ter atuação central, por meio da adoção do financiamento de projetos de infraestrutura sustentável.

A governança da inteligência artificial, por sua vez, emerge como um eixo transversal e estruturante. Diante do avanço acelerado das tecnologias digitais e dos riscos de concentração e discriminação algorítmica, o Brasil propõe uma abordagem centrada em direitos e soberania digital. A ideia é promover uma regulação inclusiva, que reflita a diversidade cultural dos países do Sul Global, incentive a transferência de tecnologia e enfrente as assimetrias de poder em relação às grandes empresas que hoje dominam o setor.

Cooperação em saúde e desigualdade

A cooperação em saúde global — com foco no combate às doenças negligenciadas e socialmente determinadas — recoloca no centro da agenda questões de pobreza, desigualdade e justiça racial. Essas enfermidades, associadas a condições de vida precárias, atingem de forma desproporcional populações vulnerabilizadas e racializadas.

A pandemia de COVID-19 evidenciou a urgência de respostas coordenadas e solidárias. Diante disso, o Brasil propõe, no âmbito do Brics, a criação de uma aliança internacional para a eliminação dessas doenças, por meio de investimentos em pesquisa, produção de vacinas e medicamentos e fortalecimento dos sistemas públicos de saúde. A cooperação Sul-Sul é essencial nesse processo, sobretudo considerando que os países do Brics concentram cerca de 40% dos casos globais de tuberculose e parte significativa da carga das doenças tropicais negligenciadas..

Protagonismo do Brasil

É nesse contexto que se insere a recente expansão do Brics — um movimento que, ao mesmo tempo em que amplia a representatividade global do grupo, impõe novos desafios políticos e institucionais. Conduzida em grande parte pela China e pela Rússia, em busca de novos aliados geopolíticos e comerciais, a ampliação provocou um embate de visões no âmbito da diplomacia brasileira.

Para alguns setores, o aumento expressivo no número de membros poderia diluir o protagonismo do Brasil no bloco e comprometer a capacidade de influência do agrupamento, especialmente considerando que suas decisões são tomadas por consenso — o que torna a coesão interna um fator central para a eficácia do agrupamento. Diante dessas preocupações, o fortalecimento institucional do BRICS tornou-se uma das seis prioridades definidas pela presidência brasileira, que tem defendido uma ampliação disciplinada e orientada por parâmetros claros.

A proposta do Brasil é assegurar que os novos integrantes sejam devidamente socializados às práticas, dinâmicas e procedimentos do agrupamento, de forma a preservar a coesão política e a capacidade de ação do bloco.

Por outro lado, a ampliação do grupo demanda a construção de novos arranjos de governança que integrem os novos membros sem reproduzir estruturas excludentes. A criação da categoria de “país parceiro” — aprovada em 2024, durante a Cúpula de Kazan — gerou questionamentos sobre a existência de diferentes níveis de pertencimento dentro de um agrupamento que historicamente defende a igualdade soberana entre os países. Essa preocupação foi levantada pelo Dossiê organizado pela Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) que alertou para o risco de consolidação de assimetrias internas e para a contradição entre a proposta de democratização da governança global e a adoção de hierarquias formais dentro do próprio bloco.

Função social

Um dos aspectos inovadores da presidência brasileira é o fortalecimento do pilar social do BRICS, denominado “people-to-people”, voltado à participação ativa de movimentos sociais, academia, juventude, setor empresarial, governos locais, sindicatos e outros atores na construção de propostas para o BRICS. Pela primeira vez, esse segmento teve a oportunidade de apresentar suas recomendações diretamente em uma reunião oficial dos negociadores-chefe (sherpas) do agrupamento, estabelecendo um precedente importante para a institucionalização de práticas mais inclusivas no bloco.

A experiência do BRICS Think Tanks Council (BTTC), liderado no Brasil pelo IPEA, exemplifica esse processo: uma série de oficinas temáticas organizadas ao longo do primeiro semestre reuniu representantes de organizações da sociedade civil, de think tanks e gestores públicos para discutir os eixos definidos pela presidência brasileira. O resultado foi a elaboração de um conjunto de recomendações substantivas entregues aos negociadores oficiais — abordando temas como a reforma da arquitetura financeira internacional, justiça climática, saúde global e governança da inteligência artificial.

Ainda que esses avanços sinalizem um compromisso crescente com a escuta de vozes plurais, o caminho para consolidar a participação social como dimensão estruturante da governança do Brics está longe de concluído. Faz-se necessário criar mecanismos permanentes, transparentes e inclusivos de interlocução com os sherpas e fortalecer o protagonismo dos movimentos sociais como condição para que o Brics avance como projeto verdadeiramente democrático e transformador.


Maria Elena Rodriguez, Diretora adjunta do Brics Policy Center e professora do Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Marta Regina Fernandez y Garcia, Diretora do BRICS Policy Center e Professora Associada, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Renan Canellas, Mestrando em Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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