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Interesse Nacional
03 abril 2024

Caso Marielle: Prisão dos mandantes descortina mais uma vez a falência da Segurança Pública no Rio

Conclusão da investigação sobre assassinato da vereadora revela um longo caminho que leva a entender os motivos de um crime tão brutal ter levado tantos anos para ser solucionado

Conclusão da investigação sobre assassinato da vereadora revela um longo caminho que leva a entender os motivos de um crime tão brutal ter levado tantos anos para ser solucionado

Ato por Justiça marca os seis anos do assassinato de Marielle Franco, no centro do Rio de Janeiro, em março de 2024 (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Por Pablo Nunes*

Após seis anos e dez dias de espera, finalmente a justiça brasileira deu uma resposta à pergunta que ecoou durante tanto tempo: quem mandou matar a vereadora Marielle Franco?

O dia 24 de março de 2024 ficará na história do país como o dia em que familiares, amigos, companheiros e a sociedade brasileira receberam a solução total do caso Marielle. E também como o dia em que ficou claro que a conclusão da investigação revelaria um outro longo caminho que nos leva a entender os porquês de um crime tão brutal ter levado tantos anos para ser solucionado.

Não que a sociedade brasileira esteja acostumada a saber quem foram os autores de mortes violentas ocorridas no país. De cada três homicídios ocorridos no Brasil, apenas um é solucionado, o que torna a falta de respostas o padrão nesses casos. A cada ano, ao menos 40 mil novas famílias entram para a estatística de familiares de vítimas da violência. Um grupo gigantesco que, em sua maioria, permanece oculto dos noticiários e a quem a justiça raramente enxerga.

Crime sob intervenção federal

Marielle morreu no dia 14 de março de 2018. Aquele foi um ano atípico. Desde fevereiro daquele ano, a segurança pública do Rio de Janeiro estava nas mãos de generais designados pelo então presidente Michel Temer. Era a Intervenção Federal, desfechada por motivos questionáveis, que foi liderada pelo general Braga Netto, e com Richard Nunes como secretário de segurança pública.

Esses nomes voltaram às manchetes em diversas ocasiões e por muitos motivos. O fato é que a medida de força, envolta em falta de transparência e diálogo com a população do Rio, ligou o alerta para moradores, ativistas, parlamentares e a sociedade civil.

Foi por isso que no início de março daquele ano, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), do qual faço parte, lançou o Observatório da Intervenção, iniciativa que acompanhou diariamente as ações das polícias e das Forças Armadas na Segurança Pública do estado, divulgou dados relacionados às operações policiais, e reuniu a sociedade civil para debater sobre os rumos do combate ao crime no Rio de Janeiro.

Marielle Franco participou do evento inaugural do Observatório e, na ocasião, se dispôs a colaborar de todas as formas com o projeto. Uma semana depois, foi brutalmente assassinada.

A morte de Marielle rasgou o coração de familiares, amigos e colegas de trabalho e colocou toda uma parcela da população em apreensão. Mulheres, negros, favelados e LGBTs que tinham na Marielle sua representante e inspiração se viram agora sob a mira de uma violência difusa e perigosa. Mas o tiro em Marielle, que procurava calar esse grupo que ela representava, foi o estopim para que manifestações gigantescas em todo Brasil e no mundo ocorressem. Todo dia 14 de março era dia de celebrar a vida de Marielle, e também era dia de exigir justiça.

Foram longos meses de espera. Ainda no primeiro ano, o nome de Domingos Brazão foi apontado como sendo suspeito de mandar assassinar a Marielle. O conselheiro do Tribunal de Contas do Estado tem longa história nas tribunas das casas legislativas e no noticiário criminal. Foi deputado estadual por quatro mandatos e era parte integrante da “cúpula do PMDB”, grupo que ficou conhecido por dominar a política no Estado do Rio de Janeiro por mais de uma década.

A profunda ligação com a elite política do estado e, consequentemente, a forte influência nas corporações policiais, fez com que Brazão saísse ileso de uma série de acusações feitas contra ele nos últimos anos.

Dinastia na política e no crime

A família Brazão é uma das mais poderosas dinastias de poder no estado, com forte influência tanto na política institucional quanto no submundo do crime. Os Brazão são conhecidos pela sua presença na Zona Oeste da capital fluminense, área de domínio territorial das milícias, espalhando sua zona de influência pelos bairros de Gardênia Azul, Rio das Pedras, Taquara, Vargem Grande, Vargem Pequena e uma parte de Jacarepaguá.

Um dia antes da prisão de Domingos e Chiquinho Brazão, as favelas da Chacrinha e do Jordão, na mesma Zona Oeste, receberam a presença de Kaio Brazão, filho de Domingos, que está em plena pré-campanha eleitoral para ocupar um assento na Câmara dos Vereadores. E, diga-se de passagem, com apoio explítico do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Rivaldo Barbosa e a degradação completa das instituições

Famílias como a dos Brazão se perpetuam no poder comprando a certeza da impunidade. Mas a prisão do ex-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, por tentativa de atrapalhar as investigações do caso Marielle, chocou a todos os que acompanham o caso há seis anos.

Rivaldo era uma figura que sempre aparecia no noticiário para pedir à população que confiasse no trabalho da polícia, e que ele daria uma solução para a morte de Marielle. Visitou a mãe da vítima poucos dias após o assassinato, e fez discursos emocionados, sempre posando de indignado com o crime, e prometendo justiça.

Com sua prisão, a sociedade brasileira olhou na cara da degradação das instituições de segurança pública do Rio de Janeiro.

Rivaldo não só garantiu a impunidade do grupo criminoso por trás da morte de Marielle, mas, segundo o relatório da Polícia Federal que levou à sua prisão, também participou do planejamento da execução.

Não é à toa que policiais e ex-agentes sejam os principais matadores de aluguel. Eles conhecem por dentro as estruturas das corporações e sabem as técnicas para garantir que as evidências do crime sejam apagadas.

Prisões em sequência de chefes de polícia

Nesse sentido, a prisão de Rivaldo diz mais do que a participação de um ex-chefe de polícia em um dos crimes mais noticiados da história brasileira. Ela diz muito também sobre os motivos pelos quais figuras como Rivaldo possam existir e prosperar dentro do serviço público.

Nos últimos anos, quatro ex-chefes de polícia civil foram presos no Rio de Janeiro. E Rivaldo, se nada for feito, não será o último.

Foram longos seis anos de espera, dor e angústia para se obter respostas. As revelações trazidas pela Polícia Federal não esgotam as dúvidas que ainda restam sobre o caso. Principalmente, o relatório que levou à prisão Domingos e Chiquinho Brazão, além de Rivaldo Barbosa, é o início do caminho em busca de justiça.

Mas uma coisa é certa: não foi o relatório da Polícia Federal que fez com que as esperadas respostas chegassem. Foram os familiares, amigos e a sociedade civil que incansavelmente perguntaram e cobraram por respostas. Elas começaram a chegar.


*Pablo Nunes é doutor em ciência política pelo IESP/UERJ e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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