26 outubro 2023

Daniel Buarque: A questão ambiental e a imagem internacional do Brasil

Notícias sobre seca e queimadas interrompem otimismo estrangeiro com a política do governo Lula em defesa do ambiente e da Amazônia. Momento negativo ecoa período de fortes críticas estrangeiras sobre a postura permissiva de Bolsonaro em relação à destruição da floresta

Notícias sobre seca e queimadas interrompem otimismo estrangeiro com a política do governo Lula em defesa do ambiente e da Amazônia. Momento negativo ecoa período de fortes críticas estrangeiras sobre a postura permissiva de Bolsonaro em relação à destruição da floresta

Vista aérea de região atingida pela forte estiagem na região de Catalão (AM) (Foto: Cadu Gomes/VPR/EBC)

Por Daniel Buarque*

A imagem do Brasil projetada na imprensa internacional recentemente tem sido fortemente marcada, desde o início de outubro, por reportagens a respeito de graves problemas ambientais vividos pelo país. Ao longo de três semanas, o Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) revelou que os temas de maior destaque na cobertura da mídia estrangeira foram sobre a seca no norte do país, queimadas que espalham fumaça por toda a região e pela morte de botos em rios de água “fervente”.

Isso contrasta fortemente com o tom de “salvação do planeta” que tomou conta de parte de analistas nessa mesma imprensa internacional quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente. 

Essa empolgação estrangeira com a vitória do petista no ano passado era uma resposta à preocupação global com a destruição da Amazônia durante o governo de Jair Bolsonaro. De fato, os dados iniciais sobre a Amazônia no governo Lula mostraram algum avanço da política ambiental, com inversão na tendência de aumento no desmatamento que se registrou entre 2019 e 2022. Mas os efeitos da seca começaram a exibir mais uma vez este lado negativo da questão ambiental do país, com a projeção de uma ideia de “distopia climática”.

‘Apesar da ressalva do contexto político diferente, a imagem projetada agora parece ecoar o que aconteceu no governo anterior’

Apesar da ressalva do contexto político diferente, a imagem projetada agora parece ecoar o que aconteceu no governo anterior. O ex-presidente ficou muito associado ao negacionismo ambiental e climático, e chegou a ser responsabilizado diretamente pelo aumento do desmatamento. Por mais que não haja vozes responsabilizando diretamente o atual governo pela seca e pelo desmatamento atuais (e exista até quem o defenda), o noticiário mostra um lado problemático do país que enfrenta dificuldades para proteger sua floresta.

Um estudo recém-publicado pela revista acadêmica Brasiliana – Journal for Brazilian Studies revela detalhes importantes sobre essa percepção estrangeira a respeito da Amazônia e da questão ambiental no Brasil. 

‘A Amazônia se consolidou como uma das principais associações negativas da marca Brasil durante o governo de extrema-direita’

A pesquisa (de minha autoria em parceria com a pesquisadora Fabiana Gondim Mariutti) analisa os impactos da grande projeção internacional da notícia sobre os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira. Ela mostra como a Amazônia se consolidou como uma das principais associações negativas da marca Brasil durante o governo de extrema-direita.

O artigo Death and Fire: The Amazon and Brazil’s status under the far right se debruça sobre um recorte de dados do iii-Brasil relacionados ao período em que foi feita a cobertura internacional sobre o desaparecimento e morte dos dois. E mostra como aquele momento serviu como um símbolo para a consolidação de uma imagem negativa (de fogo e morte) associada à Amazônia – especialmente durante o governo de Bolsonaro.

‘A natureza e a Amazônia são estereótipos do Brasil tão populares quanto o futebol e o carnaval’

Este resultado é especialmente importante porque a região da floresta foi historicamente um dos mais fortes ícones da percepção internacional sobre o país. A natureza e a Amazônia são estereótipos do Brasil tão populares quanto o futebol e o carnaval. E sua imagem tradicionalmente tendia para aspectos positivos, ainda que a cobertura sobre destmatamento seja sempre intensa.

Desde a virada do ano, com todo o otimismo e as promessas do novo governo em relação a uma política voltada à proteção da floresta, estudos têm apontado para a necessidade de o Brasil ir além da retórica e apresentar avanços reais na área ambiental. É verdade que o desmatamento na Amazônia caiu logo após a volta de Lula ao poder, mas ainda há focos de incêndio em outras partes do país, como o cerrado e o pantanal, e a seca facilita a expansão do fogo até mesmo no norte do país. 

Para garantir que a floresta volte a ser apenas um clichê positivo da imagem do Brasil no mundo, ou mesmo ajude o país a construir um papel de liderança internacional, é preciso reforçar a política ambiental e redobrar os esforços para conter os efeitos negativos da seca e evitar a volta do desmatamento. Além do discurso, é preciso ação – e resultados. 

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/iii-brasil-seca-na-amazonia-projeta-ao-mundo-imagem-de-distopia-climatica-do-pais/

*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional 

O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) é uma análise da imagem do país realizada a partir de um levantamento sistemático de dados sobre notícias que mencionam o Brasil a cada semana em sete publicações internacionais, selecionadas como representativas da imprensa internacional por serem reconhecidas internacionalmente como “newspapers of record”. São elas: The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos), El País (Espanha), Le Monde (França), Clarín (Argentina), Público (Portugal) e China Daily (China).

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