Dez anos depois, Junho de 2013 e seu legado seguem sem um consenso
Onda de protestos gerou interpretações variadas e talvez possa ser lida como um fenômeno com muitos significados. Para pesquisadores, manifestações exigem uma discussão mais aprofundada sobre o próprio conceito de democracia de forma mais ampla e internacionalizada
Onda de protestos gerou interpretações variadas e talvez possa ser lida como um fenômeno com muitos significados. Para pesquisadores, manifestações exigem uma discussão mais aprofundada sobre o próprio conceito de democracia de forma mais ampla e internacionalizada
Por Daniel Buarque*
Dez anos depois da onda de protestos registrada pelo país em junho de 2013, acadêmicos de todo o mundo ainda têm dificuldade em chegar a um consenso sobre o significado e o legado dessas manifestações. Há diferentes visões e interpretações sobre o que aconteceu naquele momento e o que ficou dele, mas nenhuma resposta definitiva.
Isso ficou evidente no início do mês durante o seminário 10 years of the June 2013 protests in Brazil: From democratic dreams to authoritarian nightmares (and back?) realizado na universidade Loughborough, no Reino Unido. Durante um dia e com participação de pesquisadores de diferentes países, o encontro contou com mesas sobre o significado da democracia, as narrativas em torno dos protestos à época e hoje em dia, além das possíveis relações entre as manifestações e a ascensão da extrema-direita. E a principal conclusão do evento é que não é possível chegar a uma conclusão clara.
“A gente não pode reduzir a complexidade de Junho de 2013, porque muitas vezes essa tentativa de estabelecer uma narrativa que defina os protestos em uma única ideia, uma definição, um conceito não é suficiente. Junho de 2013 não cabe em uma definição. Você não pode dizer que ela é só uma coisa”, explicou a organizadora do seminário, Ana Cristina Suzina, pesquisadora do Instituto de Mídia e Indústrias Criativas de Loughborough.
No evento, ela disse, diferentes acadêmicos tinham diferentes leituras. “Junho de 2013 continua sendo muito difícil de explicar de forma taxativa. É muito difícil dizer, mesmo dez anos depois, que foi uma liberação democrática de um grupo da sociedade brasileira que não protestava antes e que passou a participar da política. Também não podemos dizer que foi, sozinho, responsável pela ascensão da extrema-direita”.
“Junho de 2013 é ‘isso’ e ‘aquilo’. Teve participação política, teve uma apropriação cidadã das ruas e do debate político, teve estímulo para emergência de movimentos de direita, teve um monte de coisas.”
Segundo Suzina, que é jornalista e doutora em ciência política pela Université Catholique de Louvain, a narrativa é complicada também porque os próprios jornalistas que cobriram os movimentos não sabiam mais como avaliar os protestos, pois eles saíram da cartilha em duração, em proporção, no discurso que emergiu da rua. “Não dava para amarrar numa narrativa. E aí depois vieram todos os analistas políticos e as tentativas de tentar reduzir um fenômeno tão grande, tão diverso e tão complexo”.
O significado de democracia
Do ponto de vista da academia, e de forma internacional, os protestos de Junho de 2013 levaram a uma discussão sobre os conceitos usados para explicar a democracia. As manifestações levaram a discussões sobre o que os manifestantes queriam dizer quando falavam em democracia. “A conclusão é que talvez junho de 2013 exija uma busca por novas formas de entender democracia, e talvez tentar integrar mais as visões de democracia que estão circulando na sociedade”, disse Suzina.
“Junho de 2013 criou um apelo para que cientistas, analistas políticos, ativistas e gente que lida com esse campo da política pare para pensar que talvez, quando a gente está falando de democracia, a gente não está necessariamente integrando a visão das pessoas sobre o que elas esperam que uma democracia seja. Existem ideias de democracia na sociedade que são contrastantes. Pode ser que elas não sejam opostas, necessariamente, mas existe uma apropriação da ideia de democracia. Na teoria ela pode ser bem clara, mas na hora que os cidadãos e as cidadãs vão para a rua pedir mais democracia, é muito provável que eles estejam pedindo coisas diferentes”, disse.
Segundo ela, o Brasil não está isolado nesse sentido, o que engloba uma insatisfação generalizada com o sistema político. E tentar entender o que as pessoas estão buscando é importante, porque elas talvez não estejam dizendo que não querem democracia. “Elas querem democracia, mas elas estão tão insatisfeitas com a política que essa associação política e democracia é quase uma coisa só faz com que elas acabem buscando coisas que não são necessariamente democráticas. Democracia não é fácil. Democracia é difícil.”
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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