Desmatamento zero na Amazônia agora é possível – eis o que precisa acontecer
Políticas de redução do desmatamento falharam até agora por limites e falta de implementação dos compromissos internacionais. Para professora de conservação e desenvolvimento, a eleição de Lula no Brasil aumenta a esperança de preencher essas lacunas e trabalhar para ampliar as políticas de proteção das florestas em todo o mundo
Políticas de redução do desmatamento falharam até agora por limites e falta de implementação dos compromissos internacionais. Para professora de conservação e desenvolvimento, a eleição de Lula no Brasil aumenta a esperança de preencher essas lacunas e trabalhar para ampliar as políticas de proteção das florestas em todo o mundo
Por Rachael Garrett*
Jair Bolsonaro foi derrotado nas eleições brasileiras contra Luiz Inácio Lula da Silva, para a alegria de cientistas, ambientalistas e ativistas de direitos humanos no Brasil e além. O que acontece no maior país da América do Sul é globalmente significativo porque, entre outras razões, o país contém a maior parte da maior floresta tropical do mundo.
Sob Lula, o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia em 84% entre 2004 e 2013 e expandir os direitos e a proteção dos indígenas. Lula prometeu em seu discurso de posse trabalhar pelo desmatamento zero na Amazônia e proteger as áreas indígenas da invasão de mineradoras e outros interesses. Boas notícias.
Dezenas de países e centenas de empresas e atores financeiros já assumiram compromissos ousados para deter o desmatamento. Por exemplo, a Unilever pretende alcançar conversão zero de ecossistemas nativos para óleo de palma, papel e cartão, chá, soja e cacau até o final de 2023.
Mas, até o momento, essas promessas carecem de força na maioria das áreas de risco. Famosamente, em 2014, a Declaração de Nova York sobre Florestas, uma coalizão de empresas comprometidas, países, sociedade civil e grupos indígenas, prometeu eliminar o desmatamento causado por commodities até 2020. Mas em 2021 o grupo adiou seu prazo até 2030, e muitos ativistas contra desmatamentos estão céticos de que esse prazo seja cumprido.
Pouco progresso até agora
Até agora, mesmo os compromissos mais ambiciosos e bem implementados tiveram pouco progresso. Uma pesquisa publicada por mim e outros colegas em outubro analisa o impacto da moratória da soja, um compromisso de comerciantes globais e da indústria brasileira de parar de comprar soja produzida na Floresta Amazônica desmatada após 2006. A enorme indústria de soja do Brasil é o segundo maior impulsionador do desmatamento depois da carne.
Descobrimos que o desmatamento direto para a soja na Amazônia foi reduzido em 55% entre 2006 e 2015. Para muitas empresas, essa foi uma conquista muito útil, pois as ajudou a cumprir suas metas de não comprar soja relacionada ao desmatamento.
No entanto, fez pouco para proteger a Amazônia em geral, uma vez que existem outros fatores de desmatamento e muitas áreas florestais com potencial para produzir soja não foram cobertas pelos compromissos. O total de desmatamento evitado foi de apenas 1,6% do desmatamento na Amazônia e menos de 1% de todo o desmatamento no Brasil no mesmo período.
De fato, outra pesquisa nossa publicada em setembro mostrou que metade do desmatamento evitado na Amazônia foi compensado pelo “vazamento” do desmatamento no Cerrado (uma enorme região de savana ao sul e leste da Amazônia) e outras regiões florestais no Brasil.
Colegas e eu também publicamos pesquisas sobre compromissos semelhantes assumidos por empresas de gado, que são ainda menos eficazes do que os da soja. No entanto, dada a magnitude do desmatamento causado pela pecuária na Amazônia, essas políticas pelo menos ajudaram a evitar outros 3% do desmatamento brasileiro.
Essas reduções de desmatamento são significativas. Mas ainda nos deixam longe da meta de desmatamento zero, necessária para evitar pontos de inflexão potencialmente catastróficos na Amazônia.
Três razões para o fracasso (até agora)
Existem três razões cruciais pelas quais essas promessas existentes falharam em fazer mais para proteger as florestas tropicais do mundo. Primeiro, os compromissos existentes cobrem menos de 50% das florestas em risco no Brasil e provavelmente uma proporção ainda menor de florestas em outros países.
Mais empresas que fornecem produtos com risco de desmatamento, especialmente pequenas e médias empresas, precisam adotar políticas de desmatamento zero. Caso contrário, os agricultores ainda têm amplas oportunidades de vender seus produtos cultivados em terras desmatadas e evitar empresas comprometidas.
Em segundo lugar, muitas das empresas que assumiram compromissos globais ousados ainda não implementaram essas políticas fora da Amazônia e partes da Indonésia e enfrentam muitos desafios de implementação para rastrear e monitorar seus produtos. Isso deixa uma grande parte das florestas tropicais do mundo ainda em risco devido à expansão agrícola.
Em terceiro lugar, o desmatamento pode vazar entre áreas e atores dentro de uma região. Por exemplo, quando as empresas reprimem o desmatamento em apenas um ecossistema para apenas uma commodity, o desmatamento para aquela commodity pode simplesmente aumentar na área ao lado ou mudar para fazendas que cultivam produtos não cobertos pela política.
É o caso da moratória da soja na Amazônia, que levou a um desmatamento adicional no Cerrado. É também o caso dos programas de certificação de sustentabilidade do óleo de palma, que reduziram o desmatamento em áreas-alvo em Kalimantan, na Indonésia, mas causaram desmatamento adicional da floresta tropical em outras partes de Bornéu.
…e quatro razões para ter esperança
A eleição de Lula é fundamental para preencher essas lacunas, pelo menos no Brasil. O novo presidente planeja, por exemplo, melhorar a governança do desmatamento, o que tornará muito mais fácil, política e financeiramente, para as empresas cumprir ou implementar seus compromissos de desmatamento zero. Políticas públicas de apoio podem encorajar mais empresas a se comprometerem em mais regiões do Brasil.
Lula também planeja reduzir significativamente o poder do lobby agrícola brasileiro, mesmo que ele continue controlando grande parte do Congresso. O lobby lutou ferozmente contra uma expansão dos esforços de desmatamento zero.
O novo presidente também pode ajudar a implementar a nova estrutura de política de pagamento por serviços ambientais do Brasil e canalizar recursos para jurisdições que trabalham com empresas para ajudar a monitorar e garantir o desmatamento zero. Por fim, Lula poderá atrair mais financiamento internacional para acabar com o desmatamento no Brasil, o que é um complemento necessário para as políticas de cadeia de suprimentos de empresas individuais.
Com esse impulso, o desmatamento zero na Amazônia pode se tornar uma realidade e inspirar esperança para outros ecossistemas em risco em todo o mundo.
*Rachael Garrett é professora de conservação e desenvolvimento na University of Cambridge
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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