04 novembro 2022

Editorial: O dia seguinte

Vitória de Lula terá um efeito positivo imediato sobre a percepção externa, o que poderá levar à recuperação da credibilidade. Para isso, é preciso apresentar rápidas mudanças na política ambiental, com o combate aos ilícitos na Amazônia, a redução do desmatamento, das queimadas e do garimpo ilegal

Vitória de Lula terá um efeito positivo imediato sobre a percepção externa, o que poderá levar à recuperação da credibilidade. Para isso, é preciso apresentar rápidas mudanças na política ambiental, com o combate aos ilícitos na Amazônia, a redução do desmatamento, das queimadas e do garimpo ilegal

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante ato de campanha em Maceió (Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação)

Por Rubens Barbosa*

O resultado da eleição presidencial confirmou a tendência indicada pelas pesquisas. Venceu o candidato com menor rejeição, depois de uma campanha que se caracterizou pelos ataques pessoais e acusações, muitas fake news e disputa religiosa, e não pelo debate de ideias, programas e propostas para enfrentar os grandes desafios que impedem o crescimento do país. A eleição não foi uma disputa entre a direita e a esquerda, mas entre democracia e autoritarismo. O populismo de Lula e o radicalismo ideológico do PT terão de se moldar a essa nova realidade política nacional. Para governar, Lula terá de se mover pragmaticamente para o centro e não fazer um governo do PT.

O novo governo vai se iniciar sob manto da incerteza política, econômica e internacional. Lula deverá enfrentar desafios nunca vistos antes na história deste país: divisões dentro de seu partido, entre os aliados e com uma oposição ideológica.   

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O país continuará dividido, com agendas de costumes e liberais divergentes, e o PT vai enfrentar, pela primeira vez, uma feroz e raivosa oposição. A versão brasileira do ataque ao Capitólio –a paralisação dos caminhoneiros– fracassou mostrando a força das instituições e a determinação da sociedade de respeitar o resultado das urnas. As manifestações foram limitadas e controladas. Não deixa de ser impressionante o número de pessoas que se concentrou em frente aos quarteis em muitos Estados para pedir intervenção militar. Foi muito importante as Forças Armadas se manterem afastadas dessas manifestações, sem qualquer pronunciamento público. As instituições se mostraram fortes e com isso evitarão crises mais graves.

O grupo conservador no Brasil repete a trajetória dos seguidores de Donald Trump que até hoje acreditam que o resultado das urnas nos EUA foi fraudado e que Biden foi derrotado. As narrativas de fraude das eleições aqui e de dominação comunista vão continuar por muito tempo. Bolsonaro perdeu a eleição, mas o bolsonarismo está aqui para ficar, a exemplo do trumpismo nos EUA. A formação de um governo de frente ampla, com uma agenda econômica e social que, apesar de um cenário externo difícil, mantenha o crescimento, o emprego e a renda, será importante. Com isso, ficará demonstrado que a administração que começa a partir de janeiro não será um governo do PT, vai muito além do PT, e não representa uma ameaça de venezuelização do pais. Para isso, a ideologia e a partidarização não podem prevalecer nos principais ministérios.

A eleição de Lula terá um efeito positivo imediato sobre a percepção externa, o que poderá levar à recuperação da credibilidade, se houver, logo no início, mudanças na política ambiental. A confirmação dessa tendência ficará na dependência de resultados concretos no combate aos ilícitos na Amazônia com a redução do desmatamento, das queimadas e do garimpo ilegal. A má vontade com o governo brasileiro será sensivelmente reduzida na Europa e nos EUA, desde que a política externa fique longe de radicalismos ideológicos ou partidários e se mostre pragmática na defesa dos interesses nacionais.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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