Em livro, diplomata registra histórias que mesclam política internacional e afetos pessoais
Sergio Abreu e Lima Florêncio registra sentimentos que transitam entre a Vila Isabel dos anos 1950, o Rio da década de 1970, encontros com amigos e experiências na Guiana, Ottawa, a revolução iraniana em Teerã, Paris, Nova York e Vancouver
Sergio Abreu e Lima Florêncio registra sentimentos que transitam entre a Vila Isabel dos anos 1950, o Rio da década de 1970, encontros com amigos e experiências na Guiana, Ottawa, a revolução iraniana em Teerã, Paris, Nova York e Vancouver
Por Sergio Abreu e Lima Florencio*
O livro Diplomacia, Revolução e Afetos – de Vila Isabel a Teerã (Appris) conta histórias de mundos muito diferentes, mas que dialogam e se comunicam: a Revolução Iraniana, a diplomacia, e os afetos que entrelaçam as diversas vivências.
Os capítulos iniciais relatam experiências de vida em um país, o Irã, que há quatro décadas surpreende, inquieta e abala o mundo. A Revolução Iraniana –a última revolução do século XX– transformou a religião em instrumento essencial no tabuleiro político do Oriente Médio. Uma Revolução que entrelaça muitas dimensões. Psicologia dos protagonistas –o hesitante Xá versus e fervoroso Khomeini; antropologia –raízes culturais do islamismo militante xiita; sociologia –relações entre religião, política e Bazar; e política internacional –a exportação dos ideais revolucionários, o programa nuclear e a geopolítica do petróleo.
O livro registra também a trama de um golpe de Estado latino-americano. Um engenheiro militar outsider da política, eleito presidente, foi vítima de um golpe, fugiu de helicóptero do palácio presidencial para o aeroporto, entrou em uma avioneta com destino à sua terra natal, na Amazônia equatoriana. Mas uma massa humana já ocupava a pista do aeroporto e o piloto não conseguiu decolar. Foi então que o presidente pediu asilo em nossa Embaixada.
O episódio reflete a histórica instabilidade política de um país latino-americano, o Equador. Instabilidade produto de muita desigualdade, de conflitos étnicos entre indígenas e uma elite branca retrógrada, que dominou o jogo político por muitos anos na serra. Em contraste, na costa prevalecia a hegemonia de um empresariado dinâmico, mas aliado das grandes plantations exportadoras de banana, com trabalho semiescravo.
A queda de Gutierrez foi mais um recorrente episódio no triste destino de uma região refém da trilogia oligarquia, populismo e golpe militar –a armadilha do atraso da América Latina.
A maior parte do livro é dedicada ao mundo dos afetos. São histórias contadas com o olhar do sentimento: um morcego que comigo disputava os sapotis da infância; uma grande família sempre ouriçada, mas unida na guerra das peladas de domingo; um tio baleiro pobre na infância, voluntário da FEB na Segunda Guerra mundial, ferido no front da Itália, que vira general e termina como um Gandhi a meus olhos.
E por ai vão as verdades ficcionais, sem rumo, sem cronos, sem GPS: uma flor amorosa com meio século de convívio; uma avó feminista de vanguarda nos anos 1950; um compulsivo contador de histórias que não resistia a uma folha de papel em branco; uma amendoeira que conversava com o poeta Drummond e encantava Leila Diniz –nossa musa do colégio; um tio de 90 anos empenhado em seduzir suas quatro cuidadoras; uma neta alemã de três anos, nada consumista, que só pediu, como presente de aniversário, um suco de laranja e um croissant.
Há histórias escritas desde o começo dos anos 1970 –para louvar alegrias ou compensar angústias; para suportar perdas ou celebrar chegadas; para lembrar o fim de longa depressão ou festejar o reencontro com o outro lado da vida.
Um amigo, Paulo Roberto de Almeida, fez análise do livro que transcrevo a seguir. “Quando digo que este livro de “memórias” não se parece em nada com outras memórias diplomáticas, fica transparente logo no primeiro capítulo da terceira parte, a dos afetos … Ele mesmo descreve numa mensagem ao filho, em 2021, a lua-de-mel improvisada: ‘Cinquenta anos atrás eu partia com sua mãe, um fusquinha branco, uma barraca, para uma aventura que gerou quatro filhos, oito netos, 27 mudanças de casa, sete países, uma Revolução Islâmica, um golpe de Estado latino-americano e muitas coisas que as estatísticas não sabem contar.”
Reproduzo também trecho de resenha sobre o livro feita pela amiga Sandra Daher. “Se eu tivesse de resumir em uma palavra o que perpassa e dá unidade a este livro, eu diria amorosidade! Ela está na base não só dos textos, mas também arrisco dizer, na própria experiência do autor, sempre vivendo seus momentos de forma intensa.”
O livro registra sentimentos que transitam entre a Vila Isabel dos anos 1950, o Rio da década de 1970, encontros com amigos e circunstâncias em tão diferentes lugares do mundo –desde a Guiana, passando por Ottawa, Teerã, até Paris, Nova York e Vancouver. Apesar de tanta diversidade, são afetos que nunca se descolaram de uma rua de Vila Izabel, Zona Norte do Rio.
* Sergio Abreu e Lima Florêncio é professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco, economista e foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, licenciado em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). Atua como professor de economia política no Programa de Pós-Graduação em direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional. Site: www.pralmeida.org; blog: http://diplomatizzando.blogspot.com
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