Estudo analisa o papel crescente dos Brics na governança global
A busca dos Brics por maior influência na governança global é complexa e repleta de desafios internos, que podem atrapalhar sua ascensão. Enquanto o grupo continua a evoluir, sua capacidade de moldar a ordem mundial dependerá de sua habilidade em superar essas barreiras e em construir uma coesão interna mais forte, que ainda não há. […]
A busca dos Brics por maior influência na governança global é complexa e repleta de desafios internos, que podem atrapalhar sua ascensão. Enquanto o grupo continua a evoluir, sua capacidade de moldar a ordem mundial dependerá de sua habilidade em superar essas barreiras e em construir uma coesão interna mais forte, que ainda não há. Para isso, uma questão central é se os Brics conseguirão ou não transformar sua influência econômica em um poder político que desafie efetivamente a hegemonia ocidental
Esses são alguns dos pontos centrais do artigo acadêmico Status Competition: The BRICS’ Quest for Influence in Global Governance de Haans J. Freddy e C. Joshua Thomas, publicado no journal China Report. O estudo examina a busca dos Brics por influência na governança global e detalha como essas potências emergentes desafiam a ordem mundial liderada pelo Ocidente, particularmente pelos Estados Unidos, e as complexidades internas que afetam essa ambição.
O artigo argumenta que, nos anos 1990, o mundo testemunhou mudanças significativas na ordem internacional com o colapso da União Soviética, que marcou o fim da bipolaridade e o início da unipolaridade sob a hegemonia dos Estados Unidos. O liberalismo econômico e a promoção de direitos humanos tornaram-se centrais nas instituições internacionais, com os EUA liderando essa agenda. Nesse contexto, emergiram novas potências que buscaram um papel mais assertivo na governança global, resultando na formação de agrupamentos como os Brics
Essa nova organização internacional pode ser entendida dentro do conceito de competição de status, que ajuda a entender a atuação dos Brics. Este conceito refere-se ao reconhecimento de poder e influência por pares e grandes potências no sistema internacional. Ao buscar status, esses países enfrentam o desafio de serem reconhecidos não apenas como grandes economias, mas também como influentes no cenário político global.
Um ponto crítico levantado pelos autores é que, apesar do potencial dos Brics para desafiar a ordem ocidental, há muitas limitações internas. As economias dos países do grupo são desiguais, e há diferenças significativas em termos de estrutura política e desafios internos. Por exemplo, China e Rússia são regimes autoritários, enquanto Brasil, Índia e África do Sul são democracias. Além disso, conflitos territoriais entre China e Índia complicam ainda mais a coesão do grupo.
Os Brics têm focado principalmente em questões econômicas dentro da governança global. A criação de instituições financeiras, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), é uma tentativa de mostrar capacidade e autonomia econômica. No entanto, a influência dessas instituições ainda é limitada quando comparada ao sistema financeiro dominado pelo Ocidente. A promessa de uma governança global alternativa ainda enfrenta obstáculos significativos devido à falta de coesão e às diferenças políticas internas
Segundo o artigo, mesmo com os esforços dos Brics para criar uma nova ordem mundial, os EUA continuam a exercer uma influência hegemônica significativa. A legitimidade e aceitação dos EUA nas relações internacionais são inigualáveis, e os Brics, embora críticos da influência americana, ainda operam dentro de um sistema que favorece a ordem liberal ocidental. Este paradoxo destaca a dificuldade dos BRICS em se desvencilhar completamente das estruturas estabelecidas pelo Ocidente
O artigo conclui que, embora os Brics tenham o potencial de influenciar a governança global, muitas limitações internas e externas impedem que se tornem uma verdadeira alternativa à ordem ocidental. A competição de status dentro do grupo e a necessidade de resolver conflitos internos são desafios críticos. Além disso, enquanto os BRICS continuarem a depender do modelo econômico liberal ocidental, sua capacidade de redefinir a governança global permanecerá limitada
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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