09 dezembro 2022

Experiente e preparado, Mauro Vieira vai enfrentar grandes desafios no Itamaraty

Não houve surpresa na nomeação para o Itamaraty, pois Vieira é um dos diplomatas mais bem sucedidos de sua geração, mas ele terá a responsabilidade histórica de restabelecer o papel da casa de Rio Branco como o principal formulador e executor da política externa

Não houve surpresa na nomeação para o MRE, pois Vieira é um dos diplomatas mais bem sucedidos de sua geração, mas ele terá a responsabilidade histórica de restabelecer o papel da casa de Rio Branco como o principal formuladora e executora da política externa

O embaixador Mauro Vieira, indicado por Lula para ser o ministro das Relações Exteriores (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Por Rubens Barbosa*

Não houve surpresa na nomeação do embaixador Mauro Vieira para o Itamaraty. Mauro Vieira é um dos diplomatas mais bem sucedidos de sua geração. Habilidoso, sério, competente, ele foi ministro no governo de Dilma Rousseff, embaixador em Buenos Aires, embaixador junto às Nações Unidas, embaixador em Washington e secretário-geral do Itamaraty. Tem, portanto, experiência e profundo conhecimento dos temas diplomáticos.

O que não quer dizer que não terá de enfrentar desafios internos e externos de grande importância. Em poucos momentos no passado a política externa teve um papel tão relevante para definir o lugar do Brasil no mundo e para restabelecer a credibilidade do país e retificar a percepção externa negativa sobre seu futuro.

O ministro do Exterior, a partir de 1º de janeiro de 2023, terá a responsabilidade histórica de restabelecer o papel da casa de Rio Branco como o principal formuladora e executora da política externa. Além disso, fortalecer o papel de coordenador das ações externas do governo brasileiro com os demais ministérios. E, seguindo o exemplo do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, de manter, acima de interesses ideológicos e partidários, as linhas permanentes da atuação externa como política de Estado e não de governo de turno.

‘O mundo mudou, e o Brasil mudou, desde o momento em que Mauro Vieira dirigiu os destinos da politica externa em 2015’

O mundo mudou, e o Brasil mudou, desde o momento em que Mauro Vieira dirigiu os destinos da politica externa em 2015. A geopolítica hoje influi nas decisões nacionais como poucas vezes antes. Diante da possível divisão do mundo entre democracias e autocracias, promovida pelos EUA, a política externa deveria manter uma posição de independência, sem alinhamento automático a qualquer dos lados. Ninguém questiona ser o Brasil um país ocidental em termos de valores e princípios, mas hoje depende econômica e comercialmente da Ásia, em especial da China. Os interesses nacionais devem passar acima de considerações ideológicas ou partidárias.

O novo ministro vai liderar o Itamaraty no momento em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil está de volta para exercer um papel de protagonismo no cenário internacional. Motivar o quadro diplomático com a modernização do trabalho na chancelaria e com reformas na estrutura da casa, que tornarão o trabalho mais ágil e eficiente, certamente estará entre suas prioridades internas.

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Mauro Vieira deve promover uma profunda modificação na ação diplomática brasileira, segundo a orientação pública do presidente Lula. A ação externa terá como preocupação central o engajamento da política exterior nas questões ambientais e de mudança de clima, a partir da Amazônia. Pela primeira vez, desde a independência, o Brasil está como um dos atores principais em um tema global e a resposta do Itamaraty a esse desafio fará o Brasil voltar a ter o protagonismo que sempre teve desde a Rio-92 até 2018. A diplomacia ambiental poderá ser uma das marcas principais da futura gestão no Itamaraty.

A agenda multilateral em defesa da democracia e dos direitos humanos, em especial também as de gênero, povos indígenas idosos, crianças, saúde, na luta contra o narcotráfico e o terrorismo no âmbito das Nações Unidas contará com a experiência do novo ministro. A agenda comercial, nas negociações de acordos de livre comércio, em especial com a União Europeia, e no contexto do Mercosul deverá estar como outra prioridade, junto com o trabalho de fortalecimento da OMC. A integração regional, de tanta importância para o Brasil, esquecida nos últimos quatro anos, deverá ter prioridade, e o Brasil ter sua voz ouvida na região e nos organismos regionais.

As relações hemisféricas, com os EUA, com os países latino-americanos e sul-americanos, dadas as prioridades anunciadas pelo presidente Lula, terão um papel de destaque, em especial a questão da democratização e dos direitos humanos na Venezuela, da instabilidade no Haiti e os entendimentos bilaterais com a Argentina. Dada a importância do relacionamento econômico e comercial com a China, e as perspectivas da ampliação do intercâmbio com a Ásia, esse aspecto da política externa certamente terá imensa relevância.

Entre outros, três desafios estarão em cima da mesa de Mauro Vieira desde o primeiro dia: a assinatura do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia, as negociações para o ingresso do Brasil na OCDE e os atritos do âmbito do Mercosul em função das atitudes unilaterais tomadas pelo governo uruguaio.

Resta saber se Mauro Vieira vai inovar e escolher uma mulher, pela primeira vez, para ocupar a Secretaria Geral do Itamaraty.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

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Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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