13 fevereiro 2023

A propósito da Constituição da Índia

Documento em vigor desde 1950 já colocava em evidência texto e realidade que permeiam grandes desafios para a Índia contemporânea, sobretudo neste momento em que o nacionalismo hindu adquire crescente protagonismo na vida política e social. Para diplomata, a Constituição do país serve como um farol para ajudar a sociedade indiana a tornar seus mandamentos realidade

Documento em vigor desde 1950 já colocava em evidência texto e realidade que permeiam grandes desafios para a Índia contemporânea, sobretudo neste momento em que o nacionalismo hindu adquire crescente protagonismo na vida política e social. Para embaixador, a Constituição do país serve como um farol para ajudar a sociedade indiana a tornar seus mandamentos realidade

Premiê indiano, Narendra Modi, faz reverência à Constituição do país (Twitter/narendramodi)

Por Fausto Godoy*

No dia 26 de janeiro último a Índia celebrou o “Dia da República”/ “Republic Day”, data em que a sua Constituição entrou em vigor, em 26 de janeiro de 1950, substituindo o  “Ato do Governo da Índia”/ “The Government of India Act 1935”, que fora promulgado pelo Raj Britânico como o documento basilar do Estado. Por ele a nação se tornava uma república autônoma.

A Índia havia alcançado a independência em 15 de agosto de 1947, após um longo e traumático período de resistência e militância, que teve Mahatma Gandhi no epicentro da sua liderança, juntamente com outras grandes personagens da história moderna do país. Ela se formalizou através do “Ato de Independência da Índia de 1947”, promulgado pelo Parlamento do Reino Unido, que então dividiu a Índia Britânica nos dois novos “Domínios Independentes da Comunidade Britânica” (mais tarde “Comunidade das Nações”): a Índia e o Paquistão. Até esse momento, o país não possuía uma Constituição permanente; em vez disso, suas leis estavam baseadas na legislação colonial, modificada desde 1935.

Jawaharlal Nehru assina a Constituição da Índia em janeiro de 1950

Em 29 de agosto de 1947, foi criado o Comitê de Redação encarregado de elaborar a Constituição permanente, que teve o Dr. B. R. Ambedkar como presidente. Este pertencia à casta Mahar, entre as mais baixas da Índia – um dalit, portanto – que era tratada como a dos “intocáveis”, e sofria intensa discriminação. Foi por esta razão que em seu discurso final na Assembleia Constituinte, em 25 de novembro de 1949, Ambedkar alertou para as armadilhas da convivência em sociedade após a separação. Aí vai parte do seu discurso:

“No dia 26 de janeiro de 1950, entraremos em uma vida de contradições. Na política teremos igualdade e na vida social e econômica teremos desigualdade. Na política, reconheceremos o princípio de um homem, um voto, e um voto, um valor. Em nossa vida social e econômica, continuaremos, em razão de nossa estrutura social e econômica, a negar este princípio de um homem, um valor. Até quando continuaremos a viver esta vida de contradições? Até quando continuaremos a negar a igualdade em nossa vida social e econômica? Se continuarmos a negá-lo por muito tempo, o faremos colocando em perigo a nossa democracia política. Temos de eliminar esta contradição o mais rapidamente possível, caso contrário aqueles que sofrem de desigualdade irão romper a estrutura da democracia política que esta Assembleia tão laboriosamente construiu”.

Nada distinto do que vivemos hoje em várias partes do planeta…

É por esta razão que o Preâmbulo da Constituição indiana estabelece basilarmente:

“NÓS, O POVO DA ÍNDIA, tendo decidido solenemente constituir a Índia numa REPÚBLICA DEMOCRÁTICA SOBERANA, SOCIALISTA E SECULAR e assegurar a todos os seus cidadãos:

JUSTIÇA, social, econômica e política;

LIBERDADE de pensamento, expressão, crença, fé e culto;

IGUALDADE de status e de oportunidades; e promover entre todos eles a

 FRATERNIDADE, assegurando a dignidade ao indivíduo e a unidade e integridade da Nação;

EM NOSSA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE neste vigésimo sexto dia de novembro de 1949, ADOTAMOS, APROVAMOS E OFERTAMOS A NÓS MESMOS ESTA CONSTITUIÇÃO”. (**)

Entre o texto e a realidade permeiam grandes desafios para a Índia contemporânea, sobretudo neste momento em que o nacionalismo hindu adquire crescente protagonismo na vida política e social. Mas fica o pilar, o farol. Cabe à sociedade indiana tornar esses mandamentos em realidade. Esforço épico…

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/editorial-projeto-de-pais/

 *Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/fausto-godoy-nos-e-a-asia/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


**Texto em inglês:

(WE, THE PEOPLE OF INDIA, having solemnly resolved to constitute India into a SOVEREIGN, SOCIALIST, SECULAR DEMOCRATIC REPUBLIC and to secure to all its citizens:

JUSTICE, social, economic and political;

LIBERTY of thought, expression, belief, faith and worship;

EQUALITY of status and of opportunity; and to promote among them all

FRATERNITY assuring the dignity of the individual and the unity and integrity of the Nation;

IN OUR CONSTITUENT ASSEMBLY this twenty-sixth day of November, 1949, do HEREBY ADOPT, ENACT AND GIVE TO OURSELVES THIS CONSTITUTION).

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-brasil-e-a-india-no-conselho-de-seguranca-das-nacoes-unidas/

Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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