Há um Brics no meio do caminho da COP30?
Em um contexto geopolítico desafiador ao multilateralismo, o Brics é um foro absolutamente necessário para o sucesso da COP30, e o Brasil tem que usar de seu capital diplomático para criar pontes e consensos, e sentar-se em todas as mesas destravar impasses e impedir retrocessos e desmontes

Poucas semanas após Donald Trump anunciar que tiraria novamente seu país do Acordo de Paris da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, dois outros países já indicaram estarem estudando fazer o mesmo. O primeiro é a Argentina e o segundo a Indonésia.
No caso argentino, Javier Milei é alinhado político de primeira linha de Trump e se mostrou disposto a reproduzir a estratégia isolacionista do norte-americano de retirar-se de uma série de organismos internacionais e processos multilaterais, como o Acordo de Paris, a Organização Mundial da Saúde e até mesmo o Mercosul.
‘O alinhamento ideológico automático de Milei não deixa de gerar perplexidade, dado que o país tem bastante a perder ao abandonar o multilateralismo’
Apesar de previsível, o alinhamento ideológico automático de Milei não deixa de gerar perplexidade, dado que um país em desenvolvimento como a Argentina tem bastante a perder ao abandonar o multilateralismo e a cooperação internacional em prol do isolacionismo.
Já a Indonésia de Prabowo argumenta que uma possível saída do Acordo de Paris por parte do gigante do Sudeste Asiático se justificaria por uma questão de justiça e equidade.
Em um contexto em que o maior responsável histórico por emissões de carbono (os EUA) está pouco comprometido com os esforços de mitigação e adaptação, argumenta o governo da Indonésia, não faz sentido que emissores de menor porte arquem com este custo.
‘Representantes do governo da Indonésia argumentaram que os custos da transição são elevados e que não está disposto a sacrificar seu desenvolvimento ou soberania energética’
Em pronunciamentos recentes, representantes do governo da Indonésia também argumentaram que os custos da transição são elevados e que o país precisa receber o apoio que foi prometido, reforçando que não está disposto a sacrificar seu desenvolvimento ou soberania energética. “Não cometeremos suicídio econômico”, disse Hashim Djojohadikusumo, o encarregado especial para mudança do clima e energia da Indonésia.
Os argumentos não são exatamente os mesmos, mas ambos apontam para um contexto em que as novas ondas nacionalistas se tornam incompatíveis com a cooperação internacional.
‘Na era do “my country first”, o regime climático é seguramente um dos que mais sofrerá’
Na era do “my country first”, o regime climático é seguramente um dos que mais sofrerá, dada a urgência do problema e a necessidade de ação coletiva e coordenada no presente, e não em um futuro próximo.
Nas negociações climáticas, seguimos incapazes de acelerar os esforços nacionais e globais rumo à transição e transformação ecológica que nos demanda a emergência climática. Tampouco temos sido capazes de equacionar os meios de implementação desta ambiciosa agenda, repactuando de maneira justa e equitativa como dividir uma conta tão complexa entre partes tão desiguais.
À luz do respeito às responsabilidades comuns, mas diferenciadas, é preciso que todas as grandes economias se sentem à mesa. Isso inclui não apenas os países industrializados, mas também as grandes economias do Sul: tais como a Argentina de Milei, a Indonésia de Prabowo e o Brasil de Lula, todos parte do G20.
‘Uma eventual saída da Indonésia do Acordo de Paris é um alerta, e uma verdadeira pedra no sapato das ambições da presidência brasileira na COP30’
Ainda que não se materialize, uma eventual saída da Indonésia do Acordo de Paris é um alerta, e uma verdadeira pedra no sapato das ambições da presidência brasileira na COP30.
A Indonésia, que recém ingressou como membro do Brics, é um país bastante importante no difícil xadrez geopolítico nesta agenda. O país figura entre os maiores emissores de gases de efeito estufa da atualidade, na sexta posição atualmente. Tal como o Brasil, a Indonésia é um país em desenvolvimento cujo rápido crescimento econômico das últimas décadas ainda coexiste com altos níveis de desigualdade.
Detentor de uma vasta área coberta por florestas tropicais e outros sumidouros de carbono, a Indonésia é também um dos países mais mega biodiversos do mundo. Como no caso brasileiro, equacionar crescimento econômico e transição ecológica não será fácil.
Historicamente, a Indonésia faz parte do bloco dos países em desenvolvimento que impulsionam a lógica da diferenciação nos regimes ambientais, demandando do mundo desenvolvido o cumprimento dos compromissos assumidos de apoiar financeiramente e com tecnologia, o desenvolvimento sustentável do Sul Global.
‘Os países que compõem o Brics construíram um discurso comum acerca da importância dos pilares de financiamento nestes regimes, enfatizando o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas’
Como mostra um recente estudo publicado pelo Instituto Igarapé sobre o Brics nas agendas de descarbonização e proteção da biodiversidade, apesar da grande heterogeneidade e da baixa institucionalização do grupo, os países que compõem o Brics construíram ao longo da última década um discurso comum acerca da importância dos pilares de financiamento nestes regimes, enfatizando novamente o do princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
Em um contexto em que o Brasil exibe protagonismo, senso de responsabilidade internacional e compromisso com reconstruir e revitalizar processos multilaterais (como demonstrado ano passado em sua Presidência do G20), fomentar mais ambição ambiental e climática no seio do agora expandido grupo Brics tornou-se inadiável.
‘O governo brasileiro tem consciência do desafio e colocou na agenda de sua presidência do Brics para 2025 a pauta ambiental e climática’
O governo brasileiro tem consciência do desafio e colocou na agenda de sua presidência do Brics para 2025 a pauta ambiental e climática. Deu mais força à cooperação setorial em agendas ambientais e vai buscar alinhamento político dos países membros rumo à COP30 em novembro.
O Brasil sabe que há ambição e capacidade de ação e cooperação climática instalada no grupo do Brics. Tal ambição se expressa, por exemplo, nos compromissos e trajetória de descarbonização de certos países (como a China e os Emirados Árabes Unidos) ou no Novo Banco de Desenvolvimento. No entanto, sabe também das resistências diplomáticas e dos muitos nacionalismos políticos e econômicos que se avolumam no grupo (e fora dele) que podem se tornar pedras no meio do caminho de sua Presidência da COP30.
‘O Brics não era e dificilmente será o fórum privilegiado de articulação do Brasil em temas ambientais e climáticos. Mas é um foro absolutamente necessário para o sucesso da COP30 em novembro’
Mais do que nunca, o Brasil precisará ser o “país construtor de pontes”, nas palavras do embaixador Mauricio Lyrio, negociador-chefe do país no Brics. Tarefa fundamental, mas bastante difícil no atual contexto de polarização política em escala global. Sejamos claros: o Brics não era e dificilmente será, ainda mais em sua configuração atual o fórum privilegiado de articulação do Brasil em temas ambientais e climáticos. Mas é um foro absolutamente necessário para o sucesso da COP30 em novembro.
A mágica que o Brasil terá que fazer, para impedir que o Acordo de Paris desmorone diante dos baixos resultados nos últimos anos e das novas pressões geopolíticas, será o de construir uma coalizão heterogênea, uma coalizão de atores ao mesmo tempo realistas e ambiciosos compostas por um conjunto de países do Norte e do Sul, bem como de representantes de distintos setores econômicos e da sociedade civil disposta a seguir avançando.
Do governo chinês a líderes de governos subnacionais ao redor do mundo, passando por bancos multilaterais de desenvolvimento, não faltam parceiros dispostos a seguir avançando. Não há dúvida de que há atores no Brics comprometidos e dispostos a juntar-se a esta coalizão.
‘O presidente da COP30 sabe que precisará trabalhar com um rol amplo de atores e criar pontes (e consensos) daqui até novembro’
Cada ator nesta coalizão traz consigo suas tensões e incoerências, mas o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, sabe que precisará trabalhar com um rol amplo de atores e criar pontes (e consensos) daqui até novembro.
Sem as pontes não há COP do Clima que entregue nos itens na pauta de negociação para 2025 e em um rol seleto de agendas de ação (incluindo na agenda de florestas tão cara ao atual governo e tão simbólica dado que a COP ocorrerá na Amazônia). Sabe também que precisará forjar um renovado compromisso das partes com o processo e com a governança global climática, de forma mais ampla.
Para revitalizar as COPs do Clima, destravando impasses e impedindo retrocessos e desmontes, o Brasil tem que usar de seu capital diplomático para criar pontes e consensos, e sentar-se em todas as mesas, a começar pela mesa dos Brics.
Laura Trajber Waisbich é cientista política e diretora-adjunta de programas no Instituto Igarapé. É afiliada ao Skoll Centre, na Said Business School da Universidade de Oxford e foi diretora do Programa de Estudos Brasileiros e professora de estudos latino-americanos na mesma universidade.
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