Hayle Melim Gadelha: Influentes, quem, cara-pálida?
Rankings que medem imagem e influência de diferentes países seguem metodologias limitadas e influenciadas pela mentalidade centrada no Ocidente rico. Para diplomata, o Brasil poderia formular métricas que aferissem o lugar do Brasil no imaginário do mundo multipolar que se conforma
Rankings que medem imagem e influência de diferentes países seguem metodologias limitadas e influenciadas pela mentalidade centrada no Ocidente rico. Para diplomata, o Brasil poderia formular métricas que aferissem o lugar do país no imaginário do mundo multipolar que se conforma
Por Hayle Melim Gadelha*
Os rankings de reputação nacional ou de soft power regularmente divulgados pela imprensa costumam gerar certa comoção entre os brasileiros. Recebiam mais atenção quando o Brasil lutava para posicionar-se entre os 20 maiores detentores dessa modalidade de influência. Recentemente, notou-se, com relativa indiferença, nossa queda para a 31ª posição –atrás de Qatar, Nova Zelândia e Irlanda e um posto à frente de Luxemburgo– no Global Soft Power Index 2023, publicado pela consultoria britânica Brand Finance.
De acordo com essa lista, éramos, em 2022, o 28º país com maior reservatório de poder brando, mas a má gestão da pandemia, o desflorestamento na Amazônia, turbulências políticas, violações de direitos humanos e desatinos diplomáticos teriam afetado negativamente a imagem exterior brasileira (2).
O Brasil figura, no levantamento, entre os piores países em termos de Governança (86º) e combate à corrupção (115º). Por outro lado, assim como indicam vários outros rankings, destacamo-nos pela cultura (9º lugar), esportes (1º) e entretenimento (1º), o que reforça questionamento sobre a adequação da reputação brasileira à ambição de desempenhar papel de relevo no sistema internacional (3).
A ausência de países latino-americanos ou africanos entre os 30 primeiros do Global Soft Power Index reflete, parcialmente, a distribuição desequilibrada de influência, mas suscita, ao mesmo tempo, dúvidas sobre as metodologias que orientam tentativas (necessariamente incompletas) de mensurar algo tão intangível quanto a imagem de uma nação. Elaborados quase todos no Reino Unido ou nos Estados Unidos, esses rankings, muitas vezes de vida curta, baseiam-se em entrevistas realizadas entre nacionais de alguns (geralmente os mesmos) países e em parâmetros “objetivos” não menos enviesados.
À guisa de exemplo, o índice Soft Power 30, publicado anualmente entre 2015 e 2019 pela consultoria britânica Portland com a Universidade da Carolina do Sul, utilizava critérios que iam do número de estrelas Michelin (cujos críticos gastronômicos deixaram de frequentar o Brasil em 2019) até a quantidade de países para onde um nacional pode viajar sem visto, passando pela presença de estudantes estrangeiros nas universidades e a abrangência de redes de banda larga (4).
Como se vê, são indicadores que não necessariamente capturam percepções de uma parcela majoritária das sociedades periféricas. Revelam, antes, a reputação de cada país entre indivíduos influentes, o que não deixa de ter significância no campo das relações internacionais. O retrato do Brasil entre essa amostragem do mundo ressoada nas referidas listas é consistente ao longo dos anos, qual seja, a de um país divertido mas pouco sério; decorativo, na definição de Simon Anholt (5).
Não obstante suas limitações, ditos rankings têm o condão de avaliar a convergência entre as condutas dos estados e os valores e normas predominantes na comunidade das nações. Ajustar as associações que se têm do Brasil à grandeza territorial, populacional e econômica do país exigirá esforço sério de ampliar o acesso aos canais de comunicação, com credibilidade e mensagens apropriadas.
Pode-se esperar, a partir da normalização da política institucional, do relançamento da diplomacia e de uma nova centralidade das pautas ambientais, a recuperação da desgastada reputação brasileira nos próximos anos. Para além de melhorar sua percepção entre elites globais, conviria ao país a formulação de métricas que aferissem o lugar do Brasil no imaginário do mundo multipolar que se conforma. Afinal, parte substancial de nossa influência advém da capacidade de estabelecer empatia com outros países em desenvolvimento.
*Hayle Melim Gadelha é colunista da Interesse Nacional, diplomata e doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Suas opiniões pessoais não necessariamente refletem a posição oficial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Referências:
1. Brand Finance. Global Soft Power Index 2023. Brandirectory. [Online] 2023. [Citado em: 19 de Abril de 2023.].
2. Chaves, Eduardo. Global Soft Power Index 2023. Brandirectory. [Online] 2023. [Citado em: 13 de Abril de 2023.] https://brandirectory-live-public.s3.eu-west-2.amazonaws.com/reports_free/brand-finance-soft-power-index-2023.pdf.
3. Brazil is not (perceived as) a serious country: exposing gaps between the external images and the international ambitions of the nation. Buarque, Daniel. 1-2, Londres : Braziliana: Journal fo Brazilian Studies, 2019, Vol. 8.
4. McClory, Jonathan. The Soft Power 30. Londres : Portland, 2016.
5. Buarque, Daniel. O Brazil é um País Sério? São Paulo : Pioneira, 2022.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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