Israel teria perdido a guerra contra o Hamas em 7 de outubro?
Falha na “Muralha de Ferro” deve levar a uma abordagem mais matizada, que considere tanto a força quanto a diplomacia. Uma sociedade que aceita suas derrotas tem mais chances de corrigir seus erros e de alcançar futuras vitórias
Um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade israelense, mais de nove meses após do ataque terrorista de 7 de outubro, é a divisão entre aqueles que conseguem admitir uma derrota e aqueles que ainda resistem a essa ideia.
Esse conflito se manifesta entre os que encaram a realidade e os que persistem em uma ilusão, acreditando que é possível apagar os erros do passado com futuras vitórias. Este debate reflete não só uma questão de percepção, mas também a dificuldade de lidar com perdas dolorosas através de conquistas futuras.
Aqueles que enfrentam a realidade, sem subterfúgios, descobriram algo crucial nesta guerra: Israel, assim como qualquer nação, pode perder batalhas e ainda assim seguir em frente. Essa percepção marca uma revolução no pensamento israelense, que antes acreditava que a sobrevivência dependia da vitória em todas as batalhas e guerras. O conflito recente mostrou que, mesmo derrotados, mesmo pegos de surpresa e vivendo os então ditos maiores medos, continuam em pé.
A “Muralha de Ferro” é uma metáfora e uma doutrina estratégica desenvolvida pelo teórico sionista Ze’ev Jabotinsky no início do século XX. Jabotinsky argumentava que a única maneira de alcançar um acordo pacífico com os árabes na Palestina seria após estes perceberem a inevitabilidade da existência judaica na região. Ele defendia, portanto, a construção de uma “muralha de ferro” de defesa militar que não poderia ser quebrada pelos árabes. A ideia era que, só depois de todas as tentativas de destruir essa muralha falhassem, os árabes se renderiam à realidade da presença judaica e estariam dispostos a negociar como iguais.
Essa filosofia foi adotada por Israel em várias formas ao longo dos anos, influenciando decisivamente as políticas de defesa e a postura militar do país. Ela sugere uma postura de força e resistência absoluta, em que a segurança e a sobrevivência são as prioridades máximas, e qualquer compromisso é visto como uma vulnerabilidade potencial.
No contexto do recente conflito mencionado, a doutrina da “Muralha de Ferro” pode ser interpretada como tendo falhado, ou pelo menos mostrado seus limites. A teoria, embora eficaz em instilar uma imagem de invencibilidade, pode também impedir a flexibilidade necessária em diplomacia e entendimento mútuo. Quando a realidade de uma derrota inesperada se impõe, essa estratégia de resistência intransigente pode deixar pouco espaço para adaptação ou reconsideração.
Ao enfrentar derrotas inesperadas, a sociedade israelense, e de fato qualquer sociedade, deve considerar a possibilidade de que a inflexibilidade e a resistência total podem não ser sempre a resposta mais estratégica.
A falha da “Muralha de Ferro” no 7 de outubro serve como um ponto de reflexão sobre a necessidade de uma abordagem mais matizada, que considere tanto a força quanto a diplomacia, a defesa tão bem quanto a capacidade de se adaptar e responder a mudanças inesperadas no ambiente geopolítico.
Portanto, ao reconsiderar a eficácia da “Muralha de Ferro”, Israel e suas lideranças podem encontrar novas maneiras de conceber sua segurança e suas relações internacionais, equilibrando entre a resistência necessária e a flexibilidade essencial para a coexistência pacífica e produtiva com seus vizinhos. Ele advogava que não se deve ceder a quem não deseja dialogar. Essa abordagem, embora defensiva, mostrou seus limites quando confrontada com a realidade de uma derrota. Por outro lado, uma sociedade que aceita suas derrotas tem mais chances de corrigir seus erros e de alcançar futuras vitórias.
Portanto, os que têm a coragem de reconhecer a perda, mesmo que parcial, nesta guerra, são os mesmos que ousam pensar na reconstrução da narrativa nacional, questionando muitas das suposições que foram desafiadas quanto ao exército, ao Estado, às promessas do sionismo e aos fundamentos da identidade israelense.
Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Ibmec-SP e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional