28 maio 2024

Luciano Hang, o ‘velho da Havan’, ‘personal branding’ e a construção do CEO ativista

Pesquisa investiga o processo de construção da identidade online de um CEO ativista conservador, abertamente alinhado à direita no espectro político

O empresário Luciano Hang durante encontro com o então presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, no Palácio do Planalto (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por Amon Barros, Benjamin Rosenthal, Bruno Rossetti Leandro e Caio César Coelho Rodrigues*

Os CEOs estão se tornando figuras cada vez mais proeminentes em espaços públicos, assumindo posições sobre questões controversas e impulsionados pela crescente divisão política na sociedade. Suas opiniões ultrapassam os limites do mundo empresarial. Já as gerações mais jovens estão demandando cada vez mais participação social e política por parte das empresas e de seus líderes.

Neste cenário emergem os “CEOs ativistas”, líderes empresariais que se posicionam como agentes políticos. Eles buscam influenciar questões sociais ou políticas que vão além dos interesses diretos de suas empresas. Sua atuação pode não condizer com o posicionamento oficial da organização e, inclusive, prejudicá-la.

Um exemplo notável de CEOs que assumem posições sobre questões políticas e exercem influência no debate público é o empresário Elon Musk. Ele é fundador de empresas como Tesla, SpaceX e dono do X (antigo Twitter). O bilionário recentemente expressou críticas ao Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) no próprio X. O Ministro, por sua vez, incluiu o empresário no inquérito das milícias digitais.

Além de Musk, há outros CEOs que se engajam em causas sociais e impactam o debate público. É o caso de Luiza Helena Trajano, CEO até 2015 e atual presidente do conselho da rede de lojas Magazine Luiza. Trajano tem se dedicado a defender os direitos das minorias e das mulheres, atuando no debate sobre esses temas. Ela foi eleita uma das mulheres mais influentes do mundo, sendo a única brasileira na lista do Financial Times.

No entanto, o ativismo dos CEOs não é uma tarefa simples. Ele está sujeito à visibilidade, à capacidade de polarização do tema e à percepção dos consumidores. Essa forma de atuação também pode ser interpretada como uma forma de woke washing, ou seja, a apropriação de pautas sociais, ambientais e políticas pelo meio empresarial, mas que na realidade atrasam as melhorias estruturais da sociedade.

Pesquisas recentes têm se concentrado nas motivações e nos efeitos do ativismo dos CEOs progressistas. No entanto, há uma lacuna na literatura quando se trata de estudar CEOs conservadores ou liberais e a construção de suas identidades online. É nesse contexto que em nossa pesquisa investigamos o processo de construção da identidade online de um CEO ativista conservador, abertamente alinhado à direita no espectro político.

Ao fazer isso, nosso estudo lança luz sobre como os diversos mecanismos de personal branding – delineados por Gorbatov e Parmentier e Fischer – explicam a criação de uma identidade online multifacetada e poderosa no Instagram.

Nosso estudo se concentra no caso específico de Luciano Hang. Ele é CEO e proprietário da rede de varejo Havan, uma das maiores varejistas do Brasil. Hang também é conhecido como “velho da Havan” nas redes sociais. Enquanto muitos CEOs ativistas adotam causas específicas, Hang se destaca por promover um ativismo que aborda uma ampla gama de questões sociopolíticas.

Analisamos como esse empresário utiliza cinco mecanismos de personal branding e constrói uma identidade online composta por seis facetas. Além disso, demonstramos como há uma intencionalidade estratégica por trás dessa construção de identidade online. Hang tenta, por meio de sua atuação online, influenciar o debate público. Para isso, conduzimos uma análise crítica visual do perfil público de Luciano Hang no Instagram.

Nossa análise revelou que Luciano Hang utiliza cinco mecanismos de personal branding descritos na literatura:

  • Construção artesanal de conteúdo: Hang reflete cuidadosamente sobre o contexto, identidade, papéis sociais e demandas específicas do campo de atuação, buscando relevância e diferenciação.
  • Curadoria e produção de conteúdo: Ele seleciona cuidadosamente mensagens, imagens, cores e estilos de comunicação para produzir uma narrativa coerente e impactante.
  • Expressão de autenticidade: Hang busca desenvolver uma impressão autêntica, transmitindo proximidade e intimidade com a audiência.
  • Conexão e interação com a audiência: Ele desenvolve relações parassociais, criando uma sensação de intimidade, compreensão, empatia e identificação.
  • Performatividade: Hang desenvolve uma identidade que se encaixa nas expectativas das audiências e demais atores relevantes no campo.

Esses mecanismos são fundamentais para CEOs ativistas, que buscam construir uma marca pessoal para fins econômicos e de popularidade. Para além disso, estes mecanismos facilitam com que os CEOs se estabeleçam como atores sociais influentes em questões sociopolíticas. Por meio deles, Hang constrói uma identidade online composta por 6 facetas distintas que podem ser observadas na figura a seguir:

  • O CEO empreendedor: Hang se posiciona como um empreendedor visionário e independente, enfrentando as dificuldades impostas pelo Estado brasileiro.
  • O guerreiro pró-mercado: Ele defende ideias e valores liberais e pró-mercado, alinhando-se a uma agenda liberal presente em diversos segmentos da direita no Brasil.
  • O ser humano comum: Hang é retratado como um cidadão transparente e próximo de seus familiares, empregados e clientes da Havan, com um senso de humor e valores conservadores.
  • O líder humilde: Ele se apresenta como carismático e acessível, jogando “no time” e sendo próximo de suas bases.
  • O conectado politicamente: Hang é mostrado como uma figura importante na nova direita brasileira, conectado a diversas figuras do meio empresarial e político.
  • O anti-esquerdista: Esta faceta apresenta Hang como alguém que antagoniza com ideias e instituições de esquerda, muitas vezes de forma humorada, o que contribui para a autenticidade de sua identidade online.

Essas faces formam uma identidade online com um potencial de influência sociopolítica significativo. Certas faces comunicam as mensagens desejadas, as ideais e valores mais centrais do ativismo sociopolítico. As faces do CEO empreendedor e do guerreiro pró-mercado promovem ideias e valores relacionados à economia e ao empreendedorismo neoliberal. As faces do conectado politicamente e do anti-esquerdista promovem afetos, ideias e valores politizados, centrado no combate à esquerda.

Por fim, as faces do ser humano e do líder humilde promovem uma identidade online carismática, autêntica e próxima da audiência, traços importantes para aumentar o poder de influência do ativismo sociopolítico. De forma geral, percebe-se que o CEO utiliza de mecanismos de marca pessoal para construir múltiplas facetas da sua identidade online. Seu ativismo objetiva angariar atenção online espalhando ideias políticas e valores morais.

Luciano Hang emergiu como uma figura influente no debate público ao participar ativamente das campanhas eleitorais. Ele realizou doações de campanha durante as eleições de 2018, 2020 e 2022, apoiando Jair Bolsonaro e outros candidatos da extrema direita. Nesse processo construiu sua identedidade online e angariou seguidores em suas mídias sociais.

No entanto, Hang também enfrentou acusações e condenações por assédio eleitoral, incentivando seus funcionários a votarem em seus candidatos de preferência. O empresário também está inelegível até 2028 por apoiar as candidaturas do prefeito e vice-prefeito de sua cidade natal com seus recursos privados.

Além disso, suas mídias sociais, como X (antigo Twitter) e Instagram, foram judicialmente bloqueadas várias vezes devido à disseminação de notícias falsas. Embora seu alcance nas redes sociais tenha diminuído, o ativismo de Hang durante as últimas três eleições no Brasil levanta preocupações sobre o impacto das ações dos CEOs e grandes executivos nas esferas políticas e sociais.


Amon Barros é professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP)

Benjamin Rosenthal é professor de marketing na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP)

Bruno Rossetti Leandro é doutorando na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP)

Caio César Coelho Rodrigues é professor administração na Universidade de São Paulo (USP)

Leia o artigo original

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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