Maria Auxiliadora Figueiredo: A União Africana, o livre comércio no continente e suas oportunidades
Assinado em 2019, o Acordo Continental Africano de Livre Comércio (AfCFTA) busca criar um mercado continental e aperfeiçoar a competitividade da indústria de países com 1,2 bilhão de habitantes e PIB superior a US$ 3,4 trilhões. Para diplomata, entretanto, faltam iniciativas brasileiras para explorar as oportunidades de intercâmbio e cooperação com a África neste seu esforço de transformação
Assinado em 2019, o Acordo Continental Africano de Livre Comércio (AfCFTA) busca criar um mercado continental e aperfeiçoar a competitividade da indústria de países com 1,2 bilhão de habitantes e PIB superior a US$ 3,4 trilhões. Para diplomata, entretanto, faltam iniciativas brasileiras para explorar as oportunidades de intercâmbio e cooperação com a África neste seu esforço de transformação
Por Maria Auxiliadora Figueiredo*
O Acordo Continental Africano de Livre Comércio (AfCFTA) [i] foi assinado pela maior parte dos países africanos em março de 2019 e entrou em vigor em 30 de maio de 2019, após 24 Estados Membros depositarem seus Instrumentos de Ratificação. Foi lançado durante a 12ª Sessão Extraordinária da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da União Africana realizada em Niamey, no Níger, em julho de 2019.
Com o objetivo de criar um mercado continental para bens e serviços mediante a consecução de livre movimento de empresários e investimentos, o AfCFTA busca pavimentar o caminho para o estabelecimento da União Aduaneira. Também pretende expandir o mercado continental visando a harmonização e coordenação da facilitação do comércio entre as Comunidades Econômicas Regionais da África (RECs) e a África em geral. Espera-se que o acordo venha a aperfeiçoar a competitividade da indústria local através da ampliação de oportunidades para a produção em maior escala, o fácil acesso ao mercado continental e melhor realocação de recursos.
O mercado previsto para a união dos 55 países é de 1,2 bilhão de habitantes, que compreendem uma crescente classe média e um produto interno bruto combinado superior a US$ 3,4 trilhões. Estimativas da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA) à época indicavam que o potencial de crescimento do comércio intra-africano seria da ordem de 52,3% como resultado da eliminação dos impostos de importação e o dobro disso, quando as barreiras não tarifárias forem igualmente reduzidas. [ii].
Como não poderia deixar de ser, o AfCFTA foi muito bem recebido pelos meios de comunicação do continente e da comunidade internacional. Os desafios, contudo, não deixaram de ser apontados, até porque se revelam demasiados e concretos. Em editorial de 4 de novembro de 2019, intitulado A área de livre comércio é a melhor chance para refazer a África [iii], o jornal Financial Times resume a opinião corrente no mundo ocidental sobre a assinatura do Acordo, sem deixar de apontar, contudo, dificuldades para sua implementação efetiva.
Em diversos artigos, a Deutsche Welle, também enumera os desafios para a integração continental. Entre eles: rodovias e linhas ferroviárias em mau estado; áreas atingidas pela violência; rígidos controles fronteiriços; corrupção; conflitos bélicos; rotas aéreas ainda controladas por países colonizadores (forçando voos com escala na Europa); penúria de recursos para investimentos em infraestrutura e falta de confiança mútua entre países [iv].
Tais desafios tomaram ainda maior vulto nos últimos anos com o advento da pandemia e o encarecimento de produtos alimentícios provocado pela guerra na Europa. Não arrefeceram, contudo, os interesses de países europeus, dos Estados Unidos da América, da Índia, China ou Japão em colaborar com a implementação do acordo continental africano. Nem diminuíram, até pelo contrário, a importância da consecução de uma política econômica na África cada vez menos dependente das ambições e exigências de antigos países colonizadores e/ou de novos interessados.
Não há notícias, nestes últimos dois anos, de que o governo brasileiro ou o empresariado nacional se tenham dedicado a explorar as oportunidades de intercâmbio e cooperação com a África neste seu importante esforço de transformação.
*Maria Auxiliadora Figueiredo é diplomata e colunista da Interesse Nacional. Nascida em Areado, MG, formou-se em Letras pela USP e ingressou no Itamaraty por concurso direto em 1978. Em Brasília, trabalhou na Divisão da Ásia e Oceania, na Subsecretaria-Geral para Assuntos Políticos e foi chefe, interina, da Divisão da África Austral (DAF-II). No exterior, serviu em Madri, Port-of-Spain, Maputo, Lisboa, Quito e Lagos, onde foi cônsul-geral. Serviu, ainda, como embaixadora do Brasil em Abidjã e Kuala Lumpur
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional.
Referências:
[i] No original: “African Continental Free Trade Agreement – AfCFTA”.
[ii] Informações extraídas de página online da instituição suíça TRALAC (Trade Law Center), Cidade do Cabo, 2020. Acessado em https://www.tralac.org/resources/our-resources/6730-continental-free-trade-area-cfta.htmlParte
[iii] Financial Times, The Editorial Board. “Free trade area is best chance to remake Africa”. Londres, 04/11/2019. Acessado em https://www.ft.com/content/d8dc07d8-fcaf-11e9-a354-36acbbb0d9b6
[iv] Deutsche Welle. “African leaders launch landmark 55-nation trade zone”. Bonn, Alemanha, 07.07.2019. Acessado em: https://www.dw.com/en/african-leaders-launch-landmark-55-nation-trade-zone/a-49503393
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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