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Interesse Nacional
14 setembro 2022

Matthew Taylor: Sistema político brasileiro mina a democracia por dentro, e risco vai além de ameaças de golpe

Apesar da resiliência mostrada pela democracia brasileira em resposta aos ataques do governo Bolsonaro, professor da American University avalia que o presidencialismo de coalizão vem enfraquecendo este sistema democrático do país por dentro, e pode se tornar um problema no longo prazo.

Apesar da resiliência mostrada pela democracia brasileira em resposta aos ataques do governo Bolsonaro, professor da American University avalia que o presidencialismo de coalizão vem enfraquecendo este sistema democrático do país por dentro, e pode se tornar um problema no longo prazo

O presidente Jair Bolsonaro diante dos ex-presidentes Dilma Rousseff, Michel Temer, Luiz Inácio Lula da Silva e José Sarney durante a posse de Alexandre de Moraes no TSE (Foto: TSE)

Por Daniel Buarque

A mobilização de diferentes setores da sociedade brasileira em torno da defesa da democracia e contra os ataques ao sistema eleitoral pelo presidente Jair Bolsonaro pode ser interpretada como uma demonstração da resiliência do sistema político do país. Forte contra ameaças crescentes, entretanto, este mesmo sistema tende a minar a própria democracia no longo prazo, na avaliação do professor americano Matthew Taylor.  

“O sistema político no Brasil tem contribuído para uma espécie de enfraquecimento da democracia por dentro”, explicou Taylor em entrevista à Interesse Nacional. Segundo ele, o presidencialismo de coalizão tende a minar os sistemas de freios e contrapesos e permitir a implementação de políticas prejudiciais ao desempenho real da democracia.

“No longo prazo, me preocupo com a democracia brasileira e isso não tem nada a ver com nenhum governo em particular ou qualquer partido em particular estar no governo. É a maneira pela qual o sistema político geral funciona”, disse.

Taylor é professor da American University, em Washington, DC. e autor de vários estudos sobre democracia e corrupção no Brasil, como os recentes Decadent Developmentalism: The Political Economy of Democratic Brazil e Brazilian Politics on Trial: Corruption and Reform Under Democracy (escrito em parceria com Luciano Da Ros). 

Na entrevista, ele avalia que desde 2016, o sistema político realmente se galvanizou em torno da reversão dos avanços que haviam sido alcançados de forma incremental na luta contra a corrupção entre 1985 e 2014. “Isso aconteceu em parte em resposta aos excessos da Lava Jato”, diz. Para Taylor, o Brasil precisa pensar mais na evolução gradativa desse combate à corrupção, com foco em punição aos envolvidos em casos de desvios.

Leia abaixo a entrevista completa

Daniel Buarque – Você lançou nos últimos anos dois livros sobre o Brasil: Decadent Developmentalism e Brazilian Politics on Trial, que tratam de economia política e de corrupção, mas ambos perpassam a ideia de democracia no Brasil. Qual você acha que é o estado da democracia?

Matthew Taylor – Existe uma história positiva a ser contada e, no longo prazo, há uma história menos positiva. Pelo lado positivo, fiquei muito impressionado com a força, a resiliência, o grau em que os brasileiros deixaram muito claro que a democracia importa, ao menos em seu processo eleitoral. Vimos na Universidade de São Paulo uma demonstração muito importante da sociedade civil se unindo em torno da democracia. Vimos nos tribunais eleitorais uma imagem emblemática de Bolsonaro confrontando uma sala cheia de ex-presidentes, incluindo seu concorrente, Lula, mas também cercado pela elite política. Todos eles foram muito claros no apoio ao tribunal eleitoral, ao sistema eleitoral e à democracia de forma mais ampla. Então acho que, no curto prazo, há motivos para ser um pouco otimista e até satisfeito com a forma como democratas no Brasil realmente avançaram para garantir que as posições mais loucas e extremas que foram tomadas por alguns dos apoiadores de Bolsonaro sejam repudiadas.

’No curto prazo, há motivos para ser um pouco otimista e até satisfeito com a forma como democratas no Brasil realmente avançaram para garantir que as posições mais loucas e extremas que foram tomadas por alguns dos apoiadores de Bolsonaro sejam repudiadas’

No longo prazo, acho que uma das lições que está presente em ambos os livros que você mencionou é até que ponto o sistema político no Brasil tem contribuído para uma espécie de enfraquecimento da democracia por dentro. A maneira abreviada de descrever isso é essa maneira pela qual o sistema político funciona é realmente em minar os freios e contrapesos, minar qualquer tentativa de controle sobre as elites políticas e, às vezes, sobre as elites econômicas e, como consequência, permitir comportamentos como pressões de grupos de interesse, corrupção, ou simplesmente políticas fiscalmente prejudiciais serem implementadas e mantidas ao longo do tempo de maneiras extremamente prejudiciais ao desempenho real da democracia.

No longo prazo, me preocupo com a democracia brasileira e isso não tem nada a ver com nenhum governo em particular ou qualquer partido em particular estar no governo. É a maneira pela qual o sistema político geral funciona.

Daniel Buarque – O problema então não seria necessariamente o perigo de um golpe de Estado, ou um rompimento com a democracia, mas o fato de que a democracia do jeito que existe não ser funcional e não servir à maioria das pessoas?

Matthew Taylor – Bem, estou muito preocupado com os próximos meses no Brasil, até janeiro e a posse presidencial. Podemos imaginar muitos cenários diferentes até lá. Pode-se imaginar Bolsonaro derrotado questionando as instituições democráticas e eleitorais, mas também se pode imaginar Bolsonaro perdendo e tentando minar instituições no modelo do que Trump fez nos EUA.

Entretanto, pensando no médio e no longo prazos, é preocupante que, se Lula for eleito, ele não vai ter a lua de mel que teve em 2003, e o que é importante ter em mente é que a democracia, mesmo antes de Bolsonaro, não estava funcionando muito bem. Isso é algo que vem acontecendo e que teve flutuações, mas, de um modo geral, desde 1985, a forma como o sistema político tem funcionado em torno do presidencialismo de coalizão enfraqueceu qualquer entrega de bens públicos que seria benéfica para a sociedade de forma mais ampla.

’A forma como o sistema político tem funcionado em torno do presidencialismo de coalizão enfraqueceu qualquer entrega de bens públicos que seria benéfica para a sociedade de forma mais ampla’

Tratamos disso nos livros ao falar de corrupção, mas também no sentido de que a política econômica é extremamente cara no Brasil, e não alcança resultados muito positivos. Costuma haver uma crença de que o Estado funciona em nome da sociedade, mas o que vemos é que o Estado muitas vezes tem muito pouco controle sobre seus gastos e, portanto, incapaz de alcançar o objetivo estratégico que se espera dele em uma democracia.

Daniel Buarque – Você menciona a situação do Brasil desde a redemocratização, mas podemos ir mais longe e falar sobre como essa é a história do Brasil desde o princípio, com a chegada dos portugueses, a independência e todo o percurso do país, não?

Matthew Taylor – Faz sentido, sim, mas é importante deixar claro que, desde 1985, o Brasil tem sua democracia mais profunda. Então a comparação é muito diferente com outros momentos de repúblicas no país. O período atual é muito mais democrático. E isso é positivo. Houve uma incorporação muito mais ampla das massas, o sufrágio universal generalizado que vai além de tudo o que se viu em períodos anteriores e um Estado muito mais sofisticado. E do lado econômico, essa democracia tem o legado de um Estado desenvolvimentista que foi criado sob o regime militar, que se mantém até hoje. É importante ter em mente essa sofisticação crescente do atual período da democracia, tanto em termos de sofisticação econômica quanto política em relação a qualquer período anterior.

Daniel Buarque – Faz sentido. Mas pergunto sobre uma história mais longa para tentar entender de onde vem essa situação da política brasileira? É possível saber as origens desses problemas da política nacional?

Matthew Taylor – Todos os países enfrentaram problemas com o transformismo, essa noção de que é muito difícil romper com o passado. Certamente aqui nos Estados Unidos temos o legado da escravidão, da Guerra Civil , do fracasso da União em se juntar contra a escravidão no período pós-Guerra Civil, que é um legado que continua até hoje. Isso também é aparente no Brasil, no sentido de que as elites conseguiram conquistar para si um espaço particular na sociedade.

Onde há uma grande diferença é na medida em que a impunidade da elite é a chave integral do funcionamento da democracia no Brasil contemporâneo. De fato isso tem uma longa história, e torna o Brasil muito diferente de muitas outras grandes democracias contemporâneas.

Vimos isso nos últimos anos na Lava Jato e na reação contra ela. Havia razões racionais e corretas para resistir aos excessos da Lava Jato, mas foi muito além disso, e vê-se um retrocesso nas instituições de prestação de contas que está ocorrendo no Judiciário. O grau em que a Lava Jato foi revertida levou o Brasil a um status quo provavelmente está 20 anos atrás de onde estava no início da Lava Jato. O poder do sistema político e das lideranças políticas ao assumir o controle de um movimento reformista e voltá-lo contra si mesmo, é extraordinário.

‘O poder do sistema político e das lideranças políticas ao assumir o controle de um movimento reformista e voltá-lo contra si mesmo, é extraordinário’

Daniel Buarque – Ao mesmo tempo, o presidente da República diz que não há mais corrupção no Brasil. Considerando a situação do país às vésperas da eleição, qual você acha que é o estado atual da corrupção no Brasil?

Matthew Taylor – O ponto de partida para entender isso é ressaltar que a corrupção não é uma questão relacionada a Bolsonaro, Lula, FHC, ou nenhum partido político ou força política. A corrupção foi uma constante desde 1985 no Brasil, o que merece mais atenção. Portanto, este não é um problema de um único governo.

O que é realmente interessante no caso brasileiro é a extensão em que o “sistema” continua a criar incentivos para uma reação contrária a reformas anticorrupção. O que vimos no Brasil e descrevemos em nosso livro é que entre 1985 e 2014 foram incríveis as melhorias no combate à corrupção. Isso aconteceu sob uma variedade de governos diferentes, e algumas vezes aconteceu por motivos que nada tinham a ver com corrupção em si. Podemos mencionar a lei de responsabilidade fiscal, o plano real, políticas postas em prática para superar a crise bancária dos anos 1990 –todas essas medidas ajudaram a melhorar as condições de combate à corrupção, porque ou melhoram a transparência, ou melhoraram a supervisão, ou melhoraram a possibilidade de punição. O que eles realmente não fizeram muito bem foi aumentar a probabilidade de sanção, a punição a crimes. Os tipos de punição que foram implementados tendiam a ser administrativos, ou seja, expulsar burocratas, demitir burocratas que se envolveram em corrupção. Mas não realmente se livrar da corrupção dentro do sistema político.

É verdade que no período de 1985 a 2014 as coisas melhoraram um pouco, mas entre 2014 e hoje, na reação à Lava Jato, as coisas ficaram consideravelmente piores. Desde 2016, o sistema político realmente se galvanizou em torno da reversão dos avanços que haviam sido alcançados de forma incremental entre 1985 e 2014. Isso aconteceu em parte em resposta aos excessos da Lava Jato.

Até 2014 viu-se o incremento da situação em torno da prestação de contas, das políticas anticorrupção, uma evolução gradual desde 1985. E a partir de 2016 tem-se um declínio constante para um lugar um pouco diferente, mas muito mais limitado do que era no início dos anos 1990. Isso é altamente desencorajador para pensarmos sobre o estado da democracia brasileira dentro desse sistema político que favorece a impunidade.

Daniel Buarque – É possível entender por que isso acontece? O que explica a constância da corrupção e do escândalo no Brasil democrático?

Matthew Taylor –  Para combater a corrupção, é necessário ter transparência, vigilância, e capacidade de punir. Isso tem que ser mediado pela capacidade das agências governamentais de combater a corrupção, pelo envolvimento da sociedade civil, pelo domínio dos atores políticos e econômicos. No final das contas, avaliando esses elementos, o lado da punição, de sanção, sempre foi fraco. Houve um breve momento entre o julgamento do Mensalão e a Lava Jato em que parecia haver um avanço no combate a  atos corruptos de atores políticos. Mas a batalha contra a corrupção não conseguiu superar o domínio político. E o que explica isso é a centralidade do presidencialismo de coalizão e a noção de que essa forma de política zomba do sistema de freios e contrapesos. O presidente não tem incentivos para agir contra alegações de corrupção no Congresso, pois seu partido não tem força suficiente e ele precisa de todos os votos que puder obter. E o Congresso não tem incentivos para investigar denúncias de corrupção do Executivo.

‘Para combater a corrupção, é necessário ter transparência, vigilância, e capacidade de punir’

A ironia disso é que o sistema permite uma certa capacidade de governo, e essa é uma das razões pelas quais os presidentes relutam em mudar as regras. Mas esse padrão de política pode tornar os freios e contrapesos pouco eficientes, o que aumenta os custos da política e tende a diluir a política e a gerar incentivos para a corrupção através da troca de favores. Isso tende a tornar muito difícil ter qualquer tipo de estratégia nacional concreta de desenvolvimento, e acho que no final das contas pode minar o apoio público.

E, no entanto, o sistema persiste, pois há uma racionalidade nisso que se origina na fragmentação do sistema político. É claro que há boas razões para ter democracias multipartidárias, mas o Brasil talvez tenha o mais alto grau de fragmentação de qualquer sistema político em qualquer lugar, e isso torna muito difícil governar. Então há um ciclo que está acontecendo aqui, que é a fragmentação do sistema político que leva a um presidencialismo de coalizão que é muito difícil de reverter, e tende a retroalimentar a fragmentação.

’Há boas razões para ter democracias multipartidárias, mas o Brasil talvez tenha o mais alto grau de fragmentação de qualquer sistema político em qualquer lugar, e isso torna muito difícil governar’

O exemplo de Dilma Rousseff é muito bom porque demonstra que não seguir o sistema gera riscos altos à sobrevivência do mandato. E o exemplo de Bolsonaro é excelente porque ele dizia que não entraria em negociações de coalizão, mas capitulou a elas. E hoje, quando você olha para o Congresso e olha para o orçamento secreto, você olha para as chamadas emendas do relator, este é um empoderamento extraordinário do Congresso em relação até mesmo onde estava há 10 anos. Assim, a situação ficou mais terrível, não melhor. O Centrão governa o país independentemente de quem vença a eleição deste ano. O Centrão tomou as rédeas do governo. Tanto que, se Lula ganhar, vai precisar reaprender o jogo da política para negociar com o Congresso.

Daniel Buarque – Para onde vamos então? Independentemente das eleições deste ano, para onde essa situação vai levar a política brasileira?

Matthew Taylor – Este é um problema sistêmico. O sistema como um todo é racional para as elites que participam dele, mas não é eficiente para o país como um todo. No longo prazo, isso dá motivos para ficar bastante preocupado com o futuro do Brasil. O maior problema é a falta de controle, de um sistema democrático de freios e contrapesos, e de responsabilização. Não só há muito pouca responsabilização como todo o sistema parece ser projetado para minar a responsabilização, e então essa falta de controle está presente em uma variedade de domínios da vida brasileira. E isso tudo afeta a capacidade do Estado brasileiro de realmente criar e implementar uma estratégia de desenvolvimento eficaz. É extremamente difícil implementar qualquer tipo de controle sobre a política econômica, quando o sistema político está engajado neste sistema de trocas entre os ramos do governo.

Em relação à corrupção, uma das causas da falta de controle é a forma como os próprios juízes são nomeados nos mais altos níveis no Brasil. A forma como os tribunais são formados, como ministros são nomeados para o tribunal de contas, como os chefes da Polícia Federal são escolhidos… Todas essas instituições que devem lutar contra a corrupção estão sujeitas a negociações políticas. O acordo de cavalheiros está presente em todas as instituições-chave da democracia brasileira. Isso cria um sistema de trocas de favores constante, então os atores dentro do sistema não têm incentivos para mudar o sistema.

No longo prazo, isso me deixa cético quanto ao desempenho econômico ou anticorrupção,  ou desempenho em outras esferas como política social ou política ambiental, por exemplo, controlando o desmatamento. Isso não vai mudar sem uma mudança dentro do sistema político, e é aí que eu realmente sou mais pessimista do que gostaria de ser.

Daniel Buarque – Em uma entrevista na época da crise política que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, você disse que as instituições brasileiras funcionam, mas que o problema é como as pessoas nessas instituições agem para fazê-las funcionar

Matthew Taylor – Meu pensamento evoluiu desde 2016. O grande problema que os cientistas políticos têm é entender o que é uma instituição. Normalmente se refere a instituições para se referir ao Congresso, ou ao Executivo, mas cheguei à conclusão de que as instituições importantes estão realmente abaixo do nível dessas organizações. Então o Congresso é uma organização, e a instituição que realmente explica o funcionamento do Congresso é o presidencialismo de coalizão. Mas se você procurar na Constituição, não existe referência à palavra coalizão, ou ao presidencialismo de coalizão. Mas essa é a instituição central, mesmo que seja amorfa, não esteja na Constituição, não esteja na lei. O que há é uma coleção de incentivos que as pessoas seguem.

‘A instituição que realmente explica o funcionamento do Congresso é o presidencialismo de coalizão. E o problema do presidencialismo de coalizão é que ele mina o controle contra a corrupção, prejudica o sistema de freios e contrapesos’

Isso é evidente no que aconteceu no Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff. Bolsonaro assumiu e houve a maior mudança no Congresso, quando em torno de 50% dos congressistas eram novos. E o que mudou no comportamento do Congresso com esse novo Congresso? O presidencialismo de coalizão se reafirmou. Nunca foi tão forte. Os incentivos são extremamente fortes para manter a instituição do presidencialismo de coalizão. E o problema do presidencialismo de coalizão é que ele mina o controle contra a corrupção, prejudica o sistema de freios e contrapesos. Prejudica a formulação de políticas coerentes.

Daniel Buarque – E como seria possível mudar isso?

Matthew Taylor – É preciso pensar na questão do ritmo das reformas anticorrupção no Brasil. A aceleração desse ritmo com a Lava Jato é responsável pela reversão a uma situação pior do que o que havia antes da operação. Todas as cruzadas anticorrupção são políticas, porque se está lutando contra a corrupção, já está se comportando politicamente, mas provavelmente também está envolvendo-se com o sistema político, porque é aí que ocorre a corrupção. E uma estratégia que se baseia na liderança do Poder Judiciário está fadada ao fracasso. Os exemplos de cruzadas judiciais contra a anticorrupção em países como Indonésia, França, Itália, Brasil, são casos em que o Judiciário tentou liderar uma cruzada contra o sistema político e o resultado final foi realmente pior porque você teve uma melhora momentânea, mas então o sistema político político se juntou e foi muito eficiente em derrubar os tribunais. Uma das lições que sai da Lava Jato é que não é assim que você alcança resultados de longo prazo contra a corrupção, pela responsabilização de agentes políticos, no sistema de freios e contrapesos. É preciso ter uma melhoria de estrutura mais inteligente, implementada de forma incremental. Se você observar os ganhos em accountability entre 1985 e 2014, todos foram pequenos, mas com o tempo eles somaram em uma melhora muito significativa. E então a Lava Jato chegou querendo consertar o sistema rapidamente. Era uma postura ousada e extraordinariamente ambiciosa. Mas liderar uma cruzada pelo Judiciário e acelerar as reformas gera forte reação do sistema, e o Brasil acabou retrocedendo.

‘Uma das lições que sai da Lava Jato é que não é assim que você alcança resultados de longo prazo contra a corrupção, pela responsabilização de agentes políticos, no sistema de freios e contrapesos. É preciso ter uma melhoria de estrutura mais inteligente, implementada de forma incremental’

Talvez a maneira de pensar em avançar seja voltar a um ritmo de incrementalismo, em que  o objetivo não seja necessariamente punir as elites de hoje, mas mudar os incentivos para as elites de amanhã. Isso pode não ser satisfatório para muitas pessoas que querem ver a impunidade acabar e colocar na cadeia os corruptos, mas pode ser a única abordagem realista para gerar mudança concreta e sustentável no sistema.

Daniel Buarque – Voltando, então para o tema do início da nossa conversa, e a situação da democracia brasileira às vésperas da eleição, pelo que você explica, apesar dos problemas do sistema político atual, ele acaba servindo também como uma barreira contra uma ruptura democrática mais radical, pois não seria do interesse do Centrão dar mais poder a um ditador. Faz sentido?

Matthew Taylor – Sim, faz sentido. As pessoas podem fazer uma leitura da minha crítica entendendo que estou defendendo um sistema político mais centralizado, mas este não é o caso. A solução para o Brasil não está em seguir um modelo mais parecido com o que há nos EUA ou no Reino Unido.

Há uma discussão popular sobre a qual os cientistas políticos: Por um lado, há a resolutividade, e o quanto as decisões de um governo se impõem e realmente se tornam realidade; e, por outro lado, a determinação, a capacidade de tomar decisões na política de um país. O sistema brasileiro não é decisivo, pois há muitos atores em jogo, é muito difícil fazer mudanças e tudo mais, mas é extremamente resoluto, como se pode ver nas políticas econômica e social do país, sem que haja uma oscilação muito grande entre governos diferentes.

Não estou argumentando que o Brasil precisa mudar radicalmente seu sistema, mas sim que pode dar passos incrementais para tornar esse sistema um pouco mais decisivo,  afastando-se da extrema resolutividade do sistema atual, que leva a uma continuidade quase sem fim. Em última análise, a velocidade com que a democracia do Brasil tem sido capaz de enfrentar os desafios que aparecem tem sido muito lenta para as demandas que vêm da sociedade. E se você olhar para trás desde o início das manifestações de 2013 no Brasil, que já faz quase uma década, foi uma década de frustração com a incapacidade do sistema político de entregar. O sistema continua em vigor por causa dos incentivos que já discutimos, que servem a interesses egoístas e são racionais para todos que fazem parte do sistema. Mas seria útil pensar em quais mudanças incrementais ajudariam o sistema a avançar rumo a uma maior capacidade de decisão política e maior capacidade de estratégia. Podemos pensar em reformas incrementais que diminuiriam a fragmentação partidária, que é, em muitos aspectos, o elemento central de sustentação por trás do presidencialismo de coalizão. Uma reforma que poderia aumentar a independência das agências reguladoras e agências piloto que controlam a formulação de políticas. Esforços para mover o controle sobre os órgãos de prestação de contas, seja dentro do Executivo como a Polícia Federal ou a Controladoria Geral, ou fora do Executivo como o TCU, o Tribunal de Contas das mãos do Centrão. Existem muitas reformas pequenas e incrementais que ajudariam a quebrar a estrutura de incentivos atualmente dominante no sistema político brasileiro e possibilitaria um maior controle, maiores verificações e contrapesos em todo o sistema.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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