31 julho 2023

O ativismo judicial tem tido impactos diferentes no Brasil e nos Estados Unidos

Ex-presidente Bolsonaro não poderá se candidatar à presidência durante oito anos devido ao ativismo judicial do TSE. Para pesquisadores, a mesma atitude deveria ser considerada nos Estados Unidos, pois até agora Trump poderá se candidatar mesmo estando sob duas acusações. 

Ex-presidente Bolsonaro não poderá se candidatar à presidência durante oito anos devido ao ativismo judicial do TSE. Para pesquisadores, a mesma atitude deveria ser considerada nos Estados Unidos, pois até agora Trump poderá se candidatar mesmo estando sob duas acusações. 

Donald Trump senta-se ao lado de Jair Bolsonaro no resort Mar-a-Lago em Palm Beach, Flórida, em março de 2020, quando ambos lideravam seus países. (Foto AP/Alex Brandon)

Por Gerson Scheidweiler e Tyler Valiquette*

Gerson Scheidweiler e Tyler Valiquette*

Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil proibiu o ex-presidente Jair Bolsonaro de se candidatar a um cargo público durante oito anos. Bolsonaro tem 68 anos e não poderá candidatar-se à Presidência até aos 75.

‘Cinco dos sete juízes do TSE apoiaram a proibição de Bolsonaro, que, em 2022, espalhou desinformação sobre a legitimidade do sistema de votação eletrônica do Brasil’

Cinco dos sete juízes do TSE apoiaram a proibição de Bolsonaro, que, no período que antecedeu as eleições de 2022, espalhou desinformação sobre a legitimidade do sistema de votação eletrônica do Brasil.

As eleições no Brasil foram marcadas pela violência, com tácticas de supressão de votos ocorrendo antes das mesmas. Após a votação, milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram o palácio presidencial, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

“Essa resposta confirmará a nossa fé na democracia”, disse Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal e chefe do Tribunal Eleitoral, ao votar contra Bolsonaro.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/felipe-tirado-a-decisao-do-tse-pela-inelegibilidade-de-jair-bolsonaro/

Espera-se que o ex-presidente recorra da decisão. No entanto, ele ainda enfrenta 15 processos no TSE, além de várias investigações criminais em andamento. Esses processos incluem acusações de que ele usou indevidamente fundos públicos para influenciar a votação eleitoral e apontam para o fato de ele ter provocado a violência dos seus seguidores no dia 8 de janeiro de 2023.

Uma condenação nesses processos pode torná-lo inelegível para se candidatar a um cargo público.

A man in a mask looks out a shattered window.
Apoiador de Jair Bolsonaro olhando uma janela estilhaçada do Palácio do Planalto depois de ele e seus colegas manifestantes o terem invadido em janeiro de 2023. (Foto AP/Eraldo Peres)

Lições para os Estados Unidos

‘A decisão do TSE demonstra um marco essencial na jovem democracia brasileira e serve de lição para outros países’

A decisão do tribunal demonstra um marco essencial na jovem democracia brasileira e serve de lição para outros países. Isso vale especialmente para os Estados Unidos, onde o ex-presidente Donald Trump é o favorito para ser o candidato republicano à Presidência em 2024, apesar de estar sob duas acusações.

Em primeiro lugar, a decisão indica que as instituições do Brasil tendem a responder vigorosamente quando percebem ameaças à democracia e priorizam a preservação da estabilidade institucional.

Em segundo lugar, ela destaca o envolvimento proativo dos sistemas jurídicos na abordagem de riscos modernos substanciais à democracia, como desinformação, discurso de ódio e tentativas de manipular os eleitores.

Por último, também estabelece um precedente para punir os líderes, mesmo os presidentes, que tentam manipular os cidadãos e fomentar a polarização.

Mas há também implicações importantes sobre o papel dos tribunais nas eleições e o impacto do ativismo judicial.

‘Bolsonaro – evidentemente inspirado pelo seu aliado próximo, Trump – seguiu uma trajetória semelhante depois de perder a sua campanha para a reeleição’

Bolsonaro – evidentemente inspirado pelo seu aliado próximo, Trump – seguiu uma trajetória semelhante depois de perder a sua campanha para a reeleição. Tal como Trump, recorreu ao lançamento de dúvidas e à disseminação de desinformação sobre o sistema eleitoral do seu país, o que acabou por conduzir a invasão das respectivas instituições democráticas.

Mas as consequências das suas acções têm-se desenrolado de formas muito diferentes.

No Brasil, as eleições são regidas por um tribunal federal, que pode determinar se os candidatos podem concorrer ao cargo. Os tribunais reagiram rapidamente após as eleições brasileiras, impedindo a reeleição de Bolsonaro, alegando tratar-se de uma ameaça à democracia do país.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/felipe-tirado-as-acusacoes-criminais-de-bolsonaro-e-trump-das-perspectivas-juridica-e-politica/

As eleições americanas, no entanto, são realizadas por estados individuais, com diferentes políticas que determinam a elegibilidade. O destino de Trump é, portanto, deixado ao critério dos eleitores e do sistema judicial deliberativo dos EUA.

Ativismo judicial

A diferença marcante entre os dois casos é o papel do judiciário nas eleições federais. No Brasil, o tribunal assumiu um papel de regulador político, alimentando um debate sobre o ativismo judicial.

O ativismo judicial – quando o judiciário assume um papel ativo no combate à instabilidade, ameaças ou desigualdade, em vez de simplesmente responder a processos movidos por terceiros – está atraindo um interesse crescente dos acadêmicos.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/iii-brasil-inelegibilidade-de-bolsonaro-e-o-principal-destaque-da-semana-na-imprensa-estrangeira/

O papel ativo dos tribunais geralmente entra em ação quando as instituições democráticas estão sob ameaça, são lentas para agir ou negligentes na tomada de decisões cruciais e na aprovação de leis importantes, levando a uma possível instabilidade ou a lacunas legais perigosas.

O ativismo judicial tem sido particularmente evidente no caso de Bolsonaro. A culminação da desinformação eleitoral, da violência, das ameaças contra o judiciário e da instabilidade política resultou na intervenção do TSE.

‘Até que ponto um judiciário, que deveria ser independente e imparcial, pode se envolver no resultado de procedimentos democráticos?’

Essa forte resposta legal resultou na perda dos direitos políticos de Bolsonaro. Isso levanta uma questão importante: até que ponto um judiciário, que deveria ser independente e imparcial, pode se envolver no resultado de procedimentos democráticos?

Alguns estudiosos apontam que o ativismo judicial pode ter efeitos negativos na sociedade.

Isso é especialmente verdadeiro quando um presidente nomeia juízes do tribunal com base em seu alinhamento político e agenda. Trump fez isso e o resultado foi o endosso de leis antiaborto pela Suprema Corte dos EUA. Outro exemplo é a Venezuela, onde o poder judiciário tem apoiado o presidente Nicolás Maduro, resultando na perseguição de políticos que se opõem ao regime estabelecido por ele.

‘O papel dos tribunais na determinação do destino de Bolsonaro alimentou o extremismo da direita no Brasil’

O papel dos tribunais na determinação do destino de Bolsonaro alimentou o extremismo da direita no Brasil. O Supremo Tribunal Federal tornou-se um alvo, com ameaças e violência dirigidas a seus juízes e suas famílias. Moraes e seu filho foram recentemente atacados em um aeroporto na Itália por três brasileiros.

Excesso de poder?

Os seguidores de Bolsonaro acreditam que o judiciário ultrapassou seus limites, intrometendo-se na arena política. Esse sentimento pode beneficiar políticos apoiados por Bolsonaro nas próximas eleições.

Por outro lado, os políticos de direita que empregam a desinformação e o discurso de ódio como ferramentas de manipulação eleitoral podem precisar mudar de tática, motivados pelo medo de repercussões judiciais decorrentes do incitamento dos eleitores.

‘Os impactos reais da decisão do TSE e o futuro da extrema direita no Brasil serão testados durante as eleições municipais de outubro de 2024’

Os impactos reais da decisão do TSE e o futuro da extrema direita no Brasil serão testados durante as eleições municipais de outubro de 2024.


*Gerson Scheidweiler é pesquisador do pós-doutorado em estudos de igualdade e membro do Dahdaleh Institute for Global Health Research, York University, Canada

Tyler Valiquette é doutorando em geografia humana na UCL


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.

Tradução de Letícia Miranda


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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