09 junho 2025

O Brasil frente à política ambiental da União Europeia – Tensões entre comércio e sustentabilidade 

O Pacto Verde Europeu e novas regras ambientais da UE impõem desafios às exportações brasileiras e às negociações do Acordo Mercosul-UE. Entre pressões por padrões sustentáveis, tensões diplomáticas e contradições internas, o Brasil busca equilibrar defesa de sua soberania regulatória com a necessidade de preservar credibilidade ambiental e garantir acesso ao mercado europeu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sessão de encerramento do Fórum Empresarial Brasil – França (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Por Fernanda Nanci Gonçalves e Patricia Nasser de Carvalho*

O Pacto Verde Europeu, lançado em 2019, visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa e alcançar a neutralidade climática na União Europeia (UE) até 2050. Trata-se do “primeiro compromisso público mundial de um grupo de Estados com o intuito de zerar as emissões líquidas de carbono na atmosfera”. Um dos pilares do pacto é a Lei Europeia do Clima (2021), que estabelece a meta de redução de emissões em pelo menos 55% até 2030, em comparação aos níveis de 1990 (European Consilium, s.d.).

Além do pacto, a UE aprovou outras normas para alinhar sua legislação às metas climáticas, como a Regulamentação para Produtos Livres de Desmatamento (2023), que proíbe a circulação de produtos associados ao desmatamento e à degradação florestal. Para viabilizar essas políticas, o bloco estruturou um robusto sistema de financiamento, destinando cerca de 30% do seu orçamento (2021–2027) a fundos como o Horizonte Europa, o Programa LIFE e o Fundo Social Europeu para Mudanças Climáticas (European Commission, s.d.).

‘A agenda climática da UE combina financiamento climático a países em desenvolvimento com exigências ambientais em suas relações comerciais, impondo padrões europeus a parceiros extrarregionais’

A agenda climática da UE está alinhada com a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (1992) e com o Acordo de Paris (2015), e busca influenciar outros países a adotarem medidas similares. Para isso, combina financiamento climático a países em desenvolvimento com exigências ambientais em suas relações comerciais, impondo padrões europeus a parceiros extrarregionais.

Essa postura tem gerado críticas, com países acusando a UE de impor sua visão normativa e tecnocrática. A exigência de critérios ambientais nos acordos comerciais tem afetado diretamente negociações, como a do Acordo de Livre Comércio entre UE e Mercosul. Após diversas rodadas de negociações, o texto do acordo foi majoritariamente concluído em 2019 e incluiu um capítulo sobre comércio, meio ambiente e trabalho, exigindo alinhamento com compromissos multilaterais, como os da Organização Internacional do Trabalho e da Organização das Nações Unidas, além de proibir a flexibilização regulatória como vantagem comercial (Veiga; Rios, 2025).

Entre suas inovações, destacou-se a menção ao “princípio da precaução”, autorizando a adoção de medidas ambientais em casos de incerteza científica, desde que não configurem discriminação arbitrária ou barreira disfarçada ao comércio, e a promoção de cooperação em esquemas voluntários de sustentabilidade (Veiga; Rios, 2025). Contudo, a partir de 2019, mudanças políticas na América do Sul e na Europa afetaram a dinâmica do acordo. 

‘No contexto europeu, cresceu a valorização da agenda ambiental, impulsionada pelo fortalecimento dos partidos verdes, o que aumentou a pressão sobre o capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável’

No contexto europeu, cresceu a valorização da agenda ambiental, impulsionada pelo fortalecimento dos partidos verdes, o que aumentou a pressão sobre o capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável. O governo Bolsonaro (2019-2022), com seu negacionismo climático e aumento do desmatamento, afetou a credibilidade ambiental do Brasil em nível internacional, gerando uma série de reações negativas ao acordo, como a oposição do presidente francês Emmanuel Macron, que acusou Bolsonaro de mentir sobre compromissos ambientais.

No mesmo período, internamente, o Mercosul também enfrentou tensões. O Uruguai propôs flexibilizar o bloco, mas recuou diante da resistência brasileira. A Argentina, por sua vez, tentou se retirar de negociações com a Coreia do Sul, reacendendo o debate sobre a Decisão 32/00, que proíbe negociações comerciais unilaterais no bloco. Por fim, a pandemia de Covid-19 e divergências sobre a Tarifa Externa Comum aprofundaram o desalinhamento entre os membros (Sanahuja; Rodríguez, 2021).

‘Apesar do fortalecimento de posturas protecionistas na Europa, o contexto geopolítico levou a UE a intensificar esforços para ratificar o acordo’

Apesar do fortalecimento de posturas protecionistas na Europa, a crescente presença da China na América Latina, o protecionismo dos EUA e a busca por acesso a recursos estratégicos sul-americanos para a transição energética, sobretudo após a guerra da Ucrânia, levou a UE a intensificar esforços para ratificar o acordo. 

Assim, em 2023, as negociações foram retomadas, e a UE propôs um “instrumento adicional” (também conhecido como side letter) com compromissos ambientais mais rigorosos no Acordo, o que gerou críticas do novo governo brasileiro, de Lula da Silva. O instrumento incorporou o Artigo 31 da Convenção de Viena, tornando seus termos vinculantes. Ademais, estabeleceu a necessidade de recursos adequados para a implementação das leis nacionais e adotou como referência as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) brasileiras de 2015, retomando metas mais ambiciosas, inclusive em relação à redução do desmatamento, e sugeriu futuros mecanismos de cumprimento mais rígidos, como possíveis sanções, o que foi mal-recebido pelos países do Mercosul (Veiga; Rios, 2025).

‘O governo brasileiro rejeitou a proposta, e o Mercosul apresentou uma contraproposta em setembro de 2023, reafirmando sua soberania regulatória’

O governo brasileiro rejeitou a proposta por transformar compromissos voluntários em obrigações vinculantes sem garantias de apoio financeiro, como o Fundo Amazônia. Em resposta, o Mercosul apresentou uma contraproposta em setembro de 2023, reafirmando sua soberania regulatória. As renegociações se estenderam até dezembro de 2024, com o anúncio de um novo entendimento durante a Cúpula do Mercosul, baseado no “pacote de Brasília”, liderado pelo Brasil. 

Segundo Barreto e Wollrad (2025), esse pacote trouxe três inovações: (1) revisão do capítulo ambiental, com eliminação de exigências adicionais da UE e criação de acordo sobre cadeias de valor sustentáveis; (2) proteção ao setor automotivo com mecanismos de defesa comercial e arbitragem; (3) flexibilização nas compras governamentais, permitindo estímulos à indústria nacional, com inclusão de compras subnacionais.

Por sua vez, a UE propôs o anexo “Acordo de Paris como Elemento Essencial”, que parece ter sido uma condição para que as cláusulas do capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável permanecessem fora do escopo do mecanismo de solução de controvérsias do acordo. Essa abordagem preserva a flexibilidade desejada pelo Mercosul, especialmente após o Brasil rejeitar, em 2023, a proposta europeia de criar mecanismos adicionais de enforcement vinculados a esse capítulo. 

‘A ratificação final do acordo permanece incerta’

A ratificação final do acordo permanece incerta. Na Europa, o tratado enfrenta oposição de uma aliança heterogênea que reúne ruralistas, partidos de centro-direita e de extrema-direita e ambientalistas. Do lado brasileiro e dos demais países do Mercosul, o cenário também é complexo: persistem dúvidas quanto aos reais benefícios do acordo diante das concessões exigidas, sobretudo em razão do acentuado desequilíbrio entre os blocos nas áreas ambiental e industrial.

Há poucos dias, um outro elemento contribuiu para novas tensões nas relações do Brasil com a UE no que tange à relação entre comércio e desenvolvimento sustentável. O país foi classificado como “risco médio” pelo bloco europeu no âmbito do Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento. A medida exige que 3% dos produtos exportados ao bloco europeu estejam sujeitos a auditorias para verificar sua conformidade com critérios de não desmatamento, com base em dados referentes ao período de 2015 a 2020. A norma afeta diretamente exportadores de commodities como soja, carne bovina, café, cacau, borracha, madeira e óleo de palma, exigindo que esses produtos tenham origem em áreas livres de desmatamento desde dezembro de 2020 e contem com rastreabilidade georreferenciada. 

‘O governo brasileiro considerou a classificação de “risco médio” “discriminatória” e “unilateral”, alegando que ignora os avanços recentes no controle do desmatamento e impõe custos desproporcionais’

Embora a classificação intermediária tenha evitado sanções mais duras, o governo brasileiro considerou a decisão “discriminatória” e “unilateral”, alegando que ignora os avanços recentes no controle do desmatamento e impõe custos desproporcionais, sobretudo aos pequenos produtores (MRE, 2025). No contexto das negociações do Acordo Mercosul-UE, a medida reacende tensões em torno da imposição de padrões ambientais unilaterais por parte de Bruxelas, alimentando preocupações quanto à soberania regulatória e ao uso da agenda ambiental como instrumento de barreira comercial.

Diante desse cenário, o futuro do Acordo Mercosul-UE segue envolto em incertezas, marcado por tensões entre exigências ambientais e interesses comerciais assimétricos. 

‘Medidas internas contraditórias – como o avanço de uma nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que pode fragilizar salvaguardas socioambientais – lançam dúvidas sobre a coerência e durabilidade desse compromisso’

No caso brasileiro, a dificuldade em demonstrar compromissos consistentes com a sustentabilidade enfraquece a sua capacidade de contestar a imposição de padrões unilaterais por parte da UE. Embora o país tenha sinalizado avanços recentes no controle do desmatamento, medidas internas contraditórias – como o avanço, no Senado, de uma nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que pode fragilizar salvaguardas socioambientais – lançam dúvidas sobre a coerência e durabilidade desse compromisso. Ao não consolidar institucionalmente uma agenda ambiental robusta e previsível, o Brasil arrisca minar sua credibilidade internacional e comprometer sua margem de manobra diplomática. 

Para o Brasil, os desafios vão além das negociações comerciais: envolvem a necessidade de alinhar credibilidade ambiental com desenvolvimento econômico, resistindo à instrumentalização política de critérios sustentáveis. A forma como o país responderá a essas pressões – seja por meio de reformas internas, diversificação de parceiros ou maior assertividade nas negociações multilaterais – definirá não apenas os rumos do acordo, mas seu papel no redesenho das regras do comércio internacional.


*Patricia Nasser de Carvalho é professora adjunta do curso de Relações Econômicas Internacionais da UFMG. Pesquisadora do Centro de Planejamento e Desenvolvimento Regional (Cedeplar/UFMG) e membro do Observatório de Regionalismo (ODR).


Referências

BARRETO, Viviana; WOLLRAD, Dörte. Mercosur-Unión Europea: ¿al final hay acuerdo? Nueva Sociedad, jan. 2025. Disponível em: <https://nuso.org/articulo/mercosur-union-europea-acuerdo-comercial/>. Acesso em: 6 abr. 2025.

EUROPEAN CONSILIUM. European Green Deal. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/en/policies/green deal/. Acesso em: 23 de abr. de 2025.

MRE. Risk classification assigned to Brazil under the European anti-deforestation law — Ministério das Relações Exteriores, Press Release no. 215, 23/05/2025. Disponível em: https://www.gov.br/mre/en/contact-us/press-area/press-releases>. Acesso em: 29 mai. 2025.  

SANAHUJA, José Antonio; RODRÍGUEZ, Jorge Damián. El Acuerdo Mercosur-Unión Europea: escenarios y opciones para la autonomía estratégica, la transformación productiva y la transición social y ecológica. Análisis Carolina, n. 20, 29 jun. 2021. Disponível em: <https://www.fundacioncarolina.es/wp-content/uploads/2021/06/AC-20.2021.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2025.

VEIGA, Pedro da Motta; RIOS, Sandra Polónia. Comércio e Desenvolvimento Sustentável no Acordo Mercosul-UE. Breves CINDES, n. 136, mar. 2025a. Disponível em: <https://cindesbrasil.org/breves-cindes/>. Acesso em: 6 abr. 2025.

Fernanda Nanci Gonçalves é doutora em ciência política pelo IESP-Uerj. Professora dos cursos de relações internacionais do Unilasalle-RJ e UERJ. Coordenadora do Núcleo de Estudos Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE-Iesp/UERJ).

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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