17 outubro 2025

O encontro de Mauro Vieira com Marco Rubio

A primeira reunião substantiva entre os dois ministros do exterior do Brasil e dos EUA em quase dez meses de governo em Washington mostra que o pragmatismo prevaleceu sobre a ideologia na relação entre os dois países, mesmo que ainda haja desafios pela frente

Depois da abertura do canal direto entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca com o telefonema de Trump para Lula, foram facilitados os contatos entre o Departamento de Estado e o Itamaraty.

Assim, nesta semana o ministro Mauro Vieira se encontrou com Marco Rubio na Casa Branca para discutir assuntos econômicos e comerciais e outras questões prioritárias na região. Foi o primeiro encontro substantivo entre os dois ministros do exterior do Brasil e dos EUA em quase dez meses de governo em Washington.

Com essa reunião, foi estabelecida uma agenda técnica a ser desenvolvida pelo ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin e os técnicos dos ministérios da Indústria, do Itamaraty e da Fazenda. Como se poderia esperar, os ministros não entraram na substância das diferentes matérias.

‘Devem ter entrado na agenda a regulamentação e a tributação das Big Techs e a redução ou eliminação dos impostos adicionais aos produtos brasileiros’

Devem ter entrado na agenda, do lado brasileiro, a regulamentação e a tributação das Big Techs, a redução ou eliminação dos 40% adicionais e mesmo os 25% impostos aos produtos brasileiros. 

Além dessas questões, devem ter sido mencionadas na lista de reivindicações brasileiras, a inclusão de carne, café e outros produtos na lista de exceção de tarifas e os pontos investigados na seção 301 da lei de comércio norte-americana (restrições propriedade intelectual, patentes, Pix, discriminação contra produtos norte-americanos, reflorestamento, entre outros).

Do lado norte-americano, como o Brasil não tem superávit na balança comercial bilateral, devem ter sido mencionados a redução de tarifas para alguns produtos específicos como etanol e os itens incluídos na investigação da Seção 301, dentre os quais sobressaem as questões de interesse das Big Techs. 

‘O presidente norte-americano antecipou que o Brasil deveria abandonar a ideia de criar uma moeda para substituir o dólar em transações entre os membros do Brics’

O presidente norte-americano antecipou que o Brasil deveria abandonar a ideia de criar uma moeda para substituir o dólar em transações entre os membros do Brics, defendida por Lula, mas não pela China ou pela Rússia. Outro item que deve ter entrado na conversa é a exportação de minérios estratégicos como terras raras, a respeito dos quais o governo brasileiro já enviou ao Congresso um marco regulatório. O ministro das Minas e Energia foi convidado pelo seu colega nos EUA para discutir essa matéria.

A única incerteza do encontro foi a questão política do julgamento do ex-presidente e as sanções impostas sobre membros do governo e do STF. A informação dada por Vieira é a de que o lado brasileiro pediu a revogação das sanções da Lei Magnitski. O risco que se corre é o lado brasileiro pedir a retirada das sanções, e o lado norte-americano reabrir a questão do julgamento de Bolsonaro. 

Em paralelo às questões econômicas e comerciais, os dois ministros devem ter examinado, sem entrar em detalhes, do ângulo político, as ameaças dos EUA à Venezuela (ação secreta da CIA e mudança de regime), a questão do Haiti e de Cuba. É possível que o tema dos imigrantes brasileiros também tenha sido suscitado. Nesses assuntos, em vista da rigidez ideológica de Marco Rubio, não deve ter havido maiores concordâncias, mas registro das posições de ambos os lados.

‘O encontro mostrou que o pragmatismo prevaleceu sobre a ideologia na relação entre os dois países’

O encontro mostrou que o pragmatismo prevaleceu sobre a ideologia na relação entre os dois países. Na quarta-feira, o embaixador Jamieson Greer, representante comercial dos EUA (USTR) reafirmou que a sobretaxa de 40% contra o Brasil, citando como justificativa, “preocupações extremas com o estado de Direito, a censura e os direitos humanos no país”. Scott Bessent afirmou que “detenção ilegal de cidadãos norte-americanos que estavam no Brasil”.

Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo também estiveram no Departamento de Estado na véspera do encontro entre os ministros. O fato de o encontro ter sido na Casa Branca sinalizou que, nesta reunião, o pragmatismo de Trump foi mais forte.

Em rápida entrevista depois da reunião na Casa Branca, Mauro Vieira não deu maiores detalhes sobre as conversas, mas confirmou a expectativa positiva do encontro, o que deverá abrir as portas para negociações técnicas que permitirão aos dois presidentes decidirem sobre essas questões no encontro, ainda não está marcado, e poderia realizar-se em novembro.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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