O novo chefe da política externa dos EUA
Senador pela Flórida e futuro Secretário de Estado, Marco Rubio tem uma visão mais aberta para a integração dos EUA no mundo. Próximo a Bolsonaro, ele tem claro viés ideológico contra a esquerda da América Latina, o que vai criar um desafio para o governo brasileiro
As escolhas feitas por Donald Trump para integrar o ministério do seu segundo governo nos Estados Unidos mostram um alinhamento e a promessa de fidelidade total a tudo o que o presidente-eleito prometeu na campanha eleitoral.
Elon Musk vai dirigir o Departamento da Eficiência, que pretende rever o sistema burocrático de Washington, inclusive com a ideia de terminar o Ministério da Educação, cujas funções e funcionários seriam devolvidos aos Estados.
No USTR, responsável pela política comercial do país, está cotado o fiel seguidor de Trump Robert Lighthizer, que deverá executar duras políticas contra a China na área internacional e no comércio exterior, esticando a corda o máximo possível e com tensões crescentes entre os dois países nas áreas econômica, comercial e tecnológica.
O preenchimento do Ministério da Defesa com Pete Hegseth, apresentador da Fox News chocou o establishment militar, e o deputado Matt Gaetz para a Justiça, surpreendeu o meio jurídico.
A indicação de Marco Rubio mostra certa contradição com o isolacionismo de Trump, visto que o senador pela Flórida e futuro Secretário de Estado tem uma visão mais aberta para a integração dos EUA no mundo. Vamos ver se ele vai prevalecer ou se Trump vai dar o tom da política no Departamento de Estado
Marco Rubio é filho de cubanos que saíram de Cuba com a chegada de Fidel Castro. Radical de direita com voo próprio, tem grande interesse por política externa, defende uma atitude dura dos EUA contra a China e carta branca para Israel.
Será o primeiro Secretário de Estado de origem latina com claro viés ideológico contra a esquerda na região. Rubio vê o mundo por lentes ideológicas e certamente vai ter uma postura dura e firme em relação aos governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Trump continuará a ignorar a América Latina, mas a indicação de Rubio colocará o Departamento de Estado no centro das decisões sobre a região e trará um renovado interesse do governo norte-americano pelas questões latino-americanas. Ausente nos debates eleitorais da campanha presidencial, a América Latina só apareceu nas questões dos imigrantes e do tráfico de drogas.
Marco Rubio estará diretamente envolvido nas crises globais com a China, com a Guerra da Ucrânia e em Gaza, mas introduzirá uma prioridade nova na política externa dos EUA: América Latina.
Favorável à manutenção das sanções econômicas contra Cuba e contra a Venezuela e Nicarágua, linha dura na questão da imigração, Marco Rubio inaugurará uma política ativa contra os governos de esquerda na região. Por outro lado, o presidente da Argentina, alinhado com Trump, será um dos privilegiados interlocutores, no outro espectro ideológico na região.
O governo Lula deve ter ficado muito preocupado com a confirmação de Rubio como ministro do exterior de Trump. Não são poucas as críticas do Senador à política do governo Lula em relação à Venezuela nos últimos anos, em especial durante o processo eleitoral que reconduziu Maduro à Presidência venezuelana.
Dada a declaração de Trump de que a Venezuela é um caos e que o povo está sofrendo e por isso o seu governo está examinando várias opções, inclusive a intervenção militar, Rubio certamente não se colocará contra essa possibilidade, que dificilmente ocorrerá. Por outro lado, o Trem de Aragua, organização criminosa ativa no tráfico de drogas e de pessoas para os EUA, deverá ser incluída como organização terrorista estrangeira.
A proximidade do Brasil em relação à China, a eventual entrada do Brasil na Nova Rota da Seda, e a presença no Brics também foram alvo de críticas trumpistas. Se Rubio decidir interferir nesses temas, colocará um grande desafio à política externa de Lula.
Mais recentemente, Rubio adotou um tom bastante elogioso a Jair Bolsonaro e a Eduardo Bolsonaro, mantendo reuniões e conversando sobre a situação política no Brasil. Parlamentares brasileiros articulam nos EUA com a direita americana para pressionar instituições brasileiras.
Ao mesmo tempo, cresceram as críticas ao governo brasileiro, depois da suspensão da plataforma X, em agosto passado. Mencionando expressamente o presidente Lula, Rubio afirmou que “a decisão sob o governo petista, levanta sérias preocupações sobre a liberdade de expressão no Brasil. E a mais recente manobra do juiz Alexandre de Morais para minar as liberdades básicas. O Brasil deve retificar esse movimento autoritário”.
As declarações de Lula sobre a ameaça de Trump à democracia e a percepção de nazista e fascista vão ser lembradas a Rubio pelos bolsonaristas, envenenando ainda mais a relação bilateral com o governo Lula.
A atitude de cautela quanto ao futuro da relação bilateral defendida por fontes do Planalto é correta, mas não parece ser possível comparar o início do governo de George W. Bush em 2002 com o começo do governo Trump.
Distante dos fatos, o assessor internacional do presidente Lula disse que “a relação de Lula e Bush vai inspirar o diálogo com Trump”. Isso dificilmente ocorrerá. Os tempos são outros, as circunstâncias são outras e, sobretudo, não havia em 2002 a divisão ideológica que existe hoje. O diálogo será difícil, se acontecer. Não será surpresa se o relacionamento de Lula com Milei – que inexiste – for o mesmo de Lula com Trump.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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