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Interesse Nacional
22 agosto 2022

Operação Condor: Por que as vítimas da opressão que varreu a América do Sul nos anos 1970 ainda lutam por justiça

Primeiro banco de dados sobre violações de direitos humanos por ditaduras na América do Sul registrou pelo menos 805 vítimas de sequestros, torturas, violência sexual, roubo de bebês, execuções extrajudiciais e desaparecimentos, ocorridos entre 1969 e 1981. Busca por justiça visa evitar novos retrocessos e outros casos de violência

Primeiro banco de dados sobre violações de direitos humanos por ditaduras sul-americanas registra pelo menos 805 vítimas de sequestros, torturas, violência sexual, roubo de bebês, execuções extrajudiciais e desaparecimentos, ocorridos entre 1969 e 1981. Busca por justiça visa evitar novos retrocessos e outros casos de violência deste tipo

Exposição mostra fotos de desaparecidos pela repressão política no Chile (Foto: CC)

Por Francesca Lessa*

Entre 1976 e 1978, uma campanha extrajudicial de repressão violenta foi empreendida por ditaduras sul-americanas contra dissidentes políticos e exilados que se manifestaram contra a repressão doméstica e o regime militar.

A Operação Condor, como essa campanha era conhecida, inspirou vários romances, peças de teatro e exposições, sem mencionar uma série em produção pela HBO. Esta última, baseada em As Cinzas do Condor, romance de 2014 do escritor uruguaio Fernando Butazzoni, conta a história de um jovem cujos pais fugiram do Uruguai durante a ditadura militar.

Em 1992, um esconderijo de cerca de 700 mil documentos foi descoberto em uma delegacia de polícia em Assunção, Paraguai. Apelidados de Arquivos do Terror, esses documentos registram de forma abrangente as atividades da polícia secreta paraguaia desde a década de 1970.

Esses documentos registram de forma abrangente as atividades da polícia secreta paraguaia durante a ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989). Desde então, acadêmicos e jornalistas, no Chile, Argentina e Estados Unidos têm investigado essa rede terrorista transnacional.

Entre 2017 e 2020, compilei o primeiro banco de dados sobre violações de direitos humanos na América do Sul. Registrei pelo menos 805 vítimas de sequestros, torturas, violência sexual, roubo de bebês, execuções extrajudiciais e desaparecimentos, ocorridos entre 1969 e 1981.

Judges with official ribbons stand behind a wooden desk in a panelled court room.
Juízas presidem veredito em julgamanto da Operação Condor na Itália

Como surgiu a Operação Condor

Como explico em meu novo livro, The Condor Trials, um novo caso contra o oficial da marinha ítalo-uruguaia Jorge N. Troccoli constitui a 48ª investigação criminal desses anos de terror, desde a década de 1970. A primeira audiência foi realizada em Roma em 14 de julho de 2022. Troccoli é acusado dos assassinatos na década de 1970 de dois ítalo-argentinos e um uruguaio.

Minha pesquisa mostrou que a maioria das vítimas do Condor (48%) eram cidadãos uruguaios. A Argentina foi o principal teatro de operações, com 69% de todas as vítimas sendo alvos lá. Além disso, os principais alvos foram ativistas políticos (40%), seguidos por membros de grupos guerrilheiros (36%).

A pesquisa normalmente situa o início da Condor em 1974-1975. Minha pesquisa, no entanto, mostrou que desde 1969, refugiados brasileiros no Uruguai, Argentina e Chile foram alvos e, em muitos casos, mortos.

No contexto geopolítico da guerra fria, a doutrina de segurança nacional foi formulada nos Estados Unidos, fundada na ideia de que alcançar a segurança nacional superava todas as outras preocupações governamentais. As lideranças militares na América do Sul se inspiraram nessa doutrina para tomar o controle de seus próprios governos civis.

O golpe de Estado de 1954 no Paraguai, que viu o governo do presidente Federico Chávez ser derrubado pelo Exército, foi o primeiro. Golpes seguidos no Brasil (1964), Bolívia (1971), Uruguai, Chile (1973) e Argentina (1976).

As ditaduras militares assim instaladas reprimiram brutalmente todas as formas de oposição política. Milhares de prisões ilegais foram feitas. Tortura e violência sexual foram predominantes. Desaparecimentos, roubos de bebês e execuções extrajudiciais foram cometidos. A violência fez com que cidadãos de toda a América do Sul fugissem de seus países de origem.

Os brasileiros buscaram refúgio no Uruguai e no Chile a partir de 1968, quando a repressão interna no Brasil se intensificou. Eles foram os primeiros a se tornar alvos.

No início de 1974, milhares de brasileiros, bolivianos, chilenos, paraguaios e uruguaios viviam na Argentina. Ativos na denúncia dos crimes contra a humanidade cometidos em toda a região, eles ficaram sob fogo crescente de suas respectivas ditaduras.

Em 25 de novembro de 1975, representantes das forças de segurança da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai foram convidados pelo chefe da polícia secreta do Chile para uma reunião de trabalho da inteligência nacional em Santiago, Chile. Nascia a Operação Condor.

O sistema Condor era composto por quatro elementos. Primeiro, o sistema secreto de comunicações Condortel permitia que os membros compartilhassem inteligência. Em segundo lugar, Condoreje, um escritório de comando avançado, localizado em Buenos Aires, supervisionou as operações em solo na Argentina em particular. Terceiro, um banco de dados em Santiago, Chile, centralizou informações de inteligência compartilhadas. E quarto, a unidade secreta Teseo foi encarregada de realizar ataques contra alvos esquerdistas na Europa.

Como as mulheres lutaram por justiça

Um grupo em busca de justiça – sobreviventes, parentes de vítimas, ativistas, profissionais do direito e jornalistas – há muito se dedica a trazer essas violações de direitos humanos à luz. Muitos desses ativistas são mulheres: mães, avós, esposas, irmãs e filhas cujas vidas foram impactadas diretamente pela Condor. Como os promotores argentinos me disseram, esses manifestantes por justiça “galvanizaram absolutamente todas as investigações que ocorreram: sem eles, nada teria acontecido”.

O jornalista americano Jack Anderson usou pela primeira vez o termo “Condor” em agosto de 1979, em um artigo no Washington Post. No entanto, já em 1976, o jornalista uruguaio Enrique Rodriguez Larreta e o ex-ativista sindical Washington Perez testemunharam à Anistia Internacional e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as provações sofridas em Buenos Aires e Montevidéu.

A eleição geral argentina de 1983 saudou o retorno gradual da democracia e do governo constitucional à América do Sul. Brasil e Uruguai seguiram o exemplo em 1985, depois Paraguai em 1989 e Chile em 1990.

Em países como Chile e Brasil, o regime cessante procurou garantir sua própria impunidade com novas leis de anistia. Em outros, incluindo Argentina e Uruguai, parlamentos recém-democráticos visavam impedir o retorno do regime militar com leis semelhantes. Como resultado, todas as investigações criminais sobre atrocidades passadas foram arquivadas.

Apesar desses contratempos, desde o final da década de 1970, várias investigações criminais sobre as atrocidades da Condor foram adiante. Trinta desses casos foram julgados, quatro julgamentos estão em andamento, três foram arquivados e 11 estão em pré-julgamento.

Até o momento, 112 oficiais militares e civis sul-americanos, incluindo ex-ditadores e ministros do governo, foram levados à justiça. Isso provavelmente representa apenas uma fração dos culpados. Embora não haja uma estimativa oficial do número total de perpetradores, é provável que seja na casa dos milhares.

Este processo é importante para as vítimas, suas famílias e as sociedades mais amplas que sofreram no passado. Também é crucial para evitar que tais atrocidades sejam perpetradas no futuro.

Além disso, a repressão transnacional de exilados e dissidentes continua sendo uma questão premente em todo o mundo. De acordo com o think tank norte-americano Freedom House, 85 desses incidentes ocorreram apenas em 2021. A Justiça para a Operação Condor se coloca, portanto, como um alerta para os Estados autoritários da atualidade.


*Francesca Lessa é professora de estudos latino-americanos na University of Oxford


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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