Para entender o tarifaço
A Casa Branca coloca os EUA em primeiro lugar em tudo, desafiando os quase 200 outros países do mundo inteiro

É difícil ter uma visão isenta e objetiva do que está acontecendo hoje no mundo, seja do ponto de vista político-diplomático (ameaça à independência do Canadá, anexação da Groenlândia), seja do ângulo econômico (tarifaço de Trump) ou social e humanitário (Gaza).
A imprevisibilidade do que está ocorrendo na sociedade e na política externa dos EUA, as consequências das guerras na Europa e no Oriente Médio, a lei da selva que se instaurou no relacionamento entre os países, o uso da força, sem nenhum respeito às instituições multilaterais existentes (ONU e OMC), o fim do livre comércio e a força do protecionismo, os avanços tecnológicos (IA) que revolucionam os usos e costumes são alguns dos fatores que tornam difícil identificar os reais interesses nacionais em um mundo completamente diferente do que existia a pouco mais de seis meses.
‘A Casa Branca coloca os EUA em primeiro lugar em tudo, desafiando os quase 200 outros países do mundo inteiro’
A Casa Branca coloca os EUA em primeiro lugar em tudo, desafiando os quase 200 outros países do mundo inteiro. As ações tomadas por Trump têm um forte cunho pessoal, influenciado por questões ideológicas, por interesses econômicos e financeiros muito fortes, como os das grandes empresas, das Big Techs e também por considerações geopolíticas.
Com referência à América Latina, as questões ideológicas começam a ter um peso nas decisões em função da tendência fortemente ideológica de Washington e, em especial, das ações do Departamento de Estado, chefiado por um senador republicano, da Flórida, ultraconservador, descendente de exilados cubanos, profundo conhecedor da América Latina e altamente crítico dos governos de esquerda.
‘A América Latina é tratada como “quintal dos EUA” pelo secretário de Defesa norte-americano’
A região é tratada como “quintal dos EUA” pelo secretário de Defesa norte-americano, e Trump disse publicamente que “talvez os países da região tenham de optar entre os EUA e a China”, ressuscitando a Doutrina Monroe, de 1823 (A América para os americanos), enterrada no governo Obama por John Kerry.
É nesse contexto que as medidas restritivas tarifárias de Trump contra todos os países do mundo, inclusive parceiros mais próximos e aliados estratégicos, devem ser entendidas. Tarifas globais afetando todos os países variam de uma base de 10% a acréscimos de até 40% entram em vigor neste dia 7. China e México ganharam uma extensão de 90 dias para concluir as negociações.
Questões geopolíticas como a relação com a China, a Rússia e a participação no Brics não foram determinantes no tarifaço, mas poderão entrar em novos desdobramentos no relacionamento bilateral com os EUA. A Índia foi sancionada com 25% adicionais por comprar petróleo da Rússia.
‘O governo brasileiro deverá continuar o esforço de negociação para a redução dos 50% de tarifa’
Nesta semana entram em vigência as novas tarifas globais. O governo brasileiro deverá continuar o esforço de negociação para a redução dos 50% de tarifa sobre todos os outros produtos de exportação para os EUA que ficaram fora das exceções(cerca de 35%) , afetando empresas agrícolas e industriais.
O governo tem de ter claro seu objetivo: manter a negociação comercial visando à redução do impacto econômico e comercial das tarifas sobre o setor privado, desconectada da escalada política, representada pela seguida ingerência externa.
Ou Lula telefona para Trump ou envia o vice-presidente para conversar com a Casa Branca ou com o vice republicano, JD Vance. Em entrevista, Lula disse que iria ligar para Trump porque não havia nenhum sinal de interesse em negociar com o Brasil. Lula aparentemente não leu a carta de 9 de julho, que, no final, dizia que no dia 6 as tarifas entrariam em vigência, mas que estava disposto a negociar.
Ao Brasil não interessa a continuada escalada política e diplomática.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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