03 outubro 2025

Plano de paz e militares

Proposta de um plano de paz para Gaza e tentativa de Trump de ganhar o apoio das Forças Armadas contra um inimigo interno aumentarão a polarização e a radicalização na sociedade norte-americana

O presidente dos EUA, Donald Trump (Foto: Casa Branca)

Dois acontecimentos marcaram a semana no cenário internacional: a apresentação pelos EUA de uma proposta de paz para a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza, depois de reunião do presidente Donald Trump com o primeiro-ministro de Israel, e o encontro convocado pelo Secretário da Guerra dos EUA com os 800 generais, almirantes e brigadeiros das Forças Armadas norte-americanas para pedir lealdade ao governo trumpista.

O plano de paz, consensuado entre os EUA e Israel, não negociável, e que contaria com a concordância da Autoridade Palestina, aguarda a definição do Hamas e dos países árabes. 

‘O novo plano para a paz em Gaza apresenta pontos positivos’

Com 20 pontos, o novo plano, que apresenta pontos positivos, prevê, entre outras questões, a libertação dos reféns do Hamas e de prisioneiros em Israel, ampla ajuda humanitária administrada pela ONU, plano econômico internacional para a reconstrução e a geração de emprego, criação de uma Zona Econômica Especial com tarifas preferenciais, exclusão do Hamas do governo, criação de uma Força Internacional de Estabilização.

Israel não ocupará nem anexará Gaza, e a retirada vai ser gradual, em três fases: A primeira com a libertação de parte dos reféns; a segunda, quando a força de transição for mobilizada e a terceira, depois da criação de uma zona de segurança na fronteira com Israel, a administração de Gaza ficará a cargo de um Comitê Técnico, sob supervisão de um Conselho da Paz.

O plano – que encontra resistência de parte do governo israelense e do Hamas, não faz referência à Cisjordânia, prevê que Trump e Tony Blair estariam dirigindo a transição, abre espaço para iniciativas imobiliárias no litoral e, com relação à criação do Estado Palestino, diz apenas que as reformas podem abrir caminho para a autodeterminação e para um Estado palestino. 

‘O plano de paz contou com a concordância de Nethanyahu, mas torna difícil sua aceitação pelas limitadas ofertas ao povo palestino e pela resistência dos radicais ortodoxos em Israel’

Não há prazo para a suspensão das hostilidades nem para a retirada das tropas israelenses do território de Gaza. O plano de paz contou com a concordância de Nethanyahu, mas torna difícil sua aceitação pelas limitadas ofertas ao povo palestino e pela resistência dos radicais ortodoxos em Israel.

O governo brasileiro, por meio do ministro Mauro Vieira, aplaudiu a proposta de paz por corresponder ao que o Brasil estava pedindo: a libertação dos reféns, a retirada das tropas israelenses, o estabelecimento de um governo temporário e a criação do Estado Palestino. 

O apoio ao plano de paz de Trump, nas atuais circunstâncias, era esperado. Os itens mencionados por Vieira, em especial a criação dos dois Estados, contudo, estão longe de serem implementados no futuro previsível. 

Por outro lado, o presidente norte-americano e o secretário da Guerra (ex-Defesa) se reuniram com o alto escalão militar para pedir lealdade e repressão dos inimigos internos do governo Trump. O encontro ocorreu no meio do shutdown, isto é, a paralisia de parte do funcionamento do governo de Washington, por impossibilidade de aprovação do orçamento pelo Congresso.

‘Fica clara a intenção de envolver os militares na política interna e na defesa do governo contra inimigos internos’

Nos discursos do secretário da Guerra e do presidente fica clara a intenção de envolver os militares na política interna e na defesa do governo contra inimigos internos. Foi sugerido que as Forças Armadas deveriam usar como campo de treinamento cidades nas quais Washington quer enviar tropas para impor a lei e a ordem, desrespeitadas na visão de Trump. Foi declarado o fim da cultura “woke” e anunciadas novas diretrizes para os padrões físicos dos militares. 

Ficou claro na reunião o objetivo de exaltar mais uma vez o presidente norte-americano, verdadeiro culto à personalidade. Quem não estiver de acordo, deve deixar o serviço ativo e aposentar-se. 

Trump expôs uma visão contrária às normas do papel das Forças Armadas em assuntos internos dos EUA. Carreira hierarquizada, dificilmente haverá uma manifestação conjunta de apoio ou de crítica às pretensões políticas do governo, mas é possível acontecerem manifestações isoladas contrárias e uma maioria silenciosa que pretende manter os princípios constitucionais de profissionalismo e não de ingerência em assuntos internos. Foi o que aconteceu: nenhum aplauso, nem na entrada de Trump. 

‘A convocação pode ser vista como uma resposta provocativa contra os governos das cidades geridas por democratas e, se houver resposta, uma possibilidade de guerra civil’

No limite, a convocação das Forças Armadas para atuar contra inimigos internos pode ser vista como uma resposta provocativa contra os governos das cidades geridas por democratas e, se houver resposta, uma possibilidade de guerra civil. 

Com essas duas ações, proposta de um plano de paz claramente articulada com Israel e tentativa de ganhar o apoio das Forças Armadas contra o inimigo interno, aumentará a polarização e a radicalização na sociedade norte-americana.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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