Planos de governo em tempos de Trump
Com as medidas da nova administração dos EUA, a corrupção como estratégia de governo e a institucionalização da impunidade promovidas pelas instituições do Estado parecem evidentes

O mundo realmente está mudando. Quando poderíamos imaginar escutar de um presidente da República, em especial do país líder global, as propostas e agora as medidas exóticas e totalmente fora de esquadro que estamos acompanhando.
Não importa saber se o que estamos vendo é uma tática de negociação, se é uma nova forma de ação imperial, se uma forma de autocracia, se é um desequilíbrio mental. O fato é que o simples enunciado de políticas e de ações geram consequências.
Anexação do Canadá, invasão da Groenlândia, Golfo da América, Riviera Árabe em Gaza, retomar o Canal do Panamá, canudo de plástico, fechar o ministério da Educação, buscar corrupção e reduzir a burocracia no Pentágono, acabar com a USAID, com a FEMA (órgão que cuida dos desastres naturais, como furacões, inundações), sair da OMS, demissão de inspetores federais, de procuradores do Departamento da Justiça e do FBI que participaram de investigações nos inquéritos contra Trump, imposição de tarifas contra todos os países em setores específicos, são alguns dos exemplos do que já ocorreu em menos de um mês de governo.
‘A última novidade da Casa Branca mostra a amplitude dos interesses envolvidos. Trata-se de decreto que suspende investigações de norte-americanos acusados de subornar e agentes de outros governos’
A última novidade nas medidas tomadas pela Casa Branca mostra o grau de amplitude dos interesses envolvidos e deixa uma interrogação sobre os seus beneficiários. Trata-se de decreto presidencial que determina que o Departamento da Justiça suspenda as investigações e as condenações de norte-americanos acusados de subornar e corromper agentes públicos de outros governos para ganhar ou manter negócios nesses países.
A decisão suspende a aplicação de legislação (Foreign Corrupt Practices Act) que existe há quase meio século, ao determinar que o procurador geral reveja os processos atuais e passados, além de preparar novos critérios para sua aplicação.
‘A lei aprovada em 1977 proíbe que companhias que operam nos EUA subordem funcionários de outros governos para obter ganhos comerciais‘
A lei aprovada em 1977 proíbe que companhias que operam nos EUA subordem funcionários de outros governos para obter ganhos comerciais e passou a ser um guia de referência de como as empresas norte-americanas devem operar no exterior.
Trump, por ocasião da assinatura do decreto, declarou que a medida “irá significar muito mais negócios para os EUA”.
Em seu primeiro mandato, Trump tentou eliminar essa lei, que ele chamou de “horrível”, e alegou que “o mundo estava rindo dos EUA por aplicá-la”. A Casa Branca acrescentou que a lei revogada tornava as companhias norte-americanas menos competitivas.
‘A revogação da lei anticorrupção em países estrangeiros com certeza tem mandante interessado’
O caso da revogação da lei anticorrupção em países estrangeiros com certeza tem mandante interessado. Com a corrupção institucionalizada, os verdadeiros objetivos da revogação desta lei passam sem maior exame e contestação em meio à enxurrada de medidas presidenciais.
A corrupção como estratégia de governo e a institucionalização da impunidade, promovidas pelas instituições do Estado, parecem evidentes
P.S. O Brasil não fica atrás. Na questão do suborno de agentes oficiais e políticos por empresas brasileiras no exterior, estamos adiantados em relação aos EUA. O judiciário institucionalizou a impunidade ao reverter condenações, reduzir multas bilionárias e até permitir que empresas que confessaram crimes de corrupção, inclusive no exterior, recuperassem dinheiro.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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