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Interesse Nacional
06 agosto 2024

Por videoconferência, juízes mandam para prisão quem protestou após eleições na Venezuela

Familiares e advogados dizem que não podem se encontrar com presos; mais de 1,2 mil foi detido por governo de Maduro

Oposição protesta contra a declaração de vitória de Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela (Foto: Edmundo González/Instagram)

Por Ivan Reyes*

As audiências de apresentação a juízes das pessoas detidas no contexto das manifestações contra os resultados das eleições presidenciais deste ano estão sendo realizadas à distância, via internet.

Três advogados e defensores dos direitos humanos, consultados separadamente, explicaram que os juízes com competência em matéria de terrorismo se concentram em um único local no Palácio de Justiça, sede dos tribunais penais de Caracas, para realizar essa forma incomum de cumprir com a exigência de validar ou não as detenções executadas pelos órgãos de segurança do Estado.

“Os tribunais de terrorismo estão apenas em Caracas. Então, as audiências estão sendo realizadas de forma remota, não só para a capital, mas para o resto do país. Parece que a ordem é mantê-los presos por 45 dias, que é a duração da fase de investigação”, comentou ao Efecto Cocuyo uma fonte ligada ao ativismo dos direitos humanos.

O normal é que as pessoas detidas sejam levadas à sede de um Tribunal de Controle e disponham de todas as garantias do devido processo, entre elas o exercício efetivo do direito à defesa.

“Ontem à noite houve uma transferência de 75 pessoas para Yare 3 [um presídio], a lista foi entregue esta manhã. Infelizmente, nenhum dos advogados aqui conseguiu ver nossos clientes. Então, não podemos verificar seu estado físico. Eles estão sendo processados dentro do centro de detenção e constituindo os tribunais de forma remota”, disse ao Efecto Cocuyo um advogado presente na Zona 7 de Boleíta, centro de detenção da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), onde a maioria dos detidos na Área Metropolitana de Caracas esteve presa.

A transferência de detidos para Yare e outros centros penitenciários sem passar pelas sedes dos tribunais confirma o procedimento incomum e, definitivamente, que foram emitidas ordens de prisão preventiva judicial à distância.

Os advogados presentes na Zona 7 da PNB asseguram que não puderam representar juridicamente os detidos, o que viola o direito à devida assistência legal. “Há uma decisão política de que todas as pessoas presas no contexto dos protestos não têm acesso à defesa privada. Isso é um elemento-chave e afeta todas as pessoas”, disse um dos profissionais consultados pelo Efecto Cocuyo nas proximidades do centro de detenção.

O ordenamento jurídico que regula o processo penal venezuelano consagra o princípio da imediação, o que significa que o juiz da causa deve entrar em contato direto com as pessoas processadas para, por exemplo, ouvi-las, fazer perguntas e, se considerar necessário, também para verificar seu estado de saúde física e mental. Tudo isso é dificultado em uma audiência à distância; ou seja, se o juiz está em um lugar e a pessoa processada em outro.

Além disso, em cada um dos casos, há vários, até dezenas de processados. Por isso, diminui ainda mais a possibilidade de que o juiz, que tenta se comunicar por videoconferência, possa obter elementos suficientes para decretar sua prisão preventiva judicial, se for o caso.

Enquanto isso, os familiares das pessoas detidas continuam sem poder vê-las. Não sabem se estão bem de saúde, tampouco se a comida que estão enviando está sendo entregue. A incerteza é um elemento comum nos arredores da Zona 7 de Boleíta, no leste de Caracas.

“Estão prendendo as pessoas de forma massiva e nos fazem correr de um lado para outro. Isso não é justo, não faz sentido”, disse ao Efecto Cocuyo um dos familiares dos detidos nos últimos dias.

Na segunda-feira, 29 de julho, e na terça-feira, 30, houve protestos em toda a Venezuela contra os resultados publicados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), assim como contra a posterior proclamação de Nicolás Maduro como presidente.

Os protestos ocorreram principalmente em setores populares. Em Caracas, o clamor era ouvido desde José Félix Ribas, passando por Petare e atravessando toda a cidade até chegar a Catia. O que antes eram bastiões do chavismo agora exigiam que os resultados completos das eleições presidenciais fossem publicados e afirmavam sentir-se enganados pelo governo venezuelano. “Maduro disse que dormiu como um bebê e nós preocupados a noite toda contando votos e sem saber o que estava acontecendo”, disse ao Efecto Cocuyo uma manifestante de Petare na segunda-feira, 29 de julho.

A resposta das autoridades venezuelanas foi aumentar a repressão. O próprio Nicolás Maduro disse na quarta-feira, 31 de julho, que o número de detidos superava 1,2 mil pessoas. Maduro os define como criminosos que foram “treinados com tempo” em vários países.

O Efecto Cocuyo esteve nos arredores da Zona 7 da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) para conhecer as histórias de centenas de familiares que aguardam sob sol e chuva nesse local para obter informações sobre seus entes queridos. Em diversas entrevistas, foi constatado que a maioria dos detidos vem de setores populares como Coche, El Valle e Petare.

Nos arredores da Zona 7 da PNB em Boleíta, faz muito calor durante o dia. Na quinta-feira, 1º de agosto, a temperatura girava em torno de 30 graus Celsius entre as 10h e o meio-dia. As centenas de familiares presentes no local procuravam uma sombra para se proteger do sol, enquanto outros estavam preparados com guarda-chuvas. A espera parecia interminável.

Pouco depois das 10h, um oficial da PNB distribuiu uma lista com 75 nomes. Todos homens. Essa lista foi entregue a três pessoas, familiares dos detidos, que seriam responsáveis por repassar a informação.

Maikel lê nome por nome até que sua voz se quebra. “Já vi os meus. Não consigo continuar, siga você”, ele diz a outra pessoa no círculo de pessoas. Ele tem três filhos detidos, dois homens e uma mulher. “Eles não estavam protestando. Na verdade, eu estava falando com eles por telefone quando tudo aconteceu”, lembrou o venezuelano.

“Eles me ligaram por volta das 17h da segunda-feira para dizer que estavam na avenida Urdaneta e de repente ouvi um policial chamando-os e dando instruções. Mas ninguém gritava e não havia maus-tratos. Perdi o contato com eles e me preocupei. Depois de ir a vários lugares, percebi que não estavam em nenhum deles. Na terça-feira, soube que seriam transferidos para cá”, contou Maikel ao Efecto Cocuyo. Seus dois filhos foram transferidos para a prisão de Yare nos Vales do Tuy. Sua filha permanecerá em Boleíta até novo aviso.

Funcionários da PNB tiveram um papel de destaque na repressão nos últimos dias de julho. Antes de tornarem a lista pública na manhã de 1º de agosto, os familiares já sabiam que um grupo de detidos havia sido transferido para Yare. Eles verificaram isso por conta própria ao seguir os caminhões. “Disseram-nos que seriam levados ao Palácio de Justiça e depois soltos. Mas é mentira, eles foram levados direto para a prisão. Como eles vão sair de lá agora?”, questionou uma das muitas mães que estavam em Boleíta nesta quinta-feira, 1º de agosto.

“Não sabemos nada. Não sabemos como estão. Toda a minha família me pergunta o mesmo e eu não sei nada. Os meus estão aqui desde terça-feira e não temos informações. O que posso te dizer é que ontem à noite houve um problema e houve disparos à noite. Tivemos que correr até a avenida. Choramos porque nossos familiares estão lá”, disse ao Efecto Cocuyo uma mulher que pediu para não ser identificada. “Aqui ninguém nos respeita, estamos na Venezuela”, acrescentou a pessoa.


*Esta reportagem foi publicada originalmente em Efecto Cocuyo, site de jornalismo independente fundado por jornalistas venezuelanos.  https://efectococuyo.com

Este texto é uma republicação da Agência Pública de jornalismo investigativo sob uma licença Creative Commons

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