26 março 2025

Precisamos falar sobre a República Democrática do Congo

Segundo maior país da África e um dos mais ricos do mundo em termos de recursos naturais, a RDC tem um dos mais baixos IDHs e vive um conflito interno há décadas por conta dos efeitos do colonialismo; enquanto isso, países desenvolvidos exploram seus minerais para produzir equipamentos eletrônicos

Campo de refugiados na República Democrática do Congo (Foto: ONU News)

A República Democrática do Congo (RDC) ganhou destaque na mídia internacional no final de janeiro, por conta da tomada da cidade de Goma pelo M23. O M23 é uma referência ao acordo de 23 de março de 2009, encerrando uma revolta liderada por tutsis no leste da RDC. Apesar de parecer uma movimentação recente, o conflito interno congolês dura há décadas, influenciado pelos países vizinhos e por presença extracontinental. Assim como outros conflitos vivenciados na região, os acontecimentos no leste da RDC correm o risco de tornarem-se regionais.

Talvez você se pergunte: de onde surgiu tudo isso? Vamos primeiro entender o que é a RDC. Situada na África Central, na região dos Grandes Lagos, a RDC é o segundo maior país e quarto mais populoso do continente africano, dividindo fronteiras com a República Centro-Africana, Sudão do Sul, Uganda, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Zâmbia, Angola e a República do Congo. O território foi invadido e passou a ser propriedade privada do Rei belga Leopoldo II, obtendo sua independência em 1960.

República Democrática do Congo (RDC) e seus países limítrofes (Foto: Google, 2025)

De imediato, poderíamos responder que os acontecimentos recentes na RDC têm raízes no genocídio ruandês, em 1994, sendo um exemplo de conflito interno que transbordou para os países vizinhos. Mas, antes do genocídio, existe uma justificativa maior para os desdobramentos das disputas de poder no continente africano: a colonização. 

‘A Conferência de Berlim foi a institucionalização do processo de roedura da África, desenhando fronteiras artificiais e influenciando as dinâmicas nos países africanos’

A Conferência de Berlim (1884-1885) foi a institucionalização do processo de roedura da África, desenhando fronteiras artificiais e influenciando as dinâmicas nos países africanos, especialmente na região dos Grandes Lagos. 


Nessas dinâmicas coloniais, é possível observar que povos com raízes em comum, como na República Democrática do Congo, em Uganda, em Ruanda e em Burundi, foram separados por fronteiras artificiais, as quais acarretaram disputas de poder com a importação do Estado moderno ao continente africano. 

‘Os conflitos recentes são reflexos do colonialismo, ou seja, da continuidade das práticas de exploração’

Com isso, entende-se que os conflitos recentes são reflexos do colonialismo, ou seja, da continuidade das práticas de exploração, mesmo que temporalmente o período histórico colonial tenha acabado. 

Além da colonialidade, Kwame Nkrumah diria que os laços coloniais se transformaram no neocolonialismo, já que o núcleo duro das relações coloniais seguiu o mesmo, mas sua roupagem foi transformada.

Com as fronteiras artificiais herdadas pela colonização e o transbordamento do genocídio ruandês, houve idas e vindas na região dos Grandes Lagos. Isso resultou na Primeira Guerra e na Segunda Guerra do Congo – esta última também chamada de Guerra Mundial Africana, por conta da morte de aproximadamente 5.4 milhões de pessoas. Neste cenário, Ruanda utilizou-se (e continua utilizando) do argumento de combater os participantes do genocídio para atuar no país vizinho, mas este não é o único motivo. Ruanda tem acesso aos recursos naturais congoleses, não sendo o único país agindo no país. E por que isso toca a todos nós? 

‘A RDC é um dos países mais ricos do mundo em termos de recursos naturais, mas tem um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH)’

A RDC possui cerca de US$ 24 trilhões em depósitos minerais inexplorados, o que a torna um dos países mais ricos do mundo em termos de recursos naturais. Apesar disso, o país tem um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), ocupando a 180º posição em uma lista de 193 países

A maior parte dos  recursos congoleses são explorados por presenças extracontinentais e são utilizados para produzir celulares e computadores. Como abordado pela Fundação Panzi, “Minerais como estanho, tântalo, tungstênio e ouro (3TGs) — comumente chamados de “minerais de conflito” — são essenciais para as indústrias globais, mas estão no centro da violência que continua a devastar a região”. Com isso, é de extrema importância repensar o consumo desenfreado da tecnologia.

Apesar de sua atuação na RDC ao longo dos anos, houve pouca movimentação para conter a atuação de Ruanda, como a suspensão de ajuda externa (financeira e/ou militar) pela Alemanha, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido após o relatório da Human Rights Watch apontar o envolvimento do país com o M23, em 2012. Atualmente, o Reino Unido anunciou sanções contra Ruanda e a Bélgica suspendeu acordos, levando o governo ruandês a romper relações diplomáticas com este último.

‘Precisamos continuar falando sobre a RDC porque estamos envolvidos e envolvidas nisso, uma vez que estamos nas dinâmicas capitalistas e usamos aparelhos eletrônicos’

Precisamos continuar falando sobre a RDC porque estamos envolvidos e envolvidas nisso, uma vez que estamos nas dinâmicas capitalistas e usamos aparelhos eletrônicos. Mesmo não estando no continente africano ou na RDC, precisamos criar espaços para discutir sobre a situação e difundir informações verdadeiras, ou seja, fazer pressão como opinião pública para impulsionar um posicionamento da comunidade internacional. Como exemplo, só houve algum tipo de intervenção – e tardia! – em Ruanda após cem dias de genocídio, por causa da pressão da opinião pública nos Estados Unidos e demais países.

Então, precisamos sim fazer pressão. Não só pela República Democrática do Congo, mas outros conflitos que estão acontecendo no continente africano, como no Sudão; e no Oriente Médio, como a questão da Palestina. É importante não deixar que esses conflitos caiam no esquecimento.

Camila Andrade é colunista da Interesse Nacional, pesquisadora do Pan-African Thought and Conversation (IPATC), na Universidade de Joanesburgo, e do pós-doutorado na UFPB. Doutora em ciência política pela UFRGS e pesquisadora do Grupo Áfricas: sociedade, política e cultura. É também mestre em relações internacionais pela UFSC. Suas principais linhas de pesquisa são estudos africanos e do Sul Global, Ruanda e feminismos negros. É criadora do @camilaafrika, uma comunidade de democratização dos Estudos Africanos.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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