08 fevereiro 2024

Quem são os “anões” da alt-right? Jogos de linguagem e obscenidades marcam estratégia digital dos radicais de direita no Brasil

Estudo se debruça, a partir de uma abordagem histórico-discursiva, sobre a questão de como a direita-alternativa (alt-right) no Brasil mobiliza estratégias de nomeação e caracterização de atores sociais nesse fórum digital

Estudo se debruça, a partir de uma abordagem histórico-discursiva, sobre a questão de como a direita-alternativa (alt-right) no Brasil mobiliza estratégias de nomeação e caracterização de atores sociais nesse fórum digital

Loli nazista em frente à bandeira imperial do Brasil: 4chan abriga discussões do movimento da direita radical no Brasil e no mundo (Foto: 4chan.org/int)

Por Paulo Roberto Gonçalves-Segundo e Lucas Pivetta Maciel*

Quem já se deparou com termos como “homens redpill” ou com comentários sobre a cultura “incel” conhece (provavelmente contra a sua vontade) uma parte dos impactos da cultura dos “chans” no discurso público.

O 4chan, fórum online de alcance mundial dedicado a discussões de nicho, é conhecido por abrigar uma parte do movimento da direita radical obcecada, entre outras coisas, por símbolos nazistas, animações japonesas com temáticas radicais, MMORPG (jogos online que podem ser jogados por muitas pessoas ao mesmo tempo, interagindo entre si) e análises genéticas de cunho segregacionista.

São os integrantes da chamada “alt-right” (ou “direita alternativa”), termo cunhado pelo supremacista branco norte-americano Richard Spencer em 2010 que desde então se espalhou pela internet, designando ativistas de extrema direita que rejeitam o conservadorismo tradicional e usam a web para compartilhar suas ideias radicais.

A comunidade do 4chan também é marcada por uma energia criativa, desejo pela transgressão e filosofia niilista. Os usuários mergulham em processos de jogos de linguagem, responsáveis por criar e popularizar uma ampla gama de termos que hoje já podem ser encontrados no Twitter/X, Facebook e grupos de Telegram e Whatsapp.

Os “anões” da alt-right

Dentro da comunidade, os usuários brasileiros nomeiam-se uns aos outros como “anão”. Mas por quê? Entender o que motiva essa forma de nomear depende de uma compreensão ampla de como funciona a plataforma, que tipo de comunidade ela abriga e como ela se manifesta linguisticamente.

Em artigo publicado recentemente na Research Gate, que também pode ser lido no site do SciELO, nos debruçamos, a partir de uma abordagem histórico-discursiva, sobre a questão de como a direita-alternativa (alt-right) no Brasil – grupo conspiracionista de extrema direita, que se caracteriza pela defesa dos brancos, sexismo, antissemitismo e contrários à imigração – mobiliza estratégias de nomeação e caracterização de atores sociais nesse fórum digital. Afinal, decidir como se referir a um ator social não é uma ação trivial e envolve intenções, posicionamentos, práticas e formas de pensar.

É interessante perceber, na onda de uma comunidade que surge como novidade no cenário político moderno, a emergência de neologismos criados para ampliar as formas de representar conceitos e usados com orgulho pelos usuários.

Um dos neologismos mais populares é exatamente “anão”, que surge através de um processo linguístico que chamamos de tradução homofônica. Sua origem mais imediata está no termo “anon”, que, por sua vez, é uma redução de “anonymous”, nome de usuário ostentado por grande parte das pessoas no 4chan, uma vez que a maioria dos posts na plataforma são anônimos.

Neologismos são comuns em comunidades digitais, mas o caso do 4chan certamente se destaca. Em oposição às redes sociais de massa, a cultura dos chans pertence ao que pode ser concebido como uma Rede Vernacular Profunda: em decorrência da anonimidade de seus usuários, essa cultura se ampara em um amplo de volume de inovação linguística, que não apenas a diferencia de outras comunidades, mas também dificulta o acesso ao seu conteúdo por aqueles que não são familiares com as formas de pensar, agir e se expressar dos “anões”.

Uma pessoa bem vista pela comunidade, por exemplo, é um “chad”. Já uma mal vista, um “virgem”. O usuário bem versado nas práticas linguísticas subculturais da comunidade é “vermelhopilado” e “baseado”. Aos que não são, restam-lhes a categoria de “normie”. Um brasileiro defendendo ideias nazistas? Um “bostileiro nazipardo”. A palavra família se funde com um honorífico da língua japonesa, “senpai”, criando uma nova forma, “senpaiília”, que, por um lado, reflete a atração da comunidade por cultura japonesa e, por outro, torna a linguagem mais inacessível para os olhos de fora, referindo-se a um conceito comum de uma forma obscura.

Discursos ofensivos e bizarros

Vale também mencionar uma estratégia comum não só ao 4chan, mas à nova direita de modo geral: a obscenidade no discurso. No cenário global, basta observar os pontos em comum entre Jair Bolsonaro, no Brasil, Donald Trump, nos Estados Unidos ou Geert Wilders, nos Países Baixos. Apesar de ocuparem espaços historicamente atravessados por uma direita conservadora, eles constituem seus discursos como extremamente ofensivos e, por vezes, bizarros. Como no caso da médium canina de Javier Milei na Argentina, que supostamente trouxe mensagens de seu cão do além vida, por exemplo.

Os anões do 4chan, por sua vez, não hesitam em mobilizar um amplo vocabulário para ofender seus adversários, com palavras que vão desde uma ampla gama de primatas – “macaquinha”, “chimpa”, “babuíno” – até um grande inventário de termos sexuais – “cuck”, “tranny”, “corno”. Alguns autores defendem que essa obscenidade constrói um sentimento de comunidade e autenticidade, enquanto outros defendem que se trata de uma afronta ao politicamente correto. Esses dois processos, ao que nos parece, certamente andam de mãos dadas.

Apesar de ter sua gênese em comunidades subculturais em espaços de nicho na internet, como o 4chan, o discurso da direita-alternativa já encontra espaço em comunidades mais amplas. O potencial de inovação e utilização desses novos termos cunhados em partes distantes das redes sociais já se encontram em uso em comunidades maiores, ora preservando seus usos originais, ora modificando-os de acordo com novas práticas sociais em que passam a se inserir.

Por meio de suas formas de nomear, permeadas por jogos de linguagem, ironia e obscenidade, a direita-alternativa avança na capilarização e ampliação de suas posições políticas, posturas, comportamentos e estilos, frequentemente absorvidos pelo discurso público, desavisado de sua origens.


*Paulo Roberto Gonçalves-Segundo é professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo (USP)

Lucas Pivetta Maciel é estudante de graduação em linguística na Universidade de São Paulo (USP)


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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