Quem são seus parceiros Brasil? O comércio exterior do gigante latino-americano
Para o Brasil, o comércio exterior é um componente fundamental da balança de pagamentos. Ele reflete a disposição estratégica do país em se firmar como um global player, capaz de interagir de forma dinâmica com a economia mundial
O comércio é um dos mais antigos instrumentos da prática social, das relações entre os homens. É a partir dele que se melhora a qualidade de vida, que carências são supridas e que hegemonias são forjadas. De sua forma mais primitiva, o escambo, ele evolui para estruturas sofisticadas que, hoje, extrapolam fronteiras e ostentam uma envergadura global. Na verdade, a versão exterior do comércio adquire maior significado a partir do momento em que unidades de sobrevivências são modeladas: cidades-estados, impérios, feudos e, finalmente, com a paz de Westfália, Estados-nações.
Portugal foi um dos pioneiros. As grandes navegações e a busca por novos mercados tornaram o país, juntamente com a Espanha e os Países-Baixos, um ator político de monta no cenário internacional. Colônia lusitana, o Brasil começa a rumar, concretamente, para a independência com um ato político cujo cerne era o comércio exterior: a abertura dos portos às nações amigas, em 1808, findando um secular e nefasto pacto colonial.
O comércio exterior é um dos esteios da vertente teórica liberal das relações internacionais. Ele cria uma rede de interdependência econômica entre os Estados que incentiva a cooperação e a resolução pacífica de conflitos. Nesse sentido, a Organização Mundial do Comércio (OMC) emerge como curadora do regime internacional liberal que se consolida desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Dentro da perspectiva teórica realista, o comércio exterior pode ser interpretado como um instrumento de influência política (1). As sanções em geral e, sobretudo o embargo, surgem como vetores de regulação punitiva para comportamentos políticos julgados inadequados pelos atores da arena internacional.
De acordo com estimativas do Google Scholar, International Investment and International Trade in the Product, de Raymond Vernon, e The Spatial Economy: Cities, Regions, and International Trade, de Masahisa Fujita, Paul Krugman, Anthony J. Venables, são as duas obras mais influentes sobre comércio exterior, com exatas 17.352 e 13.527 citações em abril de 2024. Quando se desloca o olhar para os livros sobre o tema, a prevalência do termo “international trade” na base de dados do N-Gram do Google exibe uma forte tendência de crescimento a partir da década de 1970 e um movimento de queda iniciado em 1990, conforme ilustra a figura abaixo.
Isso, possivelmente, em razão de que é a partir dos anos 1970 que os primeiros efeitos da globalização começam a se manifestar, refletindo um contexto que, apesar da bipolaridade Estados Unidos vs. União Soviética, expressa a expansão do comércio internacional na região ocidental do planisfério.
E, por outro lado, é a partir dos anos 1990, pouco depois da queda do muro de Berlim, que sintomas de instabilidade começam a afetar o sistema internacional que, rapidamente, migra da situação de uni-multipolar para, após o 11 de Setembro de 2001, um sistema praticamente unipolar capitaneado, essencialmente, por Washington.
A tendência liberal que marca as primeiras décadas da segunda metade do século 20 cede espaço para uma lógica calcada na tradicional Realpolitik, de cunho protecionista e menos propícia ao desenvolvimento do comércio exterior. Sem esquecer a escalada da China em termos de poder político, econômico e comercial, que se posta, paulatinamente, como principal concorrente dos EUA e importante parceiro mercantil brasileiro (2).
Para o Brasil, o comércio exterior é um componente fundamental da balança de pagamentos. Ele reflete a disposição estratégica do país em se firmar como um global player, capaz de interagir de forma dinâmica com a economia mundial. A figura abaixo apresenta a variação do saldo da balança comercial do Brasil entre 2016 e 2023.
Como pode ser observado, o saldo da balança comercial passou, em valores nominais, de U$ 40 bilhões em 2016 para U$ 98 bilhões em 2023, o que representa um incremento de 148%. Depois de uma queda iniciada em 2017 e que durou até 2019, a diferença entre o total exportado e o total importado exibe uma tendência de crescimento desde então, com um incremento abrupto entre 2022 e 2023.
É importante para entender a dinâmica da balança comercial examinar a contribuição das exportações e importações por setor econômico. A tabela abaixo sistematiza esses dados a partir de informações mais recentes.
Tabela 1 – Exportação e Importação por setor (Brasil, 2022-2023)
Exportação | Importação | |||||
Setor | 2022(%) | 2023(%) | Δ | 2022(%) | 2023(%) | Δ |
Agropecuária | 74.787(22,4) | 81.485(24) | 8,2 | 5.697(2,09) | 4.501(1,09) | -26,6 |
Indústria Extrativa | 76.199(22,8) | 78.835(23,2) | 3,3 | 22.051(8,09) | 16.098(6,7) | -37 |
Indústria da Transformação | 181.401(54,3) | 177.189(52,2) | -2,4 | 242.537(88,97) | 218.360(90,7) | -11,1 |
Outros | 1.748(0,5) | 2.164(0,6) | 19,2 | 2.325(0,85) | 1.876(0,8) | -23,9 |
Total | 334.136(100) | 339.673(100) | 1,6 | 272.611(100) | 240.835(100) | -13,2 |
No que diz respeito às exportações, vemos que a maior parte da balança comercial brasileira depende da indústria de transformação. Em 2022, 54,3% de tudo que foi vendido pelo país pertencia a este setor. Em 2023, o percentual foi de 52,2%, o que indica uma queda residual de 2,4%. A agropecuária, que representa cerca de 23% do que é exportado, cresceu 8,2% entre 2022 e 2023. Por sua vez, a indústria extrativa cresceu 3,3% no mesmo período, passando de US$ 76.199 para US$ 78.835.
Considerando os valores nominais do total exportado, o crescimento foi de 1,6%, passando de US$ 334.136 em 2022 para US$ 339.673. Comparativamente, considerando as exportações realizadas entre janeiro e dezembro de 2022, China (US$ 91.260), União Europeia (UE$ 50.998) e Estados Unidos (US$ 37.429) lideram o ranking de parceiros comerciais de exportação. A Argentina aparece na quarta posição com US$ 15.356 dos US$ 21.969 exportados para o Mercosul. O México (US$ 7.056) e o Japão (US$ 6.614) completam a lista dos principais destinos de vendas dos produtos brasileiros.
Em relação às importações, cerca de 90% são bens da indústria de transformação. Na comparação 2022-2023, observa-se uma tendência generalizada de queda. A importação de itens de agropecuária caiu 26,6%, passando de US$ 5.697 para US$ 4.501. A maior redução, todavia, foi observada no setor de indústria extrativa (-37%).
Ao se considerar a análise comparada por parceiro comercial, China (US$ 61.576), Estados Unidos (US$ 51.308) e União Europeia (US$ 44.261) figuram, novamente, como principais fontes dos produtos importados pela economia brasileira. A Argentina também conserva a quarta posição com US$ 13.104 de um total de US$ 18.571 importado dos países do Mercosul. O Japão (US$ 5.300) supera a economia mexicana (US$ 5.228) e desponta como o quinto maior parceiro comercial no quesito importações, considerando estimativas oficiais pela Secretaria do Comércio Exterior entre janeiro e dezembro de 2022.
Depois de analisar a variação das exportações e importações, vejamos a situação das reservas internacionais brasileiras. A figura abaixo ilustra essas informações.
Há uma forte tendência de crescimento entre 2005 e 2012. Depois disso, a série se estabiliza em torno de US$ 350 bilhões por ano, até sofrer uma queda abrupta em 2022 e retornar à média em 2023.
Alguns eventos de monta tiveram impacto considerável sobre o comércio internacional no início da segunda década do presente século e, consequentemente, sobre o Brasil. Dois deles podem ser destacados: a pandemia de Covid-19 e o conflito entre Rússia e Ucrânia.
O cenário pandêmico, marcado por lockdowns, restrições de viagem e interrupções nas cadeias de suprimentos em todo o mundo, desacelerou a economia global e reduziu a demanda por bens e serviços. A contração do consumo em razão das regras de distanciamento social e as intermitências nas cadeias de suprimento impactam as exportações brasileiras em vários setores, sobretudo aqueles que dependem de insumos importados para sua produção e o de commodities (por exemplo, soja, minério de ferro e carne).
O conflito russo-ucraniano engendra uma grave instabilidade geopolítica com amplas repercussões comerciais. Ele se abate sobre um mundo ainda fragilizado e ressacado pela pandemia. Além de, novamente, gerar flutuações nos preços de commodities, o confronto bélico altera os padrões de comércio global devido ao estabelecimento de sanções, práticas restritivas e variações tarifárias.
Por outro lado, a pugna entre Moscou e Kiev também aumenta a incerteza nos mercados financeiros, abalando os Investimentos Estrangeiros Diretos e, consequentemente, os fluxos de comércio. Parceira comercial basilar do Brasil, a União Europeia pode, em função desse conflito, modificar seu padrão de comércio com Brasília – e tudo em meio a complexa negociação do acordo Mercosul/UE.
A interdependência complexa teorizada por Keohane & Nye – mais precisamente, a resiliência intrínseca de cada Estado no que concerne às suas sensibilidades e vulnerabilidades – vai se revelar crucial no contexto destas duas crises sucessivas (3). Em outras palavras, alguns países reagem de maneira rápida e respondem com pouco embaraço aos novos desafios; enquanto outros padecem de inércia e não conseguem articular respostas em tempo hábil para se adaptar às novas e contundentes demandas.
As pautas das exportações brasileiras são muito distintas e variam sobremaneira em função dos seus cinco principais parceiros. Para o Mercado Comum do Sul, notadamente a Argentina, exporta-se sobretudo produtos com valor agregado significativo (partes e acessórios dos veículos automotivos, veículos automóveis de passageiros e veículos automóveis para transporte de mercadorias e usos especiais). Todavia para China, Estados-Unidos, União Europeia e Japão as exportações se concentram, substancialmente, em commodities (soja, café não torrado, óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus, entre outros). Ou seja, estratégia mercantil e matriz de desenvolvimento econômico encontram-se visceralmente imbricadas.
Os principais resultados indicam que:
- considerando valores nominais, o saldo da balança comercial brasileira mostrou um aumento robusto, de US$ 40 bilhões em 2016 para US$ 98 bilhões em 2023, o que representa um incremento de 148%;
- a indústria de transformação corresponde pela maior parte das exportações brasileiras. As importações, dominadas pela indústria de transformação, exibiram uma tendência generalizada de queda, com a maior redução no setor de indústria extrativa: de 37% entre 2022 e 2023; e
- China, União Europeia e Estados Unidos continuam sendo os principais parceiros comerciais do Brasil tanto em exportações quanto em importações. Essas evidências ratificam a importância desses mercados para a economia brasileira e podem ser úteis para fundamentar a formulação de políticas especialmente desenhadas para fomentar o comércio exterior do nosso país. Negociar comércio com as distintas visões de mundo de Pequim, Washington e Bruxelas – sem esquecer os relevantes parceiros latino-americanos Argentina e México – se revela uma vigorosa atribulação. A lex mercatoria em voga, resultado das sucessivas rodadas de negociação do GATT/OMC, imiscui-se com a sempiterna Realpolitik, prática de busca de poder, produzindo cenários complexos para o gerenciamento do comércio exterior das nações, em geral, e do Brasil, em particular.
*Marcelo de Almeida Medeiros é professor de política internacional comparada na Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador visitante sênior no CREDA/CNRS – Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine
Dalson Britto Figueiredo é professor associado do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (DCP/UFPE)
Notas:
(1) Cf. Morgenthau, Hans (2003), A Política entre as Nações. Brasília: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Editora Universidade de Brasília/Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais.
(2) A China aderiu à OMC em 2001. Tal evento representa um marco para o comércio exterior, pois insere a segunda maior economia do mundo no sistema multilateral de trocas e abre uma nova etapa nas transações mercantis globais.
(3) Cf. Keohane, Robert O. & Nye, Joseph S. (2011), Power and Interdependence. London: Pearson.
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