Rubens Barbosa: A dualidade na política externa
Entrevista do assessor especial da presidência para questões internacionais discutiu o primeiro ano da política externa de Lula. Para embaixador, a entrevista franca e direta deixa transparecer posições ideológicas e partidárias que de quando em quando prevalecem na formulação e execução da política itamaratiana
Entrevista do assessor especial da presidência para questões internacionais discutiu o primeiro ano da política externa de Lula. Para embaixador, a entrevista franca e direta deixa transparecer posições ideológicas e partidárias que de quando em quando prevalecem na formulação e execução da política itamaratiana
Por Rubens Barbosa*
O assessor internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim, deu uma importante entrevista ao jornalista Jamil Chade, sobre o primeiro ano da política externa do governo petista, com pouca repercussão, mas com muitas implicações.
Na entrevista, Amorim comenta a nova inserção do Brasil no cenário internacional, a próxima reunião do G-20 no Brasil, a guerra na Ucrânia, a guerra entre Israel e Hamas, a crise entre a Venezuela e a Guiana, a posse de Javier Milei, na Argentina, entre outros assuntos.
Com grande desenvoltura, pela sua ampla experiência e agora pelo acompanhamento por dentro desses assuntos, as opiniões de Amorim ignoram o Itamaraty e a atuação do ministro Mauro Vieira, citado uma única vez, no contexto da presidência brasileira no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em grande parte, a análise de Amorim é correta, mas não passam despercebidas algumas opiniões bastante controversas.
No tocante à reunião do G-20, Amorim disse que o Brasil quer a presença de Vladimir Putin, que foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional pelos crimes na Ucrânia e que, pelas regras do tribunal, sua presença no território de um país membro, exigiria que o Brasil prendesse o russo e o interrogasse para o Tribunal de Haia. Amorim questiona o fato de que “outros criminosos” não tenham sido punidos pela corte, insiste que não há como ignorar a Rússia e afirma que não se pode premiar Putin pela invasão da Ucrânia, que é uma quebra da Carta da ONU. “Mas temos de ser realistas e ver o que é possível”.
No caso dos conflitos militares da Ucrânia e de Gaza, Amorim defende um protagonismo crescente do Brasil. “A participação do Brasil é bem vista e frequentemente requisitada para situações de conflitos. (…) A mais obvia é da Rússia com Ucrânia e agora entre Venezuela e Guiana”.
Seu comentário revela uma informação importante: a presença do Brasil, com propostas na guerra da Ucrânia, foi requisitada, presumivelmente por Putin.
“No caso do Oriente Médio, o Brasil pode ter um papel, mas o momento não se presta a isso”. Revelou que “o Brasil chegou a pensar que isso seria possível”. Reconhece alguns excessos de linguagem ao afirmar que “não podemos falar tudo o que pensamos sob pena de colocar em risco os brasileiros e seus parentes, por isso temos de tomar uma atitude um pouco mais discreta”. Apesar dessa cautela, não deixa de criticar a questão humanitária em Gaza: num ataque frontal, disse que “nunca houve nada parecido na história”.
Em outra opinião controversa, Amorim disse que “o Brasil está reconstruindo a América do Sul”, sem explicar de que forma, nem com que políticas.
No caso da Venezuela, o Brasil foi chamado a participar do encontro e não pediu para que a segunda reunião se realizasse em Brasília. Na volta de visita a Caracas em março, para conversar sobre a situação política interna, Amorim disse que “em 20 anos de contatos com a Venezuela, nunca tinha visto um clima tão grande de incentivo à democracia”.
Segundo Amorim, a ideia de fazer a segunda reunião entre a Venezuela e a Guiana foi desses países. “O Brasil participando de conversas sobre a Ucrânia, eventualmente sobre o Oriente Médio, não pode deixar de ter participação num debate no nosso continente”.
Chamou também atenção para o fato de a crise não estar sendo discutida na OEA, mas no âmbito da América Latina e Caribe, sem os EUA.
Em contraste com a opinião positiva sobre a Venezuela, sobre o relacionamento com os EUA, reconhece que houve convergências em algumas áreas, como meio ambiente e trabalhadores, mas não deixa de apontar as divergências geopolíticas. “Ainda que tenhamos trabalhado juntos, tanto na Venezuela, quanto na Ucrânia, isso não quer dizer que estamos exatamente na mesma direção. Há uma visão diferente. O Brasil tem uma visão geopolítica mais baseada no equilíbrio. Não queremos ter pretensão de ser uma potência hegemônica. Nos EUA essa ideia persiste “.
Com relação à Argentina, defendeu a não ida de Lula à posse do presidente Milei, mas dados os interesses existentes entre os dois países, a relação Estado-Estado vai prevalecer. Quanto à vitoria da direita na Argentina, disse que o que preocupa é uma eventual aliança entre Milei e Trump, se este vencer as eleições presidenciais nos EUA.”Espero que isso não ocorra”.
A entrevista franca e direta deixa transparecer posições ideológicas e partidárias que de quando em quando prevalecem na formulação e execução da política itamaratiana.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional