Rubens Barbosa: A palavra do presidente
Declarações controversas de Lula têm colocado a diplomacia brasileira em uma situação complicada nas relações com outros países. Para embaixador, interesse nacional não combina com a prevalência da ideologia na política externa
Declarações controversas de Lula têm colocado a diplomacia brasileira em uma situação complicada nas relações com outros países. Para embaixador, interesse nacional não combina com a prevalência da ideologia na política externa
Por Rubens Barbosa*
Nas relações exteriores, as atenções dos formuladores de politicas, da mídia e dos políticos estão sempre voltadas para os sinais dados pelos outros países sobre os acontecimentos mundiais e para a defesa de seus interesses. Nesse sentido, a palavra de um presidente ou primeiro-ministro tem importância e conta muito na percepção externa sobre as mensagens que estão sendo passadas.
Em tempos mais recentes, foi assim com o que Bolsonaro dizia e com que Lula agora diz.
Com Lula, parece estar acontecendo o que ocorreu com Bolsonaro: em matéria de política externa, o que conta para o mundo é a posição do Itamaraty emitida em notas oficiais e em pronunciamentos em organismos multilaterais. O exemplo mais claro, foi a atitude do Itamaraty nas discussões nas Nações Unidas sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia ao condenar a invasão contra a Carta das Nações Unidas e a defesa da integridade territorial.
Enquanto isso, Lula em sucessivas declarações coloca em risco a politica declarada, defendida pelo Itamaraty, de equidistância e independência entre os dois lados ao dizer que o presidente da Ucrânia é tão culpado quanto Putin pela guerra, ao negar o fornecimento de ambulâncias para Kiev e ao declarar-se preocupado com a segurança da Rússia.
Além dessas declarações controvertidas sobre o conflito na Ucrânia, lembro mais dois episódios em que o ativismo diplomático presidencial se distanciou da cautela itamaratiana.
Durante a importante iniciativa de convocar os presidentes sul-americanos para mostrar que o Brasil estava de volta ao cenário internacional, Lula estendeu tapete vermelho ao presidente venezuelano Nicolas Maduro antes da Cúpula e se referiu em termos elogiosos à política interna venezuelana, quando, pouco antes, o governo autoritário de Caracas prendia lideranças de oposição, inclusive a mais forte candidata nas próximas eleições presidenciais na Venezuela. Não bastasse isso, Lula, referindo-se `a Venezuela disse que a democracia é relativa, porque a Venezuela realizou mais eleições do que no Brasil.
Vivemos para ver os presidentes de países como o Uruguai e o Chile, de dedo em riste, criticar a fala presidencial. Sem falar no Senador norte-americano que chamou Lula de “chavista antiamericano” e pediu ao governo Biden sanções contra o Brasil.
Na semana passada, no final da reunião de Cúpula do G20, ao receber da Índia a presidência do grupo para 2024, Lula disse que Putin poderia vir ao Brasil porque não seria preso. Alertado das implicações externas e internas de sua fala, Lula voltou atrás, dizendo que não era competência do Executivo ou do Legislativo determinar a prisão do líder russo, mas do Judiciário, em função da participação do Brasil no Tribunal Penal Internacional (TPI). Para surpresa de muitos, Lula complementou dizendo que não sabia da existência do Tribunal, e disse que nunca tinha ouvido falar do TPI, referido explicitamente na Constituição e invocado por ele mesmo para condenar Bolsonaro quando da Covid-19, além de questionar as razões da adesão do Brasil, quando EUA, China e Rússia não aderiram ao tratado.
A palavra ambígua, contraditória e controvertida do presidente Lula no tocante às relações externas são preocupantes, não só pelas consequências em termos de prestígio e credibilidade pessoal do presidente, mas também por que indicam sinais de uma ideologização contrária aos interesses nacionais, no momento em que o Brasil retorna ao proscênio internacional.
Já vimos esse filme no segundo mandato de Lula e no de Dilma, quando a ideologia antiamericana influenciou fortemente a política externa, e mais recentemente com Bolsonaro e seu alinhamento automático com os EUA, igualmente contrário aos interesses do país. O exemplo mais claro do choque entre ideologia e interesse nacional ocorreu há pouco tempo com a saída do Reino Unido da União Europeia. A ideologia contra a Europa isolou o Reino Unido e está tornando mais difícil sua recuperação econômica.
Interesse nacional não combina com a prevalência da ideologia na política externa.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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