As eleições na Venezuela e o Brasil
Após irregularidades no processo de inscrições de candidaturas de oposição para as eleições presidenciais, o governo brasileiro se posicionou de forma crítica e recebeu resposta dura da Venezuela. Para embaixador, Brasil não terá alternativa senão apoiar a volta das sanções contra o país
Após irregularidades no processo de inscrições de candidaturas de oposição para as eleições presidenciais, o governo brasileiro se posicionou de forma crítica e recebeu resposta dura da Venezuela. Para embaixador, Brasil não terá alternativa senão apoiar a volta das sanções contra o país
Por Rubens Barbosa*
No dia 23 de março encerrou-se o prazo das inscrições dos candidatos à eleição presidencial de 28 de julho na Venezuela, convocada em curto prazo para dificultar a campanha eleitoral dos oposicionistas. Declarada inelegível, Maria Corina Machado foi escolhida por todos os partidos de oposição a Maduro como a principal candidata contra o atual governo. A partir daí, fatos emblemáticos começaram a ocorrer: foram feitos prisioneiros os principais assessores de Corina e expulsos funcionários da ONU.
Foram os principais acontecimentos que precederam o mais grave, ocorrido no dia do encerramento da inscrição dos candidatos. Desde o dia 18, quando foi aberto o registro, mais de dez candidatos oficialistas se apresentaram e registraram suas candidaturas. Na segunda, 25, último dia, Maduro, apoiado por 12 organizações que fazem parte de sua aliança, se registrou.
Impossibilitada de concorrer por decisão da Justiça Eleitoral, dominada por Maduro, Maria Corina seguiu o conselho de Lula e, sem chorar, indicou como sua substituta Corina Yoris, professora universitária de 80 anos, sem militância política, mas ligada à oposição. Corina Yoris iria disputar a eleição pelos partidos PUD (Plataforma Unitária) e UNT (Um Novo Tempo).
Para grande surpresa – ou melhor, sem grande surpresa -, a candidata não teve condições de registrar sua candidatura nem virtualmente nem presencialmente, por bloqueio do registro eleitoral. Foram feitas todas as tentativas de inserir os dados, e o sistema estava completamente fechado para poder entrar digitalmente. O órgão eleitoral, sob controle do regime chavista, não se pronunciou a respeito do assunto.
Era esperado que houvesse resistência para a inscrição da oposição, mas não dessa forma tão grosseira. Mesmo que, por alguma razão, consiga-se fazer o registro de Corina Yoris, o órgão eleitoral ainda precisa aprovar sua candidatura, por isso a lista definitiva de candidatos só deve estar disponível depois de abril. O mais curioso é que no último minuto antes do fechamento do período para inscrições, o sistema aceitou o décimo candidato para concorrer às eleições, o governador do estado petrolífero de Zulia, filiado ao UNT, Manuel Rosales, o que foi considerado uma traição por Corina Machado.
Diversos países (sete) expressaram grave preocupação por meio de comunicado conjunto: Argentina, Uruguai, Peru, Paraguai, Costa Rica, Equador, Guatemala, com a omissão mais uma vez do Brasil.
Na terça-feira, 24, o Itamaraty emitiu nota em que, pela primeira vez, trata diretamente do assunto. Embora tímida, a nota afirma que, esgotado o prazo de registro das candidaturas para as eleições presidenciais venezuelanas, o governo brasileiro acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral naquele pais.
Com base nas informações disponíveis, observa que a candidata Corina Yoris, força política de oposição e sobre a qual não pairavam decisões judiciais, foi impedida de registrar-se, o que não é compatível com o acordo de Barbados. O impedimento não foi até o momento objeto de qualquer explicação oficial.
O governo de Maduro no mesmo dia se manifestou de maneira violenta repudiando a nota do Itamaraty, considerada cinzenta e intervencionista, sugerindo que possivelmente teria sido “ditada pelo Departamento de Estado”, mas de outro lado elogiando a declaração atribuída a Lula, contra a imposição de sanções à Venezuela. Essa declaração venezuelana é uma grave ofensa ao Itamaraty e não deveria ficar sem uma resposta dura da chancelaria brasileira. Nenhuma das partes tem interesse em escalar a crise, como deixou claro o Ministério do Exterior venezuelano.
No dia 25 as autoridades eleitorais venezuelanas prorrogaram o prazo de inscrições de novos candidatos por 12 horas. O partido de oposição aproveitou para registrar Edmundo Gonzales, um nome pouco conhecido, como seu candidato, talvez com a intenção de substituí-lo, de acordo com as regras eleitorais, até o dia 18 de abril, o que abriria a possibilidade de esse candidato oposicionista ser substituído por Corina Yoris. Resta saber como o governo Maduro vai reagir, se isso acontecer.
Novos desdobramentos virão, mas o que tudo isso indica é que o governo Maduro prefere indicar os candidatos contra os quais deseja disputar as eleições, sem risco de perder. O governo brasileiro, que agora se pronunciou pela primeira vez, acompanhando os EUA, a Colômbia e a União Europeia, não terá alternativa senão apoiar a volta das sanções norte-americanas, suspensas pelo acordo do Barbados na expectativa de eleições justas e transparentes, que poderão não ocorrer, se as violências praticadas até aqui continuarem até fim de junho.
*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental
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Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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