Rubens Barbosa: Meio Ambiente e a Guiana Francesa – Dois pesos e duas medidas
Visita de presidente do Conselho Europeu e decisão do parlamento francês sobre acordo entre Mercosul e União Europeia colocam pressão exagerada sobre o Brasil pela proteção ambiental. Para embaixador, França critica o país enquanto ignora a situação do seu departamento que faz fronteira com o Amapá e que apresenta os mesmos problemas que outros estados brasileiros, e cabe a Lula usar isso na negociação
Visita de presidente do Conselho Europeu e decisão do parlamento francês sobre acordo entre Mercosul e União Europeia colocam pressão exagerada sobre o Brasil pela proteção ambiental. Para embaixador, França critica o país enquanto ignora a situação do seu departamento que faz fronteira com o Amapá e que apresenta os mesmos problemas que outros estados brasileiros, e cabe a Lula usar isso na negociação
Por Rubens Barbosa*
A presidente do Conselho Europeu, Ursula von der Leyen, em sua primeira visita ao Brasil em dez anos, manifestou-se muito positivamente sobre as perspectivas de assinatura do acordo Mercosul-União Europeia (UE). Em pronunciamentos públicos, inclusive ao lado do presidente Lula, ao ressaltar a disposição da UE em concluir ainda este ano as negociações do “maior e mais ambicioso acordo negociado pelos dois blocos”, von der Leyen não deixou de ressaltar a importância para os países europeus das questões relacionadas à preservação do meio ambiente e às medidas para atenuar as consequências negativas sobre o aquecimento do planeta.
O documento adicional apresentado pela UE, depois de três anos, vai além do acordo, como enfatizou criticamente o presidente Lula e, por isso, será apresentada uma contraproposta pelo governo brasileiro. Essa resposta deverá ser aceita pelas autoridades europeias, visto que reforçará a disposição de cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do acordo.
Por outro lado, Lula, pelo menos publicamente, não voltou a falar em reabrir as negociações do acordo por conta do capítulo sobre compras governamentais. A única referência a isso foi no contexto da política de reindustrialização que o governo atual pretende levar adiante. Aparentemente, o tom positivo do encontro indicaria a disposição dos dois lados de concluir as negociações durante a presidência brasileira do Mercosul e espanhola da UE.
Como em política (inclusive externa), nada acontece por acaso, no mesmo dia em que a presidente do Conselho Europeu estava no Brasil, o parlamento francês deliberou, com grande maioria, contra o acordo com o Mercosul. E decidiu informar à Comissão Europeia a oposição da França à adoção do acordo, diante da ausência de critérios de sustentabilidade e rastreabilidade para os produtos mais sensíveis em termos de combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade.
Além disso, decidiu informar à Comissão Europeia da oposição da França, na ausência de uma cláusula que possa suspender o acordo caso o Acordo de Paris seja violado. E comunicar publicamente à Comissão Europeia que a França se opõe à adoção de um acordo fatiado apenas para os temas comerciais.
Para os deputados, o acordo concluído em sua totalidade deve, portanto, ser submetido ao procedimento de ratificação, com uma votação unânime dos países. Essa decisão do parlamento francês vem junto com pronunciamento do presidente Macron, em abril, contra o ativismo legislativo do Conselho Europeu com medidas restritivas que colocaram custos adicionais a empresas francesas, como a proibição de compra de produtos agrícolas provenientes de áreas desmatadas e o imposto alfandegário sobre produtos industriais que geram emissões de gás de efeito estufa (CBAM).
As medidas unilaterais restritivas europeias contra produtos industriais e agrícolas, contrárias às regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e aos interesses das empresas brasileiras (e de outros países), mereceriam uma resposta mais dura por parte do governo brasileiro. Não só porque o atual governo mudou a política ambiental, hoje no centro das preocupações do governo e das políticas comercial e externa, como também pelo flagrante protecionismo, disfarçado com as preocupações ambientais do Green Deal europeu.
Um novo argumento poderia ser utilizado pelo governo brasileiro com impacto nas negociações e com repercussão que iria além do âmbito do acordo comercial. Poderia ser lembrado que a França também é um país amazônico pela presença da floresta no território da Guiana Francesa, departamento ultramarino pertencente ao país.
A Guiana Francesa apresenta os mesmo problemas enfrentados pelo Brasil: queimadas, garimpo ilegal, desmatamento, dificuldade com os povos indígenas e agora a exploração de petróleo no litoral. Os líderes indígenas acusam Paris de destruir a Amazônia.
“Já temos uma poluição com o mercúrio dos garimpos e agora mais esse risco de maré negra. Isso traz preocupação. Não há informação suficiente para perfurar poços de exploração na costa do Brasil com segurança, e isso com certeza vai afetar nossas populações indígenas, dos dois lados. Muitas pessoas dependem da pesca para sobreviver”, diz o engenheiro Steafne Icho, morador de Saint Laurent du Maroni e filho e neto de pescadores.
Companhias canadense e europeia exploram mina de ouro no meio do parque nacional Kaw Roura. O departamento francês passou por várias ondas de prospecção de petróleo desde a década de 1970. Em 2017, a França aprovou a Lei 2017-1839, que determinou o fim da pesquisa e exploração de hidrocarbonetos, proibindo novos contratos de exploração de gás e petróleo, e o encerramento de toda e qualquer atividade do setor no país e seus territórios até 2040. Protegidos pela legislação de derramamentos de óleo em seu país, os pescadores da Guiana Francesa – que representam o terceiro setor econômico local – reclamam da pouca informação sobre o projeto na foz do Amazonas.
O parlamento francês, ao discutir, de forma fortemente critica o descumprimento pelo Brasil da legislação interna no combate ao desmatamento, as queimadas e ao garimpo ilegal, ignora totalmente a atual situação da Guiana Francesa que faz fronteira com o Amapá e que apresenta os mesmos problemas que outros estados brasileiros. O governo Macron e todos os que o antecederam fazem vista grossa em relação aos problemas ambientais dessa região e não tomam as providências que estão demandando do governo brasileiro e que são usadas para bloquear a aprovação do acordo comercial Mercosul-UE.
O presidente Lula nas próximas semanas deverá visitar oficialmente a França para encontros com o presidente Macron. Seria uma boa oportunidade para conversar sobre o acordo de comércio com a UE e a decisão do parlamento, mas também sobre meio ambiente e mudança do clima. Nesse contexto, seria importante levantar o assunto da Guiana Francesa e cobrar uma atitude proativa de Paris para a preservação da floresta amazônica e a defesa do meio ambiente naquela região.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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