Rubens Barbosa: O desafio das relações entre civis e militares no Brasil
Os acontecimentos de 8 de janeiro colocaram de maneira dramática a necessidade de enfrentar o desafio de tentar equacionar e superar de maneira transparente o problema da militarização da política e da politização das Forças Armadas
Os acontecimentos de 8 de janeiro colocaram de maneira dramática a necessidade de enfrentar o desafio de tentar equacionar e superar de maneira transparente o problema da militarização da política e da politização das Forças Armadas
Por Rubens Barbosa*
Historicamente, a discussão sobre o controle civil no relacionamento com os militares tem sido evitada por receio da reação das Forças Armadas, em função das sucessivas interferências militares no processo político interno no Brasil desde a Proclamação da República. Mesmo na Constituinte de 1988, logo após o período de controle militar da cena política interna, o tratamento dado ao assunto, pela delicadeza da matéria, resultou numa fórmula política de compromisso, com a anistia e com a redação do artigo 142, com consequências negativas que permanecem até hoje.
Nos últimos anos, verificou-se uma crescente erosão do controle civil sobre os militares com a fragilização da democracia pela militarização da política e a politização das Forças Armadas. Os acontecimentos de 8 de janeiro colocaram de maneira dramática a necessidade de enfrentar o desafio de tentar equacionar e superar de maneira transparente o problema.
A não participação direta dos militares na insurreição contra os símbolos dos Três Poderes em Brasília abre um espaço para que o tema da relação entre civil e militares seja tratado de maneira objetiva, sobretudo pelo fato de ser inegável a desconfiança recíproca entre a Presidência da República e as Forças Armadas. Isso acontece por erros dos dois lados: ameaça mudança dos currículos e das regras de promoção, de um lado, e não passagem de comando e manutenção dos acampamentos em frente aos quartéis.
Chegou o momento de colocar a questão das relações entre os civis e militares no centro das preocupações do Executivo e do Legislativo nacionais. Levando em conta a defesa da Constituição e o Estado democrático de Direito, cabe discutir a implementação de medidas que impactarão positivamente no controle dos militares pelos civis.
O efetivo controle civil sobre os militares é parte da Democracia. O controle civil, concedido pela vontade do povo expressa nas eleições, deve ser efetivamente exercido no contexto do marco constitucional e sob o império da lei.
Uma carta assinada por 8 secretários da Defesa e 5 chefes do Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos em setembro de 2022, mostrou que o problema não se restringe ao Brasil. A Democracia também esteve em risco no ataque ao Congresso norte-americano e motivou a elaboração de alguns princípios que se aplicam também ao caso do Brasil.
O controle civil deve ser exercido pelo Executivo pela cadeia de comando, desde o presidente até o ministro civil da Defesa por meio de ordens operacionais. O controle civil deve ser exercido pelo Legislativo por meio de poderes estabelecidos na Constituição, a começar pelo poder de declarar guerra e oferecer apoio às Forças Armadas.
O Congresso determina e autoriza os recursos públicos, sem os quais a atividade militar é impossível. O Congresso tem atribuição legal de supervisionar e decidir sobre a política e a estratégia nacional de defesa e aprovar o orçamento do Ministério da Defesa. Em certos casos ou em controvérsias, o controle civil é exercido pelo poder Judiciário pela revisão de políticas, ordens executivas e ações envolvendo os militares, como foi o caso da decisão sobre o alcance do artigo 142 da Constituição Federal.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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