Rubens Barbosa: O vexame no futebol e o cenário nacional
O Brasil, país do futebol, enfrenta uma situação constrangedora em um dos fatores mais positivos para seu soft power. Para embaixador, o esporte é mais um triste exemplo de como o país está regredindo e comprometendo o futuro das novas gerações
O Brasil, país do futebol, enfrenta uma situação constrangedora em um dos fatores mais positivos para seu soft power. Para embaixador, o esporte é mais um triste exemplo de como o país está regredindo e comprometendo o futuro das novas gerações
Por Rubens Barbosa*
A seleção brasileira masculina de futebol está fora das Olimpíadas. Bi-campeão Olímpico, o Brasil não conseguiu se classificar para os Jogos de Paris. A derrota para o Paraguai e a Argentina amplia a lista de vexames recentes do futebol brasileiro. A seleção nacional está em sexto lugar nas eliminatórias para a classificação para o Mundial de 2026, que será realizado no Canadá, nos EUA e no México. Se não melhorar seu desempenho, poderá deixar o Brasil ficar fora pela primeira vez na história do Mundial. A seleção feminina foi desclassificada na primeira fase do mundial. A seleção sub-20 foi igualmente desclassificada do mundial por Israel.
Num dos piores momentos do futebol brasileiro, o desempenho medíocre dessas seleções ocorre em um momento de grande confusão política e esportiva, pois a classificação do Brasil para o mundial esteve ameaçada mesmo antes da recém-terminada competição.
A Fifa indicou que iria cortar o Brasil por não reconhecer a destituição do presidente da CBF por decisão do Tribunal de Justiça do Rio. O problema foi superado pela intervenção do STF ao anular a decisão judicial regional.
Com a volta do presidente destituído, o Brasil pode participar do torneio classificatório, mas, além disso, houve a substituição do técnico da seleção nacional, que nas seis partidas em que comandou o time principal do país registrou três derrotas consecutivas, além da primeira derrota como mandante na história das eliminatórias.
Esses resultados negativos refletem a desorganização do planejamento das atividades futebolísticas a começar pela CBF, passando pelos estados e acabando na própria gestão dos clubes. Estamos longe da gestão de clubes ingleses, espanhóis e alemães, transformados em empresas rentáveis, cotadas em Bolsa, muito diferente da gestão dos clubes brasileiros, dominados pela cartolagem, com outros interesses.
O Brasil, país do futebol, a pátria de chuteiras rodriguiana, enfrenta uma situação constrangedora em um dos fatores mais positivos para seu soft power, junto com a música. A situação fica mais constrangedora quando agora sabemos do planejamento e da ação da Arábia Saudita para promover o futebol, que hoje passou a ser transmitido até no Brasil.
É inevitável pensar que essa crise no futebol não é isolada. A disfuncionalidade da ação pública em todos os níveis – federal, estadual e municipal – já há algum tempo está criando uma situação difícil para combater a corrupção, a violência, o crime organizado, entre outras mazelas, além dos privilégios e ineficiências do setor público.
Essa questão está atualmente agravada pela polarização e radicalização da política interna brasileira, como ocorre nos EUA e em outros países, pela falta de liderança em todas as áreas: política, econômica, empresarial, industrial, agrícola e nos esportes em geral, sobretudo no futebol.
Essa divisão interna gera conflitos entre os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) de um lado e impede a formulação pelo governo de uma visão de médio e longo prazos.
Os governos não têm metas nem objetivos claros para melhorar as condições de vida da população, para restaurar um crescimento sustentável, nem meios para defender plenamente a soberania do país, como ocorre hoje com a Amazônia, onde os grupos criminosos estão substituindo o Estado.
O futebol é mais um triste exemplo de como o país está regredindo ou estagnado, comprometendo o futuro das novas gerações.
Enquanto isso, a NFL, a liga do futebol americano – nada que ver com o nosso esporte maior – está exportando seu campeonato para o Brasil, a partir de setembro, em concorrência com o futebol nacional.
*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental
Leia mais editoriais de Rubens Barbosa
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional