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Interesse Nacional
11 agosto 2023

Rubens Barbosa: Sem grandes avanços, Cúpula da Amazônia acenou para abertura que pode ameaçar soberania

Cobrança por uma governança da ONU sobre questões ambientais na região pode ampliar poder de decisão de países de outras partes do mundo. Para embaixador, o Brasil deveria liderar a formação do grupo amazônico para atuar conjuntamente na defesa dos interesses de todos os países membros

Cobrança por uma governança da ONU sobre questões ambientais na região pode ampliar poder de decisão de países de outras partes do mundo. Para embaixador, o Brasil deveria liderar a formação do grupo amazônico para atuar conjuntamente na defesa dos interesses de todos os países membros

Eeunião dos Chefes de Estado e de Governo dos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Rubens Barbosa*

A Cúpula da Amazônia, no âmbito do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), foi realizada em Belém do Pará nesta semana com a presença dos oito países amazônicos. A politica externa brasileira por mais de 15 anos ignorou a existência do tratado, que poderia ter ajudado, com uma responsabilidade compartilhada, a dividir as criticas dirigidas apenas contra o Brasil, no tocante aos problemas com as politicas em relação à Floresta Amazônica. 

Embora cercado de grandes expectativas, o encontro presidencial não deixou de ser o que, na prática, significava: o inicio de um processo de aproximação, articulação e, quando possível, de coordenação de posições comuns. Nada mais do que isso, considerando que, por um longo período, o tratado, criado por iniciativa do Brasil, que hospeda a sede da organização, nunca foi convocado para discutir os crescentes problemas da Amazônia. 

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O objetivo da cúpula, assim, foi de combinar os esforços dos governos, no mais alto nível, para fazer avançar uma nova agenda comum de cooperação na Amazônia que seja implementada sob a égide do desenvolvimento sustentável, da conservação e do uso sustentável da biodiversidade, das florestas e da água, da ação urgente para evitar o ponto de não retorno na Amazônia, do combate ao desmatamento e às atividades ilegais na região, do desenvolvimento econômico com inclusão social e geração de renda e emprego, com base em mecanismos de participação social, em especial dos povos indígenas e comunidades locais e tradicionais, e do fortalecimento institucional da OTCA.

Foi importante a presença de representantes de países de florestas tropicais como a Indonésia, o Congo Brazzavile e a Republica Democrática do Congo, que junto com o Brasil firmaram comunicado conjunto sobre o posicionamento desses países em negociações de clima e da biodiversidade na ONU.

Passou sem registro pelos presidentes, mas não pela imprensa francesa, a ausência do presidente francês, Emmanuel Macron, em função da participação da Guiana, departamento da França que faz fronteira com o Brasil e é um outro território do bioma amazônico, com os mesmos problemas de desmatamento, de grilhagem e de queimadas dos outros países membros. O agravante é o fato de a França ser um dos maiores críticos do Brasil no tocante à preservação da floresta enquanto faz vista grossa para o que acontece no departamento sul-americano no tocante à destruição da floresta em seu território.

‘O documento final, extremamente longo e com muitas propostas e declarações de intenções, tornou-se uma peça de referência futura’

O documento final, extremamente longo e com muitas propostas e declarações de intenções, tornou-se uma peça de referência futura. O melhor teria sido uma declaração curta, de impacto, com um anexo com todas preocupações dos países membros. Não se chegou a um consenso para tomar decisões sobre temas mais delicados como a proibição da exploração de petróleo na Amazonia e a fixação da meta de desmatamento zero em 2030. 

Só foi possível estabelecer a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento entre os Estados Partes, com o objetivo de promover a cooperação regional no combate ao desmatamento e de evitar que a Amazônia atinja o ponto de não retorno, reconhecendo e promovendo o cumprimento das metas nacionais, inclusive as de desmatamento zero. 

‘Talvez a decisão mais importante tenha sido a instalação da cooperação policial, judicial e de inteligência ao combate às atividades ilícitas, crime transnacional e crimes ambientais’

Além da criação do foro das cidades amazônicas e da futura instalação de um Parlamento Amazônico, talvez a decisão mais importante incluída na declaração tenha sido a instalação de um Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazonia, que ampliará a cooperação policial, judicial e de inteligência ao combate às atividades ilícitas, crime transnacional e crimes ambientais.

Estava prevista, em reação às pressões e medidas restritivas, sobretudo da Europa, a inclusão na declaração de condenação à proliferação de medidas comerciais unilaterais que, baseadas em requisitos e normas ambientais, se traduzem em barreiras comerciais e afetam principalmente os pequenos produtores dos países em desenvolvimento, mas aparentemente esse parágrafo foi eliminado da versão final.

Em sucessivas declarações públicas, desde o encontro presidencial sul-americano em fevereiro passado até a Cúpula Amazônica, o presidente Lula vem defendendo uma nova governança mundial pela ONU. “Não há consenso sobre muitas das decisões climáticas que precisam ser tomadas. Precisamos de uma governanta global e a ONU precisa ser remodelada. Exigimos que pelo menos na questão climática haja uma mudança para que quando decidirmos algo, seja lei, para que todos os países cumpram”. 

‘Aceno para que a ONU crie um organismo para tratar das mesmas questões por países de outros continentes pode ser interpretado como um gesto que abre mão da soberania’ 

Essa exortação presidencial apresenta algumas questões que estão passando despercebidas no debate público sobre meio ambiente e mudança de clima. No momento em que a OTCA está sendo revivida e fortalecida como um instrumento de ação regional, com o controle dos países diretamente interessados na solução dos problemas amazônicos, o aceno para que a ONU crie um organismo para tratar das mesmas questões por países de outros continentes e afastados dos problemas das florestas tropicais pode ser interpretado como um gesto que abre mão da soberania nacional sobre uma região que representa mais de 50% do território brasileiro. 

Será que isso interessa ao Brasil? Ao contrário das discussões sobre a Amazônia no âmbito da OTCA, na ONU o Brasil teria de lidar com propostas que estariam sobre o regime de poder de veto por poucos países no sistema da ONU. Hoje o princípio da soberania já está restringido em muitas áreas pelos compromissos internacionais impostos (TNP) ou assumidos pelos países (MTCR, direito do mar e muitos outros). 

No caso do meio ambiente, propor um governança global na ONU é aceitar uma limitação de soberania, quando o Brasil dispõe de várias alternativas em que, mesmo dividindo a soberania (OTCA), teria o controle da agenda e das decisões. Nem mesmo os recursos financeiros que poderiam vir com essa nova organização (talvez o objetivo de Lula) estariam assegurados, nem o Brasil teria voz relevante nessas decisões.

Em vez disso, o governo brasileiro deveria liderar a formação desse grupo amazônico para atuar conjuntamente na defesa dos interesses de todos os países membros, inclusive no tocante a discussão de métricas e politicas restritivas que afetem interesses concretos dos países da região.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/rubens-barbosa-meio-ambiente-e-a-guiana-francesa-dois-pesos-e-duas-medidas/

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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