16 julho 2025

Tarifa de Trump contra o Brasil – Risco e oportunidade

O choque externo da tarifa de 50% imposta pelos EUA aos produtos brasileiros pode forçar o Brasil a abrir mais seu mercado, gerando benefícios estruturais que o governo reluta em adotar por conta própria, num cenário eleitoral já polarizado e fiscalmente pressionado. A absoluta irracionalidade lá poderá produzir alguma racionalidade cá

Foto: Ricardo Stuckert / PR

Os efeitos previsíveis da tarifa norte-americana de 50% sobre a importação de produtos brasileiros combinam risco econômico e oportunidade política. 

O risco tende a ser forte contração de nossas exportações para um mercado que absorve cerca de 12% do total, com forte valor agregado. A oportunidade, para o atual governo, tende a ser o visível desgaste do bolsonarismo, resultante do vínculo entre a campanha destinada a obter apoio de Trump para a anistia do ex-presidente e a imposição da sobretaxa. 

Essa vantagem política foi magnificada por declarações de partidários do ex-presidente de apoio à decisão de Trump. A política externa passa agora a ditar uma agenda doméstica muito polarizada e já mobilizada pelo pleito de 2026, com um presidente em declínio de popularidade, mas beneficiado por inflexão a seu favor. Quais desdobramentos para o país poderá ter aquela combinação de risco e oportunidade?

‘A política tarifária de Trump tem três digitais – irracionalidade econômica, autodestrutividade geopolítica e imprevisibilidade’

Algumas considerações de ordem geral podem ajudar a esclarecer consequências específicas. A política tarifária de Trump tem três digitais – irracionalidade econômica, autodestrutividade geopolítica e imprevisibilidade. 

A economia é conhecida como a ciência da escassez. Mas hoje ocorre um fenômeno raro de abundância – a esmagadora maioria dos economistas, em diversos países e de diversas colorações, condenam ao fracasso a atual política de Trump. O principal argumento é o anacronismo de utilizar, no século XXI, o instrumento tarifário protecionista responsável pela recessão dos anos 1930.

 ‘A geopolítica de Trump consiste no afastamento deliberado de aliados tradicionais e aproximação com um dos principais adversários’

 A geopolítica de Trump consiste no afastamento deliberado de aliados tradicionais – Canadá, México, União Europeia – e aproximação com um dos principais adversários – a Rússia, aliada da China. A outra digital – imprevisibilidade – fica estampada na relação de Trump com Putin – há seis meses considerado um gênio e hoje, um imbecil. 

Esse padrão errático se reflete em outras contundentes mudanças. A Otan, criticada e marginalizada, há poucos dias se transformou em aliada; a abandonada Ucrânia, com o presidente ridicularizado por Trump, conta hoje com apoio político e recebe equipamentos de defesa antiaérea e inteligência de última geração. 

Essa frequente mudança de rumos teve uma exceção – a aliança incondicional com Israel e Netanyahu. De fato, as três guerras por ele criadas, para sua sobrevivência política – Hamas, Hezbollah e Irã –  contaram com o beneplácito e até coordenação de Trump. Esse, para evitar protagonismo ainda maior de Netanyahu, se antecipou e lançou  inédito e poderoso ataque direto contra a instalação nuclear de Fordow. 

‘O caráter imprevisível da tarifa de 50% para produtos brasileiros está ligado às sucessivas indefinições de Trump’

O caráter imprevisível da tarifa de 50% para produtos brasileiros está ligado às sucessivas indefinições de Trump nessa área. Entretanto, algumas mudanças – mais previsíveis- poderão resultar das eleições, em 2026, de meio de mandato, para renovar um terço do Senado e a Câmara inteira. Outro fator de alteração poderá ter sua origem em decisões judiciais, oriundas da Corte Suprema, contrárias a medidas do Executivo. 

A tarifa de 50% contra o Brasil, caso mantida, deverá reprimir o mercado de maior valor agregado para nossas exportações – aço, aeronaves. As contrapropostas a serem apresentadas pelo Brasil para reduzir aquela tarifa deverão consistir em maior abertura de setores de nossa economia. 

‘O efeito negativo na balança comercial poderá ter contrapartida positiva, em termos de política econômica, ao promover alguma abertura’

Assim, o efeito negativo na balança comercial poderá ter contrapartida positiva, em termos de política econômica, ao promover alguma abertura – sem dúvida limitada –  para a 11ª maior economia, mas também uma das mais fechadas do mundo. Isso é visível em nossa relação comércio exterior/PIB, em torno de 24%, equivalente à metade da vigente nos vizinhos, e inferior à maioria das economias emergentes. 

Num prematuro clima eleitoral, o governo certamente será refratário a qualquer abertura e buscará preservar a política de compadrio –  benefícios aos setores econômicos privilegiados por proteção tarifária, subsídios e isenções fiscais. Nesse ambiente, reforma só poderá mesmo vir de fora. E virá, por imposição econômica externa, e não por opção política. 

A política econômica do segundo mandato de Trump poderá ter outra influência importante para a economia brasileira, ligada ao fluxo de investimento estrangeiro, à valorização do Real, à taxa de inflação e à taxa de juros.  

Sua reeleição gerou expectativas de continuidade do excepcionalismo americano – desregulamentação, crescimento econômico, elevada atração de investimentos estrangeiros. Isso resultou em aumento de 20% nas Bolsas de Valores nos dois últimos anos, que atingiram o recorde de US$ 52 trilhões. 

‘A forte entrada de investimento estrangeiro em nosso país elevou a taxa de crescimento, valorizou o Real, e contribuiu para baixa inflação’

Mas a política tarifária de Trump frustrou as expectativas, e os investimentos migraram para as economias emergentes, o que resultou em valorização das bolsas de valores em diversas partes do mundo, inclusive na América Latina – Chile, Colômbia, México e Brasil. A forte entrada de investimento estrangeiro em nosso país elevou a taxa de crescimento, valorizou o Real, e contribuiu para baixa inflação. 

Assim, os bons resultados da economia brasileira no último ano – 3,4% de crescimento, 5% de desemprego e inflação no teto da meta – foram muito mais obra da chamada rotação de carteira (mudança de destino de investimentos, derivada da obsessão tarifária de Trump), do que da política econômica brasileira. Mas esse fenômeno não é sustentável, e o bônus terminará neste ano, o que vai resultar em queda no investimento, com impacto negativo sobre os demais indicadores.

 Para compensar esse ciclo descendente, o governo precisará fazer o que até agora se negou – controle do déficit público.  Sem agenda fiscal de maior contenção de gastos, a relação dívida/PIB continuará a preocupante trajetória de acelerado crescimento, o que resultou na altíssima taxa de juros real de 10%. Vale lembrar que, de 1999 a 2003, o país produziu superávit primário anual de 3% a 4% do PIB, mas de 2013 a 2024, a relação dívida/PIB saltou de 50% para 82%. 

‘O próximo governo eleito em 2026, independente da coloração política, será forçado a fazer o que até agora adiou – reforma fiscal com clara contenção de gastos’

Esse cenário macroeconômico leva muitos analistas a estimarem que a economia não aguenta mais dois anos de taxa de juros real situada entre 8% e 10%. Empresas de maior porte, com acesso ao mercado de capitais poderão sobreviver, mas muitas das médias e pequenas deverão desaparecer, e provocar forte crise econômica. Nesse sentido, o próximo governo eleito em 2026, independente da coloração política, será forçado a fazer o que até agora adiou – reforma fiscal com clara contenção de gastos. 

Em síntese, uma avaliação dos efeitos da irracionalidade econômica de Trump sobre o Brasil revela dois momentos bem distintos. Um primeiro, em que a frustração de expectativas nos EUA gerou migração de investimentos para as economias emergentes, o que produziu bons indicadores em 2025. Um segundo momento, em que a tarifa norte-americana de 50% sobre produtos brasileiros – caso mantida – deverá deprimir nossas exportações, com efeitos imediatos negativos. Entretanto, na negociação para reduzir a tarifa, o Brasil será forçado a efetuar alguma abertura de mercado, o que poderá trazer resultados positivos para uma das economias mais fechadas do mundo, com elevada proteção tarifária, não tarifária, subsídios e isenções fiscais.  

No atual cenário eleitoral prematuro, é evidente que o governo não caminharia, por vontade própria, na direção de reduzir privilégios para setores econômicos. Mas deverá ser obrigado a fazê-lo no processo de negociação destinado a reduzir a absurda tarifa de 50% imposta pelo governo Trump. A absoluta irracionalidade lá poderá produzir alguma racionalidade cá.

Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Tags:

Comércio Exterior 🞌 EUA 🞌

Cadastre-se para receber nossa Newsletter