24 fevereiro 2023

Rubens Barbosa: A proposta chinesa para encerrar a guerra na Ucrânia

Documento menciona itens de claro interesse da China e também reitera pedido de que ambos os lados retomem o processo de negociações visando a paz. Embora possa ser vista como uma contribuição ao esforço para criar condições para a retomada das conversações, proposta não terá impacto no contexto do prolongamento do conflito, pois trata apenas indiretamente dos temas mais sensíveis de interesse dos dois lados.

Documento menciona itens de claro interesse da China e também reitera pedido de que ambos os lados retomem o processo de negociações visando a paz. Embora possa ser vista como uma contribuição ao esforço para criar condições para a retomada das conversações, proposta não terá impacto no contexto do prolongamento do conflito, pois trata apenas indiretamente dos temas mais sensíveis de interesse dos dois lados

Soldado em frente a usina na Ucrânia (Foto: Ministério da Defesa Ucraniano)

Por Rubens Barbosa*

Foi divulgada nesta sexta-feira (24) a proposta do Ministério do Exterior chinês para encaminhar discussões com o objetivo de cessar as hostilidades na Ucrânia. Mais do que um plano de paz (não há uma proposta concreta), a proposta chinesa representa a visão de Beijing de como deveria ser encaminhado o processo de paz, resguardando os interesses chineses e aspirações genéricas que não contribuirão para a mudança das narrativas russa e ucraniana, nem das condições apresentadas pelos dois lados para sentar-se à mesa.

Os principais pontos do documento chinês são: pedido para a retomada das conversações para alcançar a paz, o fim das sanções unilaterais e oposição ao uso de armas nucleares.

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O documento de dez pontos, em resumo, inclui o seguinte:

1. Respeito à soberania de todos os países (na prática, trata do respeito à soberania da Ucrânia e por implicação à retirada das tropas russas do território ucraniano, mas também a soberania russa, com a neutralidade da Ucrânia e a não aprovação de seu ingresso na Otan; a referência a integridade territorial pode ser lida dos dois lados, em vista da expansão da Otan);

2. Abandono da mentalidade da Guerra Fria (referência direta ao establishment norte-americano com ações que levam a uma Guerra Fria em novas bases com a China);

3. Fim das hostilidades (sem apresentar nenhuma proposta para que os dois lados voltem a conversar e suspendam as hostilidades, reconhecendo as dificuldades práticas do atual momento);

4. Retomada das conversas sobre paz (também sem indicar como, nem apresentar uma proposta de agenda);

5. Resolução da crise humanitária (com medidas concretas para segurança para os civis, proteção aos refugiados e ajuda humanitária);

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/a-guerra-na-ucrania-uma-situacao-sem-chance-de-vitoria-para-a-esquerda/

6. Proteção dos civis e prisioneiros de guerra (respeito à legislação internacional por todos os lados);

7. Manutenção das usinas nucleares seguras (referência aos dois lados e ao respeito à convenção sobre a segurança nuclear);

8. Redução dos riscos estratégicos (referência direta à possibilidade de a Rússia utilizar armas nucleares táticas e sua condenação, além do uso de armas químicas e biológicas);

9. Facilitação da exportação de grãos (referência ao acordo da Rússia com a Ucrânia para permitir o escoamento da safra de grãos ucranianos pelo porto de Odessa e impedir a alta sem controle dos preços no mercado internacional);

10. Suspensão das sanções unilaterais (medidas tomadas pelos EUA e países ocidentais contra a Rússia);

11. Manutenção das cadeias industriais e de fornecimento estáveis (referência clara aos interesses chineses);

12. Promoção da reconstrução do país após o fim do conflito (chamamento à participação da comunidade internacional e não apenas da Rússia).

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/a-industria-global-de-armas-esta-sendo-sacudida-pela-guerra-na-ucrania-e-china-e-eua-parecem-ganhar-com-tropecos-da-russia/

A reação dos EUA foi imediata, rejeitando o position paper chinês, visto por Washington como tendencioso e claramente favorável à Rússia, contra a Ucrânia.

O documento menciona itens de claro interesse da China, como o abandono da mentalidade de Guerra Fria, facilitação da exportação de grãos, manutenção das cadeias industriais e de fornecimento em bases estáveis e a oposição a sanções unilaterais que, no caso de eventual crise em Taiwan, seriam aplicadas pelos EUA contra a China.

O documento também reitera conhecidas posições públicas da China sobre a guerra, inclusive o pedido de que ambos os lados retomem o processo de negociações visando a paz.

Embora possa ser visto como uma contribuição ao esforço para criar condições para a retomada das conversações, o documento não terá impacto no contexto do prolongamento do conflito, pois trata apenas indiretamente dos temas mais sensíveis de  interesse dos dois lados.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-conflito-russia-ucrania-trara-o-renascimento-dos-nao-alinhados/

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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