Rubens Barbosa: Ser pobre é fogo
Visita do presidente argentino e a acolhida de Lula indicam a importância do país vizinho para o Brasil e o interesse do governo brasileiro, por razões políticas e econômicas, em ajudar Fernández a encaminhar soluções para superar uma crise econômica que se arrasta há vários anos
Visita do presidente argentino e a acolhida de Lula indicam a importância do país vizinho para o Brasil e o interesse do governo brasileiro, por razões políticas e econômicas, em ajudar Fernández a encaminhar soluções para superar uma crise econômica que se arrasta há vários anos
Por Rubens Barbosa*
A vinda do presidente argentino Alberto Fernández ao Brasil para, em decorrência da crise econômica, tentar obter apoio político e financiamento para a compra de produtos brasileiros me lembrou expressão que ouvi do ministro Olavo Setúbal no Itamaraty quando falava dos países em desenvolvimento e seus problemas: Ser pobre é fogo…
A situação econômica na Argentina é dramática. Sem reservas, com inflação acima de 100%, com o câmbio altamente desvalorizado, com queda nos ingressos de exportação pela forte seca que afetou a produção agrícola, com uma forte crise fiscal, restrição cambial, com crescente desemprego e nível de pobreza, o governo de Buenos Aires pensou em recorrer ao Brasil, com o amigo e parceiro, Lula.
A ideia era buscar financiamento para a importação de produtos industriais brasileiros. Isso poderia interessar ao Brasil, cujas exportações para a Argentina caíram fortemente, substituídas pela crescente presença da China que passou a ocupar o lugar do Brasil como principal parceiro comercial da Argentina. O Brasil perdeu US$ 6 bilhões nas exportações de produtos industriais para a China, que oferece financiamento e meios alternativos de pagamento em moeda chinesa. Do total das exportações brasileiras, 4,6% vão para o mercado argentino.
Na conversa entre os dois presidentes, ficou clara a dificuldade do lado brasileiro no financiamento e, no lado argentino, da garantia do pagamento. Uma possibilidade seria o pagamento do intercâmbio bilateral em moeda local, real e peso, mas a desvalorização do peso e as diversas cotações do dólar tornam difíceis essa alternativa.
Como resultado do encontro, Lula prometeu apoio político e teria dito que já havia conversado com Xi Jinping sobre a situação da Argentina e que iria conversar com o Fundo Monetário Internacional para tentar flexibilizar a pressão sobre a Argentina. Lula mencionou também o possível apoio do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS e se comprometeu a conversar com a nova presidente da instituição, a ex-presidente Dilma Rousseff. No tocante ao FMI, Fernández teria reclamado do pouco apoio que o representante brasileiro está prestando à Argentina nas conversações com o FMI para a renegociação de dívida de US$ 44 bilhões com o Fundo. Lula teria prometido ajudar efetivamente nas negociações, inclusive com a interferência do ministro Fernando Haddad junto à representação do Brasil no FMI, embora pouco possa ser feito nesse particular, porque a decisão não depende apenas do Brasil. Nada mais que isso resultou da conversa presidencial, pelo menos até aqui.
Essa limitação para apoiar as exportações coloca em questão as funções do BNDES e a criação de um Banco para o comércio exterior –o Eximbank e um fundo garantidor. Essa questão que vem sendo discutida há algum tempo, não pode mais ser adiada. Impõe-se a criação do Eximbank para a ampliação das exportações, sobretudo de produtos industriais e de defesa. Fala-se que o Eximbank poderia ser criado no âmbito do BNDES e o fundo garantidor, fora do Banco. Talvez não seja essa a melhor solução, mas o tema deveria ser discutido e concretizado o mais rapidamente possível.
É muito provável que os dois presidentes tenham conversado igualmente sobre o acordo Mercosul-União Europeia e as perspectivas de conclusão das negociações ainda neste ano, apesar de restrições do lado europeu à exportação de produtos agrícolas do grupo e, de outro lado, da Argentina e do Brasil no tocante a compras governamentais que poderiam afetar a indústria dos dois países.
A visita do presidente argentino e a acolhida de Lula indicam a importância do país vizinho para o Brasil e o interesse do governo brasileiro, por razões políticas e econômicas, em ajudar Fernández a encaminhar soluções para superar uma crise econômica que se arrasta há vários anos, e que enfrenta agora uma difícil campanha eleitoral para a eleição, antes do fim do ano, de um novo presidente, em meio a um quadro político nacional incerto e complicado.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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