15 junho 2023

A diplomacia de cúpulas tem utilidade?

Série de encontros de chefes de Estado em diferentes partes do mundo e com vários enfoques mostram que as reuniões vivem momento de alta popularidade. Para embaixador, apesar de ter limitações, as cúpulas são uma ferramenta importante para a negociação entre Estados e servem para amortecer os choques entre o multilateralismo perfeito e puro jogo de poderes

Série de encontros de chefes de Estado em diferentes partes do mundo e com vários enfoques mostram que as reuniões vivem momento de alta popularidade. Para embaixador, apesar de ter limitações, as cúpulas são uma ferramenta importante para a negociação entre Estados e servem para amortecer os choques entre o multilateralismo perfeito e puro jogo de poderes

A assinatura do Tratado de Versalhes (Foto: Exército Francês)

Por Raoul Delcorde*

As cúpulas internacionais sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. Acontecimentos recentes colocaram em destaque várias destas grandes reuniões: o G7 em Hiroshima (19-21 de maio), a cúpula da Liga Árabe em Jeddah (19 de maio), a cúpula para a democracia (em Washington, 29 de março 30), não esquecendo a recente cúpula da Comunidade Política Europeia em Chisinau, em 1º de junho, realizada ao mesmo tempo em que os chanceleres do BRICS se reuniam na Cidade do Cabo. Em breve haverá a cúpula da Otan em Vilnius de 11 a 12 de julho, depois a cúpula do G20 em Delhi de 9 a 10 de setembro.

Em suma, estamos a assistir a uma verdadeira proliferação de cúpulas, o que parece indicar que os stakeholders têm um certo interesse nela. Como acontecem esses encontros de líderes mundiais e, sobretudo, qual é o seu real valor?

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Viena 1815, Paris 1919: referências

Uma cúpula é uma reunião de chefes de estado e de governo onde – normalmente – decisões importantes são tomadas. O Congresso de Viena (1814-1815), que pode ser considerado a primeira cúpula internacional de todos os tempos, reuniu as potências vitoriosas da época (Áustria, Inglaterra, Prússia, Rússia) e traçou um novo equilíbrio europeu que permaneceria, ano ano após ano, até 1914.

Pouco mais de um século depois do Congresso de Viena, a Conferência de Paris de 1919 é a dos vencedores da Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes ali escrito é o resultado das negociações conduzidas no Palácio de Versalhes de janeiro a junho de 1919 entre os três líderes das principais potências (Woodrow Wilson, Lloyd George e Georges Clemenceau).

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O Congresso de Viena e depois a Conferência de Paris já contêm as sementes dos postulados que são a base de qualquer cúpula: uma cúpula é, antes de tudo, um exercício interestatal, e a agenda é inteiramente determinada pela vontade dos Estados participantes, que concordam em fazer prevalecer suas opiniões. Depois devem estar presentes os chefes de Estado ou de governo, porque o sucesso de uma cúpula depende da conivência entre eles: a diplomacia de cúpulas não é diplomacia multilateral. É uma diplomacia de natureza oligárquica ou excludente: o G20 exclui 174 Estados (todos os Estados da ONU que não são membros do G20). A tal ponto que o termo “minilateralismo” foi cunhado para descrever essa forma de governança oligárquica. Finalmente, o que buscamos em uma cúpula é uma visão comum, que cada Estado se compromete a implementar.

Cúpulas regulares e cúpulas extraordinárias

É possível distinguir as duas principais categorias de cúpulas: cúpulas regulares e cúpulas extraordinárias.

As primeiras inscrevem-se numa clássica relação bilateral ou minilateral, marcada por uma certa periodicidade: citemos, entre outros exemplos, as cúpulas franco-alemãs, que se realizam duas vezes por ano, as cúpulas bianuais dos Estados francófonos ou as da Ásia-Pacífico (APEC) e da Otan.

Essas cúpulas são baseadas em regras operacionais bem organizadas por causa de sua frequência. Elas exigem que os líderes que delas participam tenham um certo nível de preparação na medida em que estarão sujeitos ao julgamento de seus pares. Facilitam os acordos entre os chefes de governo e de Estado interessados ​​porque têm a possibilidade, por meio de troca direta, de concluir negociações que podem ter sido retardadas ou bloqueadas pela burocracia. Elas definem uma temporalidade, que é aquela que separa cronologicamente duas cúpulas. O objetivo é então completar uma troca no próximo encontro. Finalmente, a visibilidade (alguns diriam a cenografia) das cúpulas tem a vantagem de estimular os líderes a fazerem o possível para superar obstáculos persistentes e mostrar resultados concretos.

As cúpulas extraordinárias, por outro lado, são eventos diplomáticos que, em princípio, só acontecem uma vez. Uma das mais famosas foi a cúpula de Camp David entre Israel e Egito em setembro de 1978. Os Acordos de Camp David foram assinados naquela ocasião.

O evento resultou em um tratado de paz bilateral israelo-egípcio em março de 1979. Ao contrário das cúpulas regulares, esse tipo de cúpula está sujeito à pressão do tempo. Pontos não concluídos não podem ser adiados para uma futura cúpula.

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Antes do encontro, tudo será feito para evitar o fracasso. Assim, no campo do desarmamento nuclear, as negociações iniciadas em 1969 em Helsinque sob o nome de SALT (Strategic Arms Limitation Talks) progrediram com dificuldade. Mas o anúncio da cúpula Nixon-Brezhnev em Moscou em maio de 1972 teve um efeito acelerador. Os acordos SALT foram concluídos entre os Estados Unidos e a URSS em maio de 1972, coincidindo com a cúpula de Moscou.

Muitas vezes, essas cúpulas extraordinárias também são oportunidades para desenvolver laços pessoais entre líderes políticos. Vemos que os dirigentes americanos gostam de organizar cúpulas em lugares que são semi-resorts (Camp David, o rancho Reagan, o de George W. Bush) onde se dá prioridade não tanto às reuniões de trabalho como aos passeios e momentos de descontração, onde os líderes devem retirar a armadura e se tornar mais… humanos.

George W. Bush, Vladimir Putin e as primeiras-damas caminham pelo rancho do presidente americano em Crawford, Texas, em 2001 (Foto:Eric Draper/Whitehouse.gov)

As cúpulas do G7 (G8 até à exclusão da Rússia em 2014) são preparadas com bastante antecedência pelos sherpas, verdadeiros “especialistas em cúpulas”, com o posto de vice-ministro ou secretário de Estado, por vezes como assessor diplomático (Jacques Attali foi o sherpa de François Mitterrand). O termo é emprestado do vocabulário dos guias de montanha no Himalaia. Os próprios sherpas são assistidos por “sous-sherpas”, um econômico-financeiro, outro diplomático. Os sherpas formam uma comunidade de especialistas que se reúnem regularmente e coordenam os preparativos para as cúpulas. Sua proximidade com chefes de Estado ou de governo os torna especialistas influentes e essenciais.

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Analisando o papel dos sherpas, Noël Bonhomme explica que “as reuniões dos sherpas experimentaram uma codificação crescente marcada pelo mimetismo em relação às cúpulas, tanto na duração quanto na organização do trabalho. […] Especialistas em um campo (assuntos econômicos) e encarregados de uma missão específica (preparação de discussões), eles foram cada vez mais os principais contratantes para o exercício da diplomacia multifacetada”

Os sherpas são o elo entre líderes políticos e negociadores diplomáticos. Muitas vezes são eles que estabelecem os compromissos, mesmo que seja o poder político que leva todo o crédito. São eles também que elaboram as tradicionais declarações políticas de fim de cúpula, conhecidas como comunicados finais.

Por último, não podemos esquecer o custo das cúpulas, cada vez mais dispendiosas, nomeadamente pelos custos relacionados com a proteção dos participantes. Assim, o G7 em La Malbaie (Canadá) em 2018 custou o equivalente a US$ 450 milhões. Isso obviamente desperta reações negativas na opinião pública. Com as perguntas habituais: precisamos de cúpulas? Podemos torná-las mais baratas?

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Limites reais, mas alguns méritos

Tudo parece indicar que a tendência contemporânea é de multiplicação de cúpulas, sejam periódicas ou ad hoc. A diplomacia de cúpulas parte do predicado de que o concerto de poderes é condição necessária e suficiente para uma governança global efetiva. Mas esta ideia é algo ilusória porque são sobretudo os Estados que asseguram a regulação, seja no domínio da segurança internacional ou do desenvolvimento. No entanto, o “G7” e o “G20” muitas vezes produzem consultas sem decisão, o que leva inevitavelmente à imobilidade.

Ainda assim, as cúpulas têm alguns méritos. Antes de mais nada, constituem uma forma de aprender a negociar para Estados bastante habituados a posturas unilaterais, como foi o caso da Rússia durante os 17 anos (1997-2014) em que pertenceu ao G8. A diplomacia de cúpula é útil desse ponto de vista, pois cria conivência entre os Estados – nisso, vai ao encontro das relações de poder inspiradas no Tratado de Westfália de 1648, que codificou a coexistência de Estados-nação soberanos, levando à Concerto da Europa do século XIX (consagrado pelo Congresso de Viena em 1815).

Ao mesmo tempo, promove a ideologia dos “clubes” (o P5 do Conselho de Segurança, o G7 ou G8, etc.) que leva a uma tensão permanente entre os que estão nele e os que gostariam de ser — o que é chamado de rebaixamento, como foi o caso do Império Otomano no século XIX (não foi admitido no Concerto Europeu), e como mostra a exclusão da Rússia do G8 em 2014 após a anexação da Crimeia. Esse rebaixamento também é sentido hoje pelas potências emergentes que reivindicam ampliar a composição do Conselho de Segurança e se chocam com os cinco membros permanentes.

Concluímos com Dominique de Villepin: as cúpulas, acredita o ex-chefe da diplomacia francesa, “constituem um quadro essencial da globalização para amortecer os choques entre o nível do multilateralismo perfeito e o do puro jogo de poderes”.


*Raoul Delcorde é embaixador honorário da Bélgica e professor convidado na Université catholique de Louvain (UCLouvain)


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em francês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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