O que este grande e agora conhecido tem a dizer para o mundo?
Pouco conhecido no exterior até a Segunda Guerra Mundial, o Brasil tem a prioridade histórica de buscar ampliar seu status internacional. Para diplomata, o país está em situação mais vantajosa atualmente, mas as políticas públicas e as mensagens que as acompanham têm de ser duradouras, consistentes e condizentes com a gravidade da situação global
Pouco conhecido no exterior até a Segunda Guerra Mundial, o Brasil tem a prioridade histórica de buscar ampliar seu status internacional. Para diplomata, o país está em situação mais vantajosa atualmente, mas as políticas públicas e as mensagens que as acompanham têm de ser duradouras, consistentes e condizentes com a gravidade da situação global
Por Hayle Melim Gadelha*
Um relatório de 1936 sobre a imagem do Brasil no Reino Unido, encomendado ao diplomata e dramaturgo Paschoal Carlos Magno, parte do pressuposto que éramos um “grande desconhecido” do público local (1). No livro em que nos atribuiria a alcunha que carregamos até hoje de “país do futuro”, Stefan Zweig não economizava elogios sobre suposta harmonia social brasileira. Seu entusiasmo, muitas vezes exagerado, encontrava limites na cultura – nesta seara, permanecíamos, para o ilustre visitante, uma “terra incógnita” (2). O também dramaturgo Antonio Callado, quando trabalhava como correspondente da BBC nos anos 1940, escreveu que mesmo aqueles britânicos que conheciam o Brasil não teriam muito mais o que associar ao país que borboletas (3).
As crises econômicas e políticas que culminaram com a Segunda Guerra Mundial haviam alimentado isolacionismo europeu que afastava o Brasil dos pontos nodais de circulação da informação. Naquele período, Getúlio Vargas estabeleceu relação simbiótica com o meio artístico para criar uma identidade nacional baseada na coesão social em torno de um projeto modernizador. Parte fundamental desse projeto consistia em projetar externamente a ideia de uma potência regional em rápida ascensão e industrialização.
Em 1943, no documento que seu chanceler Oswaldo Aranha preparou para subsidiar encontro secreto com o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt em Natal, figurava como prioridade diplomática brasileira a elevação de nosso status internacional (4). Essa seria a condição para obter financiamento para a instalação de complexo siderúrgico e para equipar e treinar as Forças Armadas do país, objetivos primeiros do regime varguista.
Fazia-se necessário, assim, superar antigas percepções de um Brasil agrário-exportador com estruturas arcaicas de produção. Após o ataque a Pearl Harbor e com o esgotamento do modelo de “equidistância pragmática” em que Vargas buscou barganhar vantagens em meio à disputa por influência entre Estados Unidos e Alemanha, a diplomacia brasileira apostou no aumento de prestígio entre os Aliados (5).
A eclosão da Segunda Guerra conferiu ao país centralidade geopolítica sem precedentes – supria insumos estratégicos, patrulhava a costa do Atlântico Sul, franqueava o uso de base aérea vital para as operações no norte da África e trabalhava pelo consenso latino-americano contra o Eixo.
Nesse contexto, levou-se a cabo operação eficiente de repaginação da imagem brasileira no exterior. O patrocínio do escritório de assuntos interamericanos (OCIAA) às famosas missões de Carmem Miranda, Orson Welles e Walt Disney, que criou o personagem Zé Carioca, transformou a relação entre brasileiros e estadunidenses.
O pavilhão modernista na exposição universal de 1939 em Nova York, projetado por Lucio Costa e Oscar Niemeyer e adornado com a pintura Café de Candido Portinari, ofereceu ao regime de Vargas o “passaporte para o amanhã” (6). O próprio envio da Força Expedicionária Brasileira para lutar no norte da Itália respondia, em grande parte, a considerações propagandísticas, para utilizar o termo então em voga.
Foi, porém, a arquitetura moderna, divulgada ao mundo na exposição Brazil Builds, no MoMA de Nova York, que nos posicionou como uma sociedade apta a aportar simbolicamente à comunidade das nações. A prestigiosa Architectural Review afirmaria, enfaticamente, que a arquitetura brasileira era, sem lugar a dúvidas, a melhor do mundo moderno (7). Enquanto os europeus submergiam nos horrores da Guerra, o Brasil havia desenvolvido inovações que transformariam a maneira de construir em todo o planeta.
Dado o pouco conhecimento que se tinha do Brasil nos anos 1940 exigiram-se ações de grande impacto para chamar a atenção para o país, mas alterar sua vaga reputação foi relativamente fácil.
Hoje a presença brasileira no mundo é notada nas mais diferentes áreas. Nossa imagem complexa e multifacetada torna descomplicado acessar os canais de comunicação, mas muito mais difícil mudar as percepções sobre o país no imaginário externo.
Uma vez mais, crises múltiplas (e notadamente a catástrofe sanitária da Covid-19) levaram à introversão das sociedades nacionais. Novamente está em curso um rearranjo da ordem global, em que polos de poder competem por zonas de influência. Também desta feita, o Brasil ocupa lugar de relevo na geopolítica internacional, porquanto é ator iniludível nas agendas de segurança alimentar, energética e ambiental. Desponta, nestes tempos turbulentos, como país emergente com condições de consolidar-se como interlocutor confiável.
Tal como nos idos da Segunda Guerra, floresceram, durante os últimos anos, correntes originais e inovadoras de pensamento em diversos campos criativos. Novas gerações de intelectuais e artistas brasileiros, quando parece refluir parte da instabilidade que experimentamos recentemente, surgem dos escombros com massa crítica acumulada.
A democratização do acesso à informação havia ensejado um conhecimento plural e potente só possível de manifestar-se no rico caldo de cultura do Brasil. Os outrora invisíveis são os protagonistas de movimentos capazes de afetar positivamente o progresso humano. Desde que se logre superar os urgentes desafios da intolerância, da violência e da desigualdade, o país pode resgatar e ampliar sua marca de inclusivo, a solidário e sustentável.
As borboletas da terra incógnita pertencem ao país do passado; dos anos 1940 para cá, de fato elevamos nosso lugar no mundo. É hora de assumirmos as responsabilidades que tanto reclamamos. Permanecem inalteradas as ambições brasileiras de desenvolver-se e de, por meios pacíficos, influir nas pautas multilaterais e aumentar seu peso nos fóruns decisórios.
Nossas renovadas credenciais culturais têm o condão de mobilizar a sociedade em torno de um projeto nacional, de aproximá-la dos valores predominantes na comunidade das nações e, mais além, de forjar as normas e os princípios sobre os quais edificaremos um mundo mais generoso, sustentável e equilibrado.
Para terem efeito sobre a reputação de um Brasil já conhecido e relevante no sistema internacional, as políticas públicas e as mensagens que as acompanham têm de ser duradouras, consistentes e condizentes com a gravidade da disjuntiva em que se encontra a humanidade.
*Hayle Melim Gadelha é colunista da Interesse Nacional, diplomata e doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Suas opiniões pessoais não necessariamente refletem a posição oficial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Referências:
1. Magno, Pachoal Carlos. Carta para Alfredo Polzin . Londres: Consulado do Brasil, 1936.
2. Zweig, Stefan. Brazil: a Land of the Future. Riverside: Ariadne, 1941.
3. Callado, A C. Brazilian sculpture. The Studio. 10 1943, p. 133.
4. Lochery, Neill. Brazil: the fortunes of war. Nova York: Basic Books, 2014.
5. Moura, Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
6. Williams, Daryle. Culture of Wars in Brazil. Duke University: Durham, 2001.
7. Sitwell, Sacheverell. The Brazilian style. Architectural Review. 1/1944.
Hayle Melim Gadelha é colunista da Interesse Nacional, diplomata e doutor em relações internacionais pelo King’s College London. É autor do livro "Public Diplomacy on the Front Line: The exhibition of modern Brazilian paintings". (Anthem Press).
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