A Guerra entre Israel e Irã
O conflito em Gaza tem resultado imponderável porque depende não só do combate no terreno, mas também da opinião pública norte-americana e do dilema iraniano. Para embaixador, assim como a Guerra do Vietnã, confronto atual pode ser decidido pela política em Washington e não pelas armas
O conflito em Gaza tem resultado imponderável porque depende não só do combate no terreno, mas também da opinião pública norte-americana e do dilema iraniano. Para embaixador, assim como a Guerra do Vietnã, confronto atual pode ser decidido pela política em Washington e não pelas armas
Por Sergio Abreu e Lima Florêncio*
A guerra entre Israel e Hamas tem dois grandes ausentes-presentes de importância decisiva. Os EUA, porque são o único país capaz de pressionar Israel; e o Irã, porque dele dependem as ações do Hamas e do Hezbollah.
A expansão ou não do conflito também está nas mãos desses dois atores. Os EUA, porque, ao estacionarem seu maior porta-aviões, Gerald Ford, próximo a Israel, advertem atores extrarregionais para o grande perigo de se envolverem no conflito. O Irã, porque dele chegam as ordens para movimentos insurgentes – Hezbollah, Jihad Islâmica, Houthis – atuarem com maior ou menor intensidade na guerra.
O curso do conflito dependerá do comportamento de três principais variáveis.
- Primeiro, a guerra de atrito, nas ruas e nos túneis da Faixa de Gaza, entre um ator com sofisticada tecnologia de guerra e seu oponente com reduzido poder bélico, mas que conhece o terreno como a palma de sua mão.
- Segundo, os efeitos do conflito sobre a opinião pública norte-americana que, nas eleições do próximo ano, poderá trazer de volta Donald Trump – o presidente da história dos EUA mais identificado com a extrema-direita israelense.
- Terceiro, o atual dilema iraniano: a difícil escolha entre exacerbar ou moderar os ataques a Israel via seus principais procuradores, o Hezbollah e a Jihad Islâmica.
Primeira variável: A experiência histórica a respeito do embate entre um exército convencional e milícias urbanas com conhecimento privilegiado do terreno e da população tende a favorecer as forças milicianas.
De fato, nos 15 anos transcorridos desde 2005, quando houve a desocupação de Gaza pelas Forças de Defesa Israelenses (FDI), ocorreram seis conflitos, sem resultar na eliminação do Hamas. Entretanto, a magnitude da atual ofensiva israelense e sua determinação política são muito superiores a todas as anteriores.
Assim, o resultado é realmente imponderável, porque dependerá não só do combate no terreno, mas também das duas outras variáveis envolvidas – a opinião pública norte-americana e o atual dilema iraniano.
O quadro político israelense pouca influência deverá ter sobre os rumos da guerra. O ataque surpresa do Hamas provocou uma união nacional e exigiu do enfraquecido Netanyahu a formação de um governo de coalizão, com participação de liberais e da esquerda. Entretanto, o fim do conflito produzirá certamente a morte política de Netanyahu e de seu projeto autoritário de amordaçar o Judiciário, contestado nas ruas por milhões de pessoas
Segunda variável: O conflito atual, pela enorme repercussão sobre a geopolítica mundial (que eclipsou a guerra na Ucrânia), afeta o comportamento da opinião pública norte-americana a respeito da gestão Biden e de suas chances de reeleição. Assim como a Guerra do Vietnã se decidiu em Washington (política) e não em Hanói (militar), o atual conflito não terá desenlace apenas na Faixa de Gaza.
Diante dessa constatação, é preciso avaliar o papel dos EUA. No início do conflito, a imagem dos EUA ficou profundamente abalada, pela identificação natural com a de Israel, que surpreendeu o mundo pela inédita ineficiência das FDI. O desgaste da imagem foi-se agravando na medida em que as 1.400 mortes de israelenses pareciam conduzir Israel a uma contraofensiva de consequências humanitárias devastadoras. Os EUA deveriam pressionar Israel para evitar esse cenário, mas ao mesmo tempo precisavam assegurar o direito de autodefesa do aliado.
Esse difícil dilema ficou magnificado no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), com o projeto de resolução, negociado pela presidência brasileira, que condenava o ataque terrorista do Hamas e defendia um corredor humanitário. O tom equilibrado do projeto, somado ao voto a favor de 12 dos 15 membros (França e China votaram a favor) colocaram os EUA em posição isolada no CSNU. Isso contribuiu para o desgaste, já agravado pela recusa inédita dos países árabes de comparecerem a encontro com Biden durante sua visita a Israel.
Os EUA são o único país com poder de terminar a guerra. Caso não vetassem e a resolução no âmbito da ONU, perderiam essa condição de ser uma espécie de árbitro da guerra. Tal situação condicionou o veto norte-americano e a decisão de partir para o unilateralismo, mesmo totalmente isolado no CSNU.
O veto priorizou a contraofensiva israelense e colocou em segundo plano a janela humanitária, o que permitiu intensos bombardeios contra alvos do Hamas, o início do ataque terrestre e o cerco pretendido da área mais ocupada pelo Hamas. Já cumprida essa etapa, o que vemos agora é a prioridade para ações humanitárias, tanto por parte de Israel, como dos EUA e sem obstrução do Hamas.
Apesar do grande desgaste de Biden no início do conflito – agravado pela inédita recusa dos líderes árabes de recebê-lo e do isolamento no Conselho de Segurança – um hipotético desfecho da guerra, tendo os EUA como arquiteto, poderá ser lido como eventual vitória do presidente americano. Isso deverá gerar dividendo eleitoral, sobretudo porque será acompanhado da queda praticamente certa de Netanyahu, o aliado incondicional de Trump.
Terceira variável: No atual momento da guerra, talvez o Irã tenha o principal papel. No início do conflito, os EUA foram fundamentais, ao selarem o firme apoio a Israel, tanto em termos militares (envio do porta-aviões) como diplomáticos (veto isolado no CSNU). Na fase atual a grande dúvida diz respeito à magnitude do envolvimento do Hezbollah, que atende ordens de Teerã.
O Irã não tem interesse em envolvimento direto no conflito. O país se beneficia da guerra por procuração (proxy war), sua entrada no conflito provocaria retaliação israelense de proporções imprevisíveis e com capacidade de colocar em risco a continuidade do programa nuclear iraniano – a grande prioridade de poder do país.
Caso a contraofensiva israelense se transforme em morticínio devastador de civis, uma reação vigorosa do Hezbollah será provável. Tal circunstância torna mais agudo o dilema iraniano – alimentar ou desestimular as ações do Hezbollah.
A primeira opção fortalece o cenário de agravamento militar do conflito, o que, no limite, poderá exigir a entrada do Irã na guerra – alternativa negada pelo Líder Supremo Khamenei e indesejável pelas razões expostas. Mas a segunda alternativa também é problemática. Ela traz a mensagem, para os mencionados grupos insurgentes, de inflexão para uma política iraniana menos radical na região, o que poderá afastar esses grupos do Irã. Como esse país se afirma no âmbito regional pelo apoio às facções insurgentes que desestabilizam os governos, a perda de apoio desses grupos fragiliza sua política externa.
Possíveis desdobramentos: A Guerra do Vietnã foi decidida pela política em Washington e não pelas armas em Hanói. O conflito entre Israel e Hamas poderá ter destino semelhante.
Se os EUA são o único país com poder e influência para impor limites a Israel, o Irã pode delimitar o envolvimento do Hezbollah. De um lado do tabuleiro é forte o peso da opinião pública e sua repercussão nas eleições presidenciais. Do outro, onde a opinião pública é quase irrelevante, prevalecem o poder de influência regional e o risco que um agravamento do conflito pode trazer para o programa nuclear iraniano. Mas nenhum dos dois atores tem interesse em envolvimento direto no conflito. Os EUA, pelo alto custo político de experiências frustradas – Vietnã, Afeganistão, Iraque. O Irã, pela vantagem da guerra por procuração, tendo a fidelidade do Hezbollah. Uma vez mais, EUA e Irã são os Senhores da Guerra.
*Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco, economista e foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Sergio Abreu e Lima Florêncio é colunista da Interesse Nacional, economista, diplomata e professor de história da política externa brasileira no Instituto Rio Branco. Foi embaixador do Brasil no México, no Equador e membro da delegação brasileira permanente em Genebra.
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