Daniel Buarque: O Brasil e o continente esquecido pela geopolítica
Em meio a tensões globais, América Latina pacífica e distante de conflitos acaba ficando distante e isolada de disputas entre as grandes potências. Posição dá mais liberdade de ação a governos locais, mas dificulta na busca por relevância internacional
Em meio a tensões globais, América Latina pacífica e distante de conflitos acaba ficando distante e isolada de disputas entre as grandes potências. Posição dá mais liberdade de ação a governos locais, mas dificulta na busca por relevância internacional
Por Daniel Buarque
A demora em conseguir a liberação de brasileiros presos na Faixa de Gaza durante a guerra entre Israel e o Hamas levou a uma série de discussões sobre a habilidade da diplomacia brasileira, uma possível retaliação diplomática do governo israelense e mesmo sobre o prestígio do país e a capacidade do Brasil de influenciar decisões em outros países. Indo além de questões sobre a agência brasileira, o caso pode estar ligado ao “esquecimento” do resto do mundo em relação ao país e a toda a América Latina em meio a complicadas e violentas disputas geopolíticas na Europa, na Ásia e no Oriente Médio.
“A terra que a geopolítica esqueceu” é como um artigo publicado recentemente pela revista Foreign Affairs se refere à América Latina.
“Uma nova ordem mundial bipolar ou multipolar está se desenhando com o surgimento de conflitos e instabilidades da Ucrânia ao Oriente Médio ao Mar do Sul da China, mas a América Latina se encontra totalmente à margem”, diz o texto assinado por Will Freeman, diretor do programa das Américas no Center for Strategic and International Studies, e Ryan C. Berg, pesquisador de América Latina no Council on Foreign Relations – dois dos principais think tanks dos EUA.
De acordo com a análise, esta posição deixa os países latino-americanos de fora de oportunidades econômicas e sem receber auxílio das grandes potências. Isolados, países como o Brasil têm dificuldades em conseguir uma voz forte nas relações internacionais – como se viu na incapacidade brasileira de aprovar uma resolução por uma pausa na guerra na Faixa de Gaza.
Este tipo de avaliação foi frequente em entrevistas realizadas em minha pesquisa de doutorado sobre o status internacional do Brasil. Vários membros da comunidade de política externa das grandes potências globais alegaram que o país tem sua capacidade de ação global limitada por estar em uma região pacífica e distante dos principais focos da atenção global. Sem gerar graves problemas para o resto do mundo e envolvimento direto em grandes questões da segurança do planeta, o Brasil e a América Latina não conseguiam fazer suas vozes serem ouvidas. A geografia atrapalha os planos do país em geopolítica.
O artigo avalia que estar de fora do grande jogo político global também pode gerar vantagens para a América Latina. Ele destaca que desde o fim da Guerra Fria viu-se menos intervenções internacionais no continente, o que permitiu que os governos locais tivessem mais liberdade para agir. Fora dos holofotes das potências, os países não se tornam alvos de disputas e escapam de possíveis influências negativas. A América Latina se tornou mais livre, o que acabou tendo consequências positivas até para o estado da democracia no continente.
Outro ponto importante é que os pesquisadores alegam que esse isolamento pode mudar com o tempo. O aumento da polarização entre os Estados Unidos e a China tem o potencial de trazer a América Latina de volta ao palco das disputas globais, “com seus perigos e oportunidades”, dizem. Além disso, há espaço para os países latino-americanos atuarem com importância em questões fundamentais, como a luta contra o aquecimento global.
No caso específico do Brasil, pode-se apontar ainda uma outra vantagem dentro do objetivo do país de ter um papel global relevante. O “esquecimento” das grandes potências em relação ao continente abre uma oportunidade para a ascensão de uma liderança regional forte, que seja capaz de falar por toda a região. O país provavelmente não enfrentaria grandes pressões externas na tentativa se se consolidar como um líder da América Latina, e poderia até ser visto com bons olhos ao formar um bloco mais homogêneo que pudesse representar os países hoje em dia sem voz em uma situação de maior relevância geopolítica.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional