Protegendo civis em operações de paz – O Conselho de Segurança e casos de atrocidades
Estudo investiga como o CSNU reage a eventos de atrocidades massivas por meio de suas operações de paz. Pesquisadores identificaram resultados mistos, com adição de tarefas protetivas aos mandatos após episódios em alguns países, mas sem gerar modificações substanciais em outros
Estudo investiga como o CSNU reage a eventos de atrocidades massivas por meio de suas operações de paz. Pesquisadores identificaram resultados mistos, com adição de tarefas protetivas aos mandatos após episódios em alguns países, mas sem gerar modificações substanciais em outros
Por Miguel Mikelli Ribeiro e Antonio Pires*
Na virada do século XX, a defesa de civis em operações de paz deu um salto com a norma de Proteção de Civis em Conflitos Armados (PoC), estabelecida pela Resolução 912 de 1994. Com a Responsabilidade de Proteger (R2P), que impõe aos Estados o dever político de salvaguardar civis de atrocidades, a estrutura protetiva da ONU foi reforçada. A interligação de R2P e PoC pelo Conselho de Segurança da ONU (CSNU) em 2006 estabeleceu uma obrigação global de proteção a civis em conflitos, destacando prevenção e resposta.
Os referenciais normativos de R2P e PoC orientam o CSNU no enfrentamento de atrocidades em massa, com a gravidade dos conflitos, marcada por mortes civis e crises de refugiados, muitas vezes guiando a agenda do conselho além das políticas das grandes potências. O secretário-geral (SG) e os representantes especiais desempenham papéis cruciais na elaboração de mandatos de manutenção da paz, informando e influenciando o Conselho.
Apesar de crises de alta violência moldarem a abordagem do CSNU em mandatos de força, as decisões não seguem um padrão uniforme. Os desenhos estratégicos dos mandatos frequentemente privilegiam a proteção de grupos específicos, indicando uma mudança doutrinária em direção ao uso da força para proteção de civis, mesmo que de maneiras distintas em diversos contextos de manutenção da paz.
Dessa forma, em quais circunstâncias o CSNU ajusta efetivamente os mandatos de operações de paz para proteger civis durante atrocidades massivas? Especificamente, o CSNU é responsivo, adaptando mandatos para torná-los mais protetivos quando episódios de atrocidades são relatados durante missões de paz?
Entre 2006 e 2017, dados qualitativos sobre a atuação do CSNU revelam resultados mistos. Este é o cerne do nosso artigo, publicado recentemente na International Peacekeeping, buscando responder a essas questões. A pesquisa, intitulada Mass Atrocities, Peace Operations, and the UNSC: How Responsive is the UN Security Council to Atrocity Events through Peacekeeping Mandates? cobriu missões em quatro países, dentro do respectivo período: Sudão, Sudão do Sul, Costa do Marfim e República Democrática do Congo.
Identificamos que, em missões no Sudão e Sudão do Sul, o CSNU adicionou novas tarefas protetivas aos mandatos após episódios de atrocidades, especialmente no segundo caso. Por outro lado, na República Democrática do Congo e na Costa do Marfim, as atrocidades não geraram modificações substanciais nos mandatos em termos de segurança. Essa análise contribui para o debate sobre proteção de civis, R2P e operações de paz, explorando como o CSNU responde a atrocidades massivas em operações de paz.
Nosso estudo investiga como o CSNU reage a eventos de atrocidades massivas por meio de suas operações de paz. Para isso, combinamos três bases de dados: mandatos e operações de paz (Peacekeeping Mandates – PEMA), atrocidades (Targeted Mass Killings – TMK) e conflitos armados (Uppsala Conflict Data Program – UCDP).
Nossa análise avalia se e em que medida os mandatos são ajustados após eventos de atrocidades massivas, observando a inclusão de tarefas específicas de segurança, como proteção de civis, assistência humanitária, operações militares, proteção de refugiados e deslocados internos, e uso da força.
Na República Democrática do Congo em 2009, operações conjuntas com Ruanda contra a FDLR resultaram em abusos significativos dos direitos humanos. O Conselho adotou a Resolução 1906 após o término do evento. O segundo caso envolveu disputas sobre a autoridade tradicional na província de Kasai Central entre o final de 2016 e início de 2017. O conselho, já adotando resoluções com várias tarefas de segurança, incluiu mais parágrafos sobre proteção de civis após o início dos eventos.
Na Costa do Marfim, três eventos ocorreram entre o final de 2010 e o final de 2011, após disputas eleitorais. O conselho reagiu com várias resoluções, não focando no ajuste dos mandatos, mas sim no aumento das capacidades militares, renovação de sanções e extensão do mandato do Grupo de Especialistas da ONU.
No Sudão, o conflito no Cordofão do Sul em 2011 levou a ataques contra o grupo étnico Nuba. O conselho adotou a Resolução 2003, com quatro novas tarefas de segurança. Em 2014, campanhas violentas em Darfur pelas Forças de Apoio Rápido do governo resultaram em respostas do CSNU, incluindo a Resolução 2173, que introduziu cinco novas tarefas.
A resposta aos conflitos no Sudão do Sul seguiu a tendência, mas de forma mais aguda. Em dezembro de 2013, um conflito civil emergiu no país devido a divisões políticas internas no Movimento Popular de Libertação do Sudão, detectando dois eventos de atrocidades massivas. O conselho, que antes mencionava o uso da força e a proteção de civis em resoluções, aumentou o número de parágrafos sobre esta última e adicionou tarefas relacionadas a refugiados, deslocados internos, assistência humanitária e direitos das crianças.
Destaque-se que os eventos no Sudão do Sul foram classificados como atingindo níveis de genocídio de acordo com a base TMK. O caso foi considerado típico no estudo devido à relação clara entre eventos de atrocidades massivas e mudanças nos mandatos das missões de paz. Realizamos um estudo de caso para entender melhor as dinâmicas por trás do ajuste de mandatos relacionado a esses eventos.
No Sudão do Sul, apesar dos esforços internacionais, a violência persistiu, com cerca de 400 mil mortes durante a guerra civil. Um segundo acordo de paz em 2018 desacelerou a crise, e o CSNU continuou renovando as resoluções e mantendo as tarefas de proteção. Apenas em 2016, a resolução 2.304 autorizou operações militares ofensivas. Este caso exemplifica a resposta complexa do Conselho a situações de conflito severo.
De modo geral, os casos ilustram as diferentes dinâmicas por trás das respostas do Conselho e como ela pode ser variada. Esse foi um primeiro olhar mais específico sobre a relação entre mandatos, operações de paz e eventos de atrocidades. Nesse sentido, há a necessidade de pesquisas mais amplas, integrando maiores possibilidades de respostas, para aprofundar o entendimento sobre como os acontecimentos on the ground influenciam as decisões do CSNU.
*Miguel Mikelli Ribeiro é colunista do Interesse Nacional e professor de relações internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em RI pela Universidade Estadual da Paraíba e doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco. É autor do livro Política internacional contemporânea: questões estruturantes e novos olhares.
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Antonio Pires é doutorando em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Miguel Mikelli Ribeiro é colunista do Interesse Nacional e professor de relações internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em RI pela Universidade Estadual da Paraíba e doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco. É autor do livro "Política internacional contemporânea: questões estruturantes e novos olhares".
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