O Brasil e as multinacionais chinesas
As empresas da China estão se transformando em multinacionais no estilo ocidental, o que abre uma oportunidade de atração de investimentos no Brasil por meio de ação governamental que poderia dar prioridade aos setores de nosso interesse
As transformações na economia global estão gerando grandes desafios, mas também oportunidades significativas para países como o Brasil.
A competição entre os EUA e a China nos campos econômico, comercial e tecnológico está afetando as empresas chinesas pelas restrições à importação de componentes sensíveis, a imposição de cotas de importação de produtos chineses nos mercados desenvolvidos e gerando a necessidade de elas buscarem mercados em países não sujeitos a eventuais sanções. Além desses fatores externos, acrescente-se a desaceleração da economia chinesa, o aumento dos salários, quadruplicados desde 2010, e a perda de poder de compra pelos consumidores domésticos, forçando as empresas chinesas a buscar mercados no exterior.
A combinação dessas novas realidades tem obrigado as empresas chinesas a repensar suas estratégias de comercialização e olhar para novas formas de negociar seu crescimento no mercado global. Nesse contexto, começam a ser delineadas novas formas e políticas de ação externa das empresas chinesas para evitar perdas com as restrições comerciais, eventuais sanções de motivação política e dificuldades no mercado interno.
Dentre as novas políticas de comercialização de seus produtos, as empresas chinesas passaram a buscar mercados entre os países em desenvolvimento, a produzir no exterior para exportar para os EUA e a associar-se a empresas de países emergentes a fim de produzir para o mercado interno e mesmo para exportar a terceiros países.
Em uma perspectiva de médio prazo, a justificativa para a fabricação de produtos no exterior deverá se fortalecer. À luz das restrições comerciais, as empresas chinesas vão ampliar suas vendas no exterior na medida em que transferirem sua produção a países ocidentais.
A maior parte dessa nova política, contudo, se concentra nos países em desenvolvimento, como indicam os números de 2023 para o destino do investimento produtivo direto da China.
A Transsion abriu fábrica na Etiópia, o que facilita a distribuição de telefones por toda a África de forma rápida e barata. As três maiores empresas de energia solar, excluídas do mercado americano por tarifas antidumping, passaram a produzir no Sudeste da Ásia e de lá exportam para os EUA. A State Grid, de energia, está presente em diversos países, inclusive no Brasil. A BYD, empresa de montagem de veículos elétricos, abriu fábricas na Tailândia e no Brasil. A Catl, empresa que fabrica baterias, vai expandir sua produção com investimentos no Marrocos e na Turquia.
As empresas chinesas estão se transformando em multinacionais no estilo ocidental, passando a competir nos países em desenvolvimento com as empresas dos principais países desenvolvidos.
Em 2016, as empresas americanas e europeias juntas geraram 15 vezes mais vendas no exterior do que as empresas chinesas nos países em desenvolvimento. Essa proporção diminuiu para cinco desde então. Hoje as empresas chinesas já vendem mais do que as japonesas no mundo em desenvolvimento. As empresas com sede na China geraram apenas US$ 1,5 trilhão em receitas estrangeiras em 2021 (17% do PIB), enquanto as norte-americanas arrecadaram US$ 5,8 trilhões (34% do PIB) e as europeias, US$ 6,4 trilhões Alemanha 47% do PIB), segundo informações da The Economist.
Abre-se, assim, uma oportunidade de atração de investimentos de empresas chinesas no contexto de uma ação governamental que poderia dar prioridade aos setores de nosso interesse.
Um dos setores que, se houvesse uma política industrial para captar investimentos, poderia se beneficiar da nova tendência das empresas chinesas é o de minérios. O Brasil dispõe de grandes jazidas de uma ampla variedade de minérios raros e estratégicos. Seria importante para o setor privado e para o governo, ao invés de ser um fornecedor preferencial de minérios sensíveis para os países desenvolvidos, negociar com empresas chinesas e de outros países, inclusive ocidentais, a produção no Brasil de bens, como baterias, por exemplo, que incorporam minérios estratégicos.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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