Na ONU, Lula reforça a pauta de busca de protagonismo global para o Brasil
Apesar dos desafios enfrentados pela política externa brasileira tanto no âmbito doméstico como internacionalmente desde o início do terceiro mandato de Lula, o discurso brasileiro na ONU demonstra, mais do que nunca, um desejo do atual governo de elevar o status internacional do Brasil
Em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupou o palco por pouco mais de 18 minutos e tentou projetar o Brasil como um protagonista nos principais temas da política internacional contemporânea. Apesar dos desafios enfrentados pela política externa brasileira tanto no âmbito doméstico como internacionalmente desde o início do terceiro mandato de Lula, o discurso brasileiro na ONU demonstra, mais do que nunca, um desejo do atual governo de elevar o status internacional do Brasil.
Em sua fala, o presidente abordou questões amplas e urgentes. Três temas tiveram maior destaque: paz e segurança internacionais, a emergência climática e a necessidade de reforma na governança global. Outros tópicos tradicionais de sua política externa também apareceram, porém com menos evidência.
Antes de entrar nos tópicos de discurso, o presidente começou sua intervenção cumprimentando a delegação da Palestina, que, pela primeira vez, participou como observador. Essa menção gerou o primeiro de três momentos de aplausos, sendo os outros dois dedicados à crítica à ausência de mulheres no cargo de secretária-geral da ONU e à falta de representantes da América Latina e África no Conselho de Segurança.
O primeiro tema propriamente dito, tratado no discurso, foi a instabilidade internacional em relação à paz e segurança. O destaque ficou por conta dos conflitos na Ucrânia e em Gaza. A postura brasileira frente à guerra na Ucrânia foi particularmente interessante, tanto por classificar explicitamente a ação russa como uma invasão, como por ter afirmado sua condenação. Em nova busca de alçar o Brasil como o possível mediador do conflito, Lula mencionou uma proposta conjunta com a China para solucionar o conflito, resumida em seis pontos.
Sobre Gaza, o discurso brasileiro expressou profunda preocupação com a escalada da violência, incluindo as operações israelenses no Líbano. Sem citar diretamente Israel, o presidente criticou o que chamou de “punição coletiva” e o alto número de vítimas, afirmando que o direito à defesa transformou-se em um “direito de vingança”. Para além da tragédia do conflito em si, esse tom mais severo reflete também o aumento das tensões diplomáticas entre Brasil e Israel, que recentemente chegou a declarar Lula como persona non grata.
Ainda nos aspectos de paz e segurança, Lula também trouxe à tona crises “esquecidas”, como no Iêmen e Sudão, embora com menos destaque. Sua crítica aos altos gastos militares e ao aumento da demanda por ajuda humanitária global reforçou o tom pacifista que permeou todo o discurso.
A emergência climática também foi um ponto central. Lula criticou o não cumprimento dos compromissos internacionais e a insuficiente cooperação internacional. Foi possível ver também reverberar o princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, sobretudo ao criticar o empenho insatisfatório dos países desenvolvidos. Ele destacou as queimadas na Amazônia e as enchentes no sul do Brasil como exemplos dos efeitos devastadores das mudanças climáticas, mas também mostrou o Brasil como modelo de sucesso, com sua elevada participação de energias renováveis. Lula indicou que o país pretende apresentar novas metas ambientais durante a COP30, a ser realizada no Brasil em 2025.
O discurso do Brasil não descuidou de temas tradicionais das políticas externas do governo Lula. Mesmo tendo uma ênfase um pouco menor do que em situações anteriores, o presidente não deixou de destacar a necessidade de cooperação na agenda social. Nesse sentido, aproveitou-se para anunciar a criação da “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, prevista para o G20 em novembro, reiterando seu compromisso com a redução das desigualdades globais.
O entorno regional – outro tema tradicional na política externa do presidente – também esteve presente na fala. Alguns pontos merecem destaque, como a crítica às sanções impostas a Cuba e o apelo por mais atenção à crise no Haiti, reforçando o papel do Brasil como apoiador histórico do país caribenho. Entretanto, a ausência de menções à Venezuela, um tema quente na região, chamou atenção. Essa ausência provavelmente foi o ponto baixo do discurso.
A última parte de seu discurso foi dedicada à reforma da governança global. Nela, o foco foi voltado para a reforma da ONU, destacando a necessidade de maior atuação de órgãos diversos, notadamente a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social e a Comissão de Consolidação da Paz. Contudo, essa ênfase em outros órgãos em uma eventual reforma da ONU foi provavelmente visando preparar terreno para o principal: a reforma do Conselho de Segurança. O discurso foi finalizado justamente destacando a falta de representatividade do órgão. O texto foi habilmente construído para evitou mencionar propostas mais contestadas, como a do G4 – grupo formado por Brasil, Índia, Alemanha e Japão – e ressaltar ideias de maior apelo, notadamente a inserção dos países da América Latina e da África – o que, como mencionado no início do texto, renderam aplausos.
Estudos de relações internacionais deixam claro, entretanto, que não é qualquer país que pode ser gestor dos assuntos de paz e segurança internacional. Apenas os Estados com expressivo status internacional – seja ele derivado de poder material ou social – tem capacidade para tanto. O Brasil, no governo Lula 3, quer mais protagonismo internacional, resta saber se conseguirá.
Miguel Mikelli Ribeiro é colunista do Interesse Nacional e professor de relações internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em RI pela Universidade Estadual da Paraíba e doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco. É autor do livro "Política internacional contemporânea: questões estruturantes e novos olhares".
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