Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
24 setembro 2024

Na ONU, Lula reforça a pauta de busca de protagonismo global para o Brasil

Apesar dos desafios enfrentados pela política externa brasileira tanto no âmbito doméstico como internacionalmente desde o início do terceiro mandato de Lula, o discurso brasileiro na ONU demonstra, mais do que nunca, um desejo do atual governo de elevar o status internacional do Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Abertura do Debate Geral da 79ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupou o palco por pouco mais de 18 minutos e tentou projetar o Brasil como um protagonista nos principais temas da política internacional contemporânea. Apesar dos desafios enfrentados pela política externa brasileira tanto no âmbito doméstico como internacionalmente desde o início do terceiro mandato de Lula, o discurso brasileiro na ONU demonstra, mais do que nunca, um desejo do atual governo de elevar o status internacional do Brasil.

Em sua fala, o presidente abordou questões amplas e urgentes. Três temas tiveram maior destaque: paz e segurança internacionais, a emergência climática e a necessidade de reforma na governança global. Outros tópicos tradicionais de sua política externa também apareceram, porém com menos evidência.

Antes de entrar nos tópicos de discurso, o presidente começou sua intervenção cumprimentando a delegação da Palestina, que, pela primeira vez, participou como observador. Essa menção gerou o primeiro de três momentos de aplausos, sendo os outros dois dedicados à crítica à ausência de mulheres no cargo de secretária-geral da ONU e à falta de representantes da América Latina e África no Conselho de Segurança.

‘A postura brasileira frente à guerra na Ucrânia foi particularmente interessante, tanto por classificar explicitamente a ação russa como uma invasão, como por ter afirmado sua condenação’

O primeiro tema propriamente dito, tratado no discurso, foi a instabilidade internacional em relação à paz e segurança. O destaque ficou por conta dos conflitos na Ucrânia e em Gaza. A postura brasileira frente à guerra na Ucrânia foi particularmente interessante, tanto por classificar explicitamente a ação russa como uma invasão, como por ter afirmado sua condenação. Em nova busca de alçar o Brasil como o possível mediador do conflito, Lula mencionou uma proposta conjunta com a China para solucionar o conflito, resumida em seis pontos. 

Sobre Gaza, o discurso brasileiro expressou profunda preocupação com a escalada da violência, incluindo as operações israelenses no Líbano. Sem citar diretamente Israel, o presidente criticou o que chamou de “punição coletiva” e o alto número de vítimas, afirmando que o direito à defesa transformou-se em um “direito de vingança”. Para além da tragédia do conflito em si, esse tom mais severo reflete também o aumento das tensões diplomáticas entre Brasil e Israel, que recentemente chegou a declarar Lula como persona non grata.

Ainda nos aspectos de paz e segurança, Lula também trouxe à tona crises “esquecidas”, como no Iêmen e Sudão, embora com menos destaque. Sua crítica aos altos gastos militares e ao aumento da demanda por ajuda humanitária global reforçou o tom pacifista que permeou todo o discurso.

‘Lula destacou as queimadas na Amazônia e as enchentes no sul do Brasil como exemplos dos efeitos devastadores das mudanças climáticas, mas também mostrou o Brasil como modelo de sucesso, com sua elevada participação de energias renováveis’

A emergência climática também foi um ponto central. Lula criticou o não cumprimento dos compromissos internacionais e a insuficiente cooperação internacional. Foi possível ver também reverberar o princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, sobretudo ao criticar o empenho insatisfatório dos países desenvolvidos. Ele destacou as queimadas na Amazônia e as enchentes no sul do Brasil como exemplos dos efeitos devastadores das mudanças climáticas, mas também mostrou o Brasil como modelo de sucesso, com sua elevada participação de energias renováveis. Lula indicou que o país pretende apresentar novas metas ambientais durante a COP30, a ser realizada no Brasil em 2025.

O discurso do Brasil não descuidou de temas tradicionais das políticas externas do governo Lula. Mesmo tendo uma ênfase um pouco menor do que em situações anteriores, o presidente não deixou de destacar a necessidade de cooperação na agenda social. Nesse sentido, aproveitou-se para anunciar a criação da “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, prevista para o G20 em novembro, reiterando seu compromisso com a redução das desigualdades globais.

O entorno regional – outro tema tradicional na política externa do presidente – também esteve presente na fala. Alguns pontos merecem destaque, como a crítica às sanções impostas a Cuba e o apelo por mais atenção à crise no Haiti, reforçando o papel do Brasil como apoiador histórico do país caribenho. Entretanto, a ausência de menções à Venezuela, um tema quente na região, chamou atenção. Essa ausência provavelmente foi o ponto baixo do discurso.

A última parte de seu discurso foi dedicada à reforma da governança global. Nela, o foco foi voltado para a reforma da ONU, destacando a necessidade de maior atuação de órgãos diversos, notadamente a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social e a Comissão de Consolidação da Paz. Contudo, essa ênfase em outros órgãos em uma eventual reforma da ONU foi provavelmente visando preparar terreno para o principal: a reforma do Conselho de Segurança. O discurso foi finalizado justamente destacando a falta de representatividade do órgão. O texto foi habilmente construído para evitou mencionar propostas mais contestadas, como a do G4 – grupo formado por Brasil, Índia, Alemanha e Japão – e ressaltar ideias de maior apelo, notadamente a inserção dos países da América Latina e da África – o que, como mencionado no início do texto, renderam aplausos.

Estudos de relações internacionais deixam claro, entretanto, que não é qualquer país que pode ser gestor dos assuntos de paz e segurança internacional. Apenas os Estados com expressivo status internacional – seja ele derivado de poder material ou social – tem capacidade para tanto. O Brasil, no governo Lula 3, quer mais protagonismo internacional, resta saber se conseguirá.

Miguel Mikelli Ribeiro é colunista do Interesse Nacional e professor de relações internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em RI pela Universidade Estadual da Paraíba e doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco. É autor do livro "Política internacional contemporânea: questões estruturantes e novos olhares".

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter