Plano da Ucrânia para vitória na guerra enfrenta desafios
No quadro político, diplomático, militar atual, a proposta de Zelensky é um non starter e tem um forte componente de política interna ucraniana.
Depois de discutir com os EUA e com aliados ocidentais, Zelensky apresentou ao Parlamento ucraniano seu Plano de 5 Pontos para a Vitória.
Os 5 pontos propostos para o início da negociação com a Rússia são:
- Ingresso da Ucrânia na Otan e depois na União Europeia;
- fortalecimento da defesa ucraniana, incluindo a melhoria do sistema de defesa área e reiteração do fim das restrições sobre o uso dos mísseis de longo alcance para atingir alvos dentro de qualquer parte do território russo;
- operações conjuntas de defesa com os vizinho na Europa para derrubar mísseis russos e drones dentro do alcance da defesa aérea dos parceiros ucranianos;
- implementar um amplo pacote de armas estratégicas não nucleares de dissuasão (deterrence) no território ucraniano para proteger a Ucrânia de qualquer ameaça militar da Rússia;
- aumentar o potencial econômico da Ucrânia e um plano para o futuro pós-guerra
Como era de se esperar, o plano foi recebido com cautela pelos norte-americanos e europeus pelo potencial de escalar a guerra com a Rússia.
O ingresso na Otan é uma decisão inaceitável para a Rússia que poderia não bloquear, como parte da negociação, o acesso da Ucrânia à UE, limitada a relações econômicas e comerciais.
A restrição a ataques a qualquer ponto do território russo tem sido repetidamente negada pelos EUA pelo temor de retaliação da Rússia e levar a escalada da guerra, sendo difícil que países europeu eliminem a restrição unilateralmente.
No tocante às ações conjuntas para derrubar os mísseis e drones russos, o secretário geral da Otan, Jens Stoltenberg, desde julho passado tem se negado a aceitar para evitar que a Europa se torne parte do conflito, embora essa cooperação exista em relação a Israel.
Zelensky não deu maiores detalhes sobre o que seria o pacote não nuclear de dissuasão, mas a ideia seria de que o conjunto de medidas de defesa fosse suficiente para forçar a Rússia a se juntar a um processo diplomático de negociação para terminar a guerra de forma justa na visão ucraniana, ou seja, uma garantia de que a Rússia perderia a guerra.
O plano prevê a continuação das operações militares ucranianas na região russa de Kursk, vista como moeda de troca em caso da não aceitação da perda de seu território.
A proposta está sendo apresentada no momento em que a Ucrânia, com dificuldades de armamentos e de militares, está tendo de lidar com derrotas na frente oriental, com a Rússia apresentando gradual, mas seguido avanço na região de Donetsk e continuando os ataques na infraestrutura energética nas cidades ucranianas com drones e mísseis. Ao mesmo tempo, a Ucrânia está se preparando para o inverno tendo em vista esses constantes ataques russos à infraestrutura de energia ucraniana em todo o país.
Coerente com esses 5 pontos, Zelensky reiterou no Parlamento que a Ucrânia não aceitará nada que possa implicar o congelamento da atual situação de ocupação ou concessões de território que implique perda de soberania de seu país.
No quadro político, diplomático, militar atual, a proposta de Zelensky é um non starter e tem um forte componente de política interna ucraniana.
Não pode deixar de ser notado que essa proposta foi apresentada na mesma semana em que Putin divulgou a nova política russa de ação nuclear contra ataques externos (comentada no editorial da semana passada). No caso da entrada na Otan, primeiro item da proposta de Zelensky, a ameaça russa pode se tornar realidade. Não pode ser ignorada igualmente a inviabilidade da proposta de Zelensky em caso de vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais nos EUA, o que viria a favorecer a Rússia pela mudança de posição de Washington no apoio financeiro e militar à Ucrânia.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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