Em contraponto à China, EUA buscam ampliar cooperação com países africanos
Na reunião de Cúpula Estados Unidos-África, em Washington, governo americano procurou distanciar sua postura daquela das antigas potências colonizadoras e oferecer uma comparação com a presença chinesa no continente. Para embaixadora, governo Biden quer compensar o tempo perdido em ações de grande e ambiciosa escala e com o maior respeito
Na reunião de Cúpula Estados Unidos-África, em Washington, governo americano procurou distanciar sua postura daquela das antigas potências colonizadoras e oferecer uma comparação com a presença chinesa no continente. Para embaixadora, governo Biden quer compensar o tempo perdido em ações de grande e ambiciosa escala e com o maior respeito
Por Maria Auxiliadora Figueiredo*
Os encontros havidos em Washington, DC. no período de 13 a 15 de dezembro último entre autoridades dos Estados Unidos da América e de 49 países africanos [1] foram objeto de nota à imprensa do Secretário de Estado Anthony J. Blinken, em que destacou as seguintes iniciativas:
- A disponibilização de recursos da ordem de US$ 55 bilhões nestes primeiros três anos para avançar as prioridades decididas nas diversas instâncias;
- o compromisso, já adiantado pelo presidente Joe Biden à Assembleia-Geral da ONU em setembro de 2022, de respaldar a demanda por assento permanente de um país africano no Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como o apoio, recém-anunciado, ao ingresso da União Africana como membro permanente do G-20;
- o constante incentivo à mobilização do setor privado norte-americano para a promoção de negócios e investimentos na África, como no caso do Fórum de Negócios EUA-África (U.S.-African Business Forum), que reuniu, durante a Cúpula, cerca de 300 empresas e 50 delegações africanas e norte-americanas e implicou a realização de negócios em valor superior a US$ 15 bilhões;
- a decisão do governo norte-americano de trabalhar junto ao Congresso para investir mais de US$ 350 milhões em empreendimentos que têm por objetivo o desenvolvimento da conectividade digital na África;
- a doação de 231 milhões de vacinas contra a Covid-19 e a promessa de investir pelo menos US$ 4 bilhões até 2025 em treinamento e equipamentos com vistas à expansão da capacidade local para tratamentos de saúde na África;
- o fornecimento, pelos Estados Unidos, de cooperação contra a fome e para a melhora da nutrição em montante superior a US$ 11 bilhões em 2021, assistência que se dirigiu sobretudo à África;
- continuado empenho visando à implantação de energias alternativas na África para combater as mudanças climáticas e promover, ao mesmo tempo, oportunidades para empresários e trabalhadores, a exemplo dos projetos de energia solar em Angola, eólica no Quênia e hidro-solar em Gana; do novo projeto de US$ 100 milhões de energia solar anunciado pelo presidente Biden durante a Cúpula; do fundo de US$ 150 milhões destinado a aumentar a resiliência de países africanos aos desastres climáticos; ou, ainda, o estabelecimento de parcerias com ONGs para a proteção dos recursos naturais;
- o compromisso de trabalhar, junto aos parceiros africanos, para a promoção da democracia, pelo fortalecimento do estado de direito, dos direitos humanos, da imprensa livre, bem como na luta contra a insegurança, cujas causas impedem democracias de entregar condições reais de dignidade a seus povos. O governo espera obter do Congresso norte-americano aprovação para a alocação de US$ 165 milhões para apoio a eleições e à boa governança na África em 2023;
- permanente engajamento diplomático em países onde há crises e conflitos, como no Chade, Etiópia, Sudão e na parte oriental da República Popular do Congo; e
- a provisão de US$ 1,1 bilhão nos próximos três anos para programas de juventude que ofereçam ferramentas e recursos para uma comunidade virtual que compreende hoje mais de 700.000 jovens líderes espalhados pelo continente, grande parte dos quais mulheres e meninas.
Quando assinalou que os negócios da comunidade internacional na África são frequentemente opacos – com projetos danosos ao meio-ambiente, mal concebidos e construídos, que empregam trabalhadores importados ou explorados, induzem à corrupção e tendem a sobrecarregar os países com dívidas inadministráveis –, o Secretário Blinken declarou que os Estados Unidos têm uma abordagem diferente. “Nós”, afirmou, “oferecemos investimentos que são transparentes, de alta qualidade e sustentáveis para o planeta. Nós empoderamos as comunidades locais. Nós respeitamos os direitos dos seus povos. Nós escutamos os povos locais e suas necessidades”.
E continuou afirmando que seu país “não vai ditar as necessidades da África. Nem ninguém deve fazê-lo. O direito de fazer escolhas pertence aos africanos e somente aos africanos. Mas nós vamos trabalhar incansavelmente para a expansão dessas escolhas”. A seu ver, os acordos e investimentos alcançados durante a Cúpula mostraram que os governos, os empresários e as comunidades africanas conhecem o valor e a importância da parceria que lhes é oferecida pelos Estados Unidos.
Esse tom alvissareiro e promissor tem a ver com a descrição, feita pelos norte-americanos, da própria África, continente que “formará o futuro, não somente do povo africano, mas do mundo”. O respeito ao continente, por sua vez, permeia todo o texto, que estabelece bem cedo: “Nossa abordagem é sobre o que a América pode fazer com as nações e povos africanos – e não o que pode fazer por eles.” (em itálico, no original).
Se, em algumas das citações acima, o secretário Blinken procurou distanciar a postura dos Estados Unidos daquela das antigas potências colonizadoras da União Europeia, que costumam impor condicionantes para a efetivação de sua cooperação, em outras se torna evidente que a comparação é com a China – ou com a cooperação chinesa tal como propagada pelos países europeus e norte-americanos (Canadá, inclusive).
A China não é mencionada no texto de Blinken, nem o foi nas palavras de Biden ou de outras autoridades norte-americanas que participaram do evento. Mas sua presença atuante no continente, o vulto de seus investimentos e o favorecimento, cada vez maior, que os africanos têm demonstrado pelo parceiro asiático estão na razão de ser dos encontros de dezembro. Esta segunda Cúpula EUA-África veio demonstrar que Washington se ressente dos oito anos decorridos desde a Cúpula de 2014 promovida pelo presidente Barack Obama. Trata-se, agora, de compensar o tempo perdido – em grande e ambiciosa escala e com o maior respeito.
*Maria Auxiliadora Figueiredo é diplomata e colunista da Interesse Nacional. Nascida em Areado, MG, formou-se em Letras pela USP e ingressou no Itamaraty por concurso direto em 1978. Em Brasília, trabalhou na Divisão da Ásia e Oceania, na Subsecretaria-Geral para Assuntos Políticos e foi chefe, interina, da Divisão da África Austral (DAF-II). No exterior, serviu em Madri, Port-of-Spain, Maputo, Lisboa, Quito e Lagos, onde foi cônsul-geral. Serviu, ainda, como embaixadora do Brasil em Abidjã e Kuala Lumpur
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional.
Referências:
[1] Dos 55 membros da União Africana, não foram convidados à Cúpula: o Saara Ocidental, não reconhecido como independente pelos Estados Unidos; Eritreia, que não dispõe de troca de embaixadores com os EUA; e Burkina Faso, República da Guiné (Guiné-Conacri), Mali e Sudão, suspensos da União Africana.
Maria Auxiliadora Figueiredo é diplomata nascida em Areado, MG, formou-se em Letras pela USP e ingressou no Itamaraty por concurso direto em 1978. Em Brasília, trabalhou na Divisão da Ásia e Oceania, na Subsecretaria-Geral para Assuntos Políticos e foi chefe, interina, da Divisão da África Austral (DAF-II). No exterior, serviu em Madri, Port-of-Spain, Maputo, Lisboa, Quito e Lagos, onde foi cônsul-geral. Serviu, ainda, como embaixadora do Brasil em Abidjã e Kuala Lumpur
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional